terça-feira, 17 de abril de 2007

O EXEMPLO DO ACRE

Caro Altino,

Acompanhei e acompanho -de longe, pois estou morando fora do Brasil- pelo seu blog os desenvolvimentos e debates gerados pela minissérie "Amazônia". Estranhamente, quanto mais lia sobre esse assunto, mais incomodada ficava. Esse incômodo gerou um texto, que lhe envio agora. Você pode publicá-lo, se achar que o assunto é pertinente - vejo que o debate está acalorado em torno do projeto de prospecção de petróleo.

Um abraço

Artionka Capiberibe

Mesmo de fora do Brasil, acompanhei a participação de Elson Martins na minissérie “De Galvez a Chico Mendes”. Isso graças aos blogs. Fiquei muito feliz por ele, fiquei feliz de saber que finalmente seu papel político, importante para história acreana e do Brasil, foi reconhecido em grande estilo. Fique feliz pelo Acre, pois não é todo dia que a história de um pequeno Estado da periferia do Brasil recebe tratamento digno de seu valor.

No entanto, foi inevitável para mim refletir sobre como a Amazônia é grande e como as histórias dos Estados que a compõem podem ser diferentes e me entristecer. Sempre soube que não dava para comparar o Acre com o Amapá. Cem anos de História de lutas os separam e o significado disso se reflete na vontade de mudar e no engajamento do povo para que as mudanças ocorram.

O Amapá que, há pouco tempo atrás, era celebrado na mídia nacional como o Estado modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia, hoje só tem aparecido como um modelo de escândalos de corrupção. A prefeitura da capital, Macapá, e o governo do Estado vêm há um certo tempo sendo investigados pela Polícia Federal. Estas investigações deram fruto às operações “Pororoca” e “Antídoto”, nas quais se acumulam provas de roubo do dinheiro público para a saúde.

Se tais provas não existissem, existiriam ainda as provas da falência do sistema de saúde pública do Amapá, cujo exemplo mais dramático foi o das mortes de 12 crianças na pediatria do Estado em apenas 15 dias, ocorridas em junho do ano passado, em pleno período de campanha eleitoral. Essas mortes, assim como outras que vem ocorrendo cotidianamente pela falta de remédios, de aparelhos para diagnóstico, ou seja, de uma estrutura segura de atendimento, têm uma mesma causa: o dinheiro que deveria suprir e garantir essa estrutura está indo para outro lugar.

É tão óbvio que o dinheiro público está sendo usado para fins privados que me sinto meio ridícula repetindo lamúrias. Mas na verdade isso aqui não é tanto uma denúncia. É um desabafo e um apelo, porque ao ler hoje a notícia de que o governador citado nas investigações da operação “Antídoto”, portanto suspeito de roubo, foi à Brasília “conversar” com o ministro das Relações Institucionais para pedir o fim das investigações, tive o sentimento de que o povo do Amapá mais uma vez vai ser passado para trás.

Assim como vem ocorrendo com o prefeito de Macapá, que foi indiciado por roubo do dinheiro público, mas permanece prefeito, o governador vai se manter no posto para o qual foi eleito numa eleição muito suspeita. A prova disso são os sete processos contra ele por abuso do uso da máquina no período eleitoral, absolvido pelo TRE-Amapá mesmo contra provasirrefutáveis do crime. E, recentemente, a suspeita sobre o processo eleitoral foi acrescida pela avaliação técnica feita pelo ITA, que apontou o sumiço de 6% das urnas do Amapá, o que equivale a 21 mil votos num universo de aproximadamente trezentos mil. Acho que isto basta para afirmar que este governador não tem legitimidade.

Mas, se a vontade popular quiser se ver respeitada, o povo do Amapá terá de ir para as ruas, pois se não fizer “empate”, como faziam os seringueiros liderados por Chico Mendes, nada vai mudar. Agora é a hora de se inspirar no exemplo do Acre. Ir para a frente do palácio de justiça e reivindicar a punição dos ladrões do dinheiro da saúde, da educação, das estradas, da qualidade de vida. Sem luta, o Amapá vai ter de se resignar a continuar convivendo com esses crimes repugnantes de lesa-vida.

Artionka Capiberibe é antropóloga amapaense

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