terça-feira, 7 de abril de 2015

Mãe e filha haitianas são separadas pela Polícia Federal ao entrarem no Brasil


Faz uma semana que a imigrante haitiana Michelove Senatus, 24, no oitavo mês de gravidez, foi separada pela Polícia Federal da filha Ruth Mikauly Louissaint, que completará um ano no domingo (12), ao ingressar em território brasileiro sem documento que pudesse comprovar que é mãe da criança.

Ruth foi entregue pela PF ao Conselho Tutelar e levada para a Instituição de Acolhimento Regional do Alto Acre, destinada a crianças e adolescentes, mantida pelas prefeituras de Xapuri, Epitacionlândia, Brasiléia e Assis Brasil, na fronteira com o Peru e Bolívia. Michelove está na Chácara Aliança, em Rio Branco, no abrigo superlotado de imigrantes mantido pelos governos federal e estadual.

Leia mais:

Com débitos e abrigo superlotado, AC quer que governo federal assuma imigrantes

A mulher entrou na delegacia da PF em Epitaciolândia com a criança no colo e pediu refúgio no Brasil. Como não estava com a certidão de nascimento original, os policiais suspeitaram que pudesse não ser mãe da criança.

Tudo indica que a criança é filha de Michelove, mas a mãe não conseguiu comprovar. Na dúvida, sob o argumento de que agia em prol da segurança de Ruth, a PF encaminhou a criança ao Conselho Tutelar de Epitaciolândia.

Cabe ao Ministério Público e à Justiça a decisão de conceder a guarda definitiva ou provisória da até que Michelove consiga provar que é realmente a mãe de Ruth.

A PF até tentou que a mãe permanecesse com a criança no abrigo, mas o Conselho Tutelar não permitiu com a alegação de que não poderia manter uma estranha na companhia das demais crianças.

- A situação me partiu o coração. Claro que não queríamos fazer isso, mas a lei determina que façamos. Se alguém chega com uma criança e não comprova o parentesco, é nosso dever proteger a criança - relatou um policial que participou do atendimento da imigrante.

Ruth possui um passaporte no qual não consta o nome da mãe. Embora seja tradição não constar o nome da mãe no documento, a PF entendeu que Michelove deveria portar ao menos a certidão de nascimento da filha.

- A nossa preocupação é proteger a criança. O resto não é mais com a polícia. Todas as vezes que surge menor desacompanhado dos pais, encaminhamos para o Conselho Tutelar. O juiz é quem tem o poder de resolver o caso da forma que ele entender que é mais correta - disse a fonte policial.

No domingo, Michelove conseguiu acessar a internet na vizinhança do abrigo e fez download de três documentos que podem comprovar que é mãe de Ruth. Agora ela possui a cópia digitalizada de uma certidão do nascimento, escrita em inglês, pois Ruth Mikauly Louissaint nasceu no Nyack Hospital, em Nova Iorque (EUA), no dia 12 de abril de 2014.

Também possui uma certidão de batismo expedida pela Igreja Adventista do 7º Dia de Nova Iorque, além de uma declaração do marido dela, Lyce Louissante, escrita em espanhol, registrada em Santo Domingo, capital da República Dominicana. No documento, que menciona o nascimento de Ruth em Nova Iorque, Lyce Louissaint autoriza que a mãe biológica Michelove Senatus possa viajar com a criança.



Esdras Hector, que se formou em direito no Haiti e mora em Rio Branco, explicou à reportagem que no país dele as mulheres não têm direito de usar sobrenomes delas como sobrenomes dos filhos.

- O único documento que liga uma mãe biológica a uma criança é a certidão de nascimento. Caso o pai não reconheça a criança, a mãe pode colocar o sobrenome dela como sobrenome da criança - explicou Hector.

Michelove Senatus vivia com o marido Lyce Louissaint na República Dominicana. Ela chegou a cursar dois anos de medicina em Santo Domingo. O marido é engenheiro industrial. Ambos são donos de uma tenda de venda de roupas. Além de Ruth, são pais de Huygen, de três anos e sete meses, e de Emmanuel, de dois anos.

No começo do ano passado, após aguardar vários meses, Michelove obteve dos Estados Unidos autorização para viajar como turista a Nova Iorque, onde dois tios dela moram. Grávida de Ruth,  desembarcou na cidade, a criança nasceu em abril, o prazo do visto venceu e ela voltou para a República Dominicana.

Como os haitianos são muito hostilizados por questões políticas e raciais na República Dominicana, o casal decidiu que era o momento de começar a buscar vida nova no Brasil, onde dois cunhados dela já residem, em São Paulo.

Mesmo grávida de oito meses, Michelove partiu com a filha no colo, acompanhada do cunhado Duckens Louissaint, alfaiate, de 24 anos. Antes de chegarem ao Brasil, passaram pelo Panamá, Colômbia, Equador e Peru. Foram 16 dias de viagem que já custou US$ 4,6 mil ao trio de imigrantes.

- Sei que será muito difícil, mas o meu sonho, no Brasil, é trabalhar e voltar a estudar medicina. A vida dos haitianos na República Dominicana é muito instável. Meu marido e eu avaliamos que, por questão até mesmo de segurança, seria melhor eu viajar para cá. Dependendo do que pode acontecer com nossa venda de roupas lá, meu marido também vem para o Brasil com as duas crianças que ficaram lá. Mas tudo o que quero agora é estar junto de minha filha e com os nossos outros dois filhos que ficaram com meu marido lá - disse Michelove.

No abrigo, o assistente social Carlos Cesar Ferreira de Souza, da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Humano do Acre, criticou a separação de mãe e filha.

- Este é mais um caso entre muitos em decorrência desse fluxo migratório que tem o Acre como passagem. Tem havido excesso de zelo que resulta na violação de direitos das crianças. O procedimento que tem sido adotado, de separar parentes, está errado. Isso contraria o que preconiza em tratado internacional a Convenção sobre os Direitos da Criança. Os países devem adotar medidas para assegurar que a criança na condição de refugiada, ou que seja considerada como refugiada, receba, tanto no caso de estar sozinha como acompanhada por seus pais ou por qualquer outra pessoa, a proteção e a assistência humanitária adequadas a fim de que possa usufruir dos direitos humanos ou de caráter humanitário - afirmou Souza.

Michelove Senatus foi encaminhada pela administração do abrigo de imigrantes para fazer exames médicos. Quando a criança for liberada do abrigo pela Justiça, a mãe só poderá prosseguir viagem caso obtenha autorização de algum médico.

- Do contrário, teremos que providenciar o atendimento do parto e cuidar dela, da filha e do filho que vai nascer.

Michelove já decidiu que o novo brasileiro será chamado de Fritzly Michel Louissaint.

Nenhum comentário: