quinta-feira, 16 de novembro de 2006

O HOMEM DO TEMPO

Leila Jalul

Nome: Bita
Apelido: Bita
Estado civil: Bita
Idade: a idade do Bita

O cenário era assim, necessariamente nesta mesma ordem: da direita para a esquerda, visto de frente, primeiro, lá no fundo, uma construção em alvenaria de 3m x 3m. Era o necrotério, onde, por dias intermináveis, deitavam os defuntos dos arigós e dos indigentes.

Enorme e de madeira, lá estava o pavilhão dos mais ou menos, aqueles em recuperação. Mais ao lado, aquele dos casos mais graves e do centro cirúrgico, que fedia a éter e a mistério. Intransponível. Apenas as freiras e a vontade de sofrer circulavam por lá.

Outro pavilhão era o isolamento dos leprosos e tuberculosos. Tinha uma placa ostensiva, ao alto, em letras garrafais como se dissesse: Atenção! Cuidado! Não se aproximem! O buraco é mais embaixo!

Não estou falando sobre um complexo hospitalar. Ledo engano. Vejamos a última construção, no finzinho, já dando para avistar o Rio Acre. Era lá que estava a construção de lona, onde morava o nosso homem.

Pequeno, magro, sujo e, acima de tudo, respeitado. Pequeno, magro, sujo, respeitado e, à época, a única fonte incontestável das previsões metereológicas.

Ninguém, ninguém mesmo, com domínio ainda que relativo de suas capacidades, ousava casar, aniversariar, e batizar, sem que antes perguntasse ao Bita. As previsões dele valiam tanto para o hoje quanto para o futuro.

- Bita, vai chover hoje?

- Bita, vai chover dia 8 de dezembro?

Dava certo, acreditem. O terreno não existe mais. Afundou tudo na rua Floriano Peixoto. Os doentes, ou morreram ou ficaram bons. Quem sabe?

O Bita é hoje aparelhado por satélites de altíssima precisão. Céu nublado, com possibilidades de chuva no decorrer do período (da manhã ou da tarde?) e graciosamente apresentado pelas emissoras por lindas criaturas. Sou mais o Bita.

Foi nesse ambiente que adquiri meus primeiros sintomas de pedras nos rins, bexiga arriada, erisipela e frigidez. Nas noites mal dormidas, eu aparava em bacias de prata o sangue das hemoptises e, como quem procura agulha num palheiro, procurava saber sobre a sensibilidade dos meus panos brancos desastrados.

Nos outros dias, restava viver os tempos nebulosos que nem o Bita sabia prever.

Leila Jalul é poeta e funcionária pública aposentada.

10 comentários:

Anônimo disse...

Só a Leila com a sua previlegiada memória para resgatar a figura do nosso
metereologista maior.Suas previsões, quase sempre corretas,eram frutos apenas
de suas observações diretas.O abordei
inúmeras vezes pelas ruas do primeiro e
segundo distrito, suas áreas de atuação
Essas pessoas,ficam para sempre em nossa
retina,graças a Deus.Abraços Leila.
Chico Souto

Anônimo disse...

Querido Chico,
Meus tempos de Vila Velha foram sempre entupidos com chuvas de granizo, raios, relâmpagos, tormentas e alagamentos....
Mas não esqueço do nosso churrasco!
E não esqueço de nós mesmos diante das intempéries.
Se eu fosse poeta, e de poeta alma tivesse, diria sem receio que nós, bravos viventes e amigos de infância, temos sempre diante de nós uma avenida larga. Basta coragem para atravessá-la e nosso abraço estrondaria... O tempo não teria a menos importância... era como se tivéssemos rido e vivido no dia de ontem,!
Beijão para vc e para sua família!

Anônimo disse...

tô feliz que o blog do altino tenha trazido voce de volta para às escritas cotidianas e um pé no passado...ainda tô perdida aqui pelo sul merdavilha, mas assim que chegar vou te procurar...como uma amiga ingrata que sempre fui, ainda não agradeci a noite agradável do jantar...
na sala da regina ainda estão penduradas os 02 presentes de cerâmica que voce mandou, lá na década de 80 indo pros anos 90...ao lado de tudo que ela guarda como importante na vida dela...
um grande abraço
célia pedrina...
estou entrando, hoje, sábado para o confinamento do PT lá em cajamar...se eu resistir fico até o dia 25...tenho algumas idéias que quero contar só pra voce...
tichau

Anônimo disse...

leila,
pela segunda vez estou tentando te mandar um comentário sobre o que voce escreve...mas levo um "banho" deste mundo virtual...enfim, tomara que este chegue...
era prá te dizer que acho super bom voce ter voltado às letras e colocá-las pra nossa leitura...
ainda estou em terras paulistanas...
na parede da casa da regina estão as duas peças de cerâmicas que voce deu a ela lá pela década de 80/90, no meio de tudo que ela preserva com carinho....
assim que voltar vou me encontrar com voce, por que, amiga ingrata que sempre fui, não agradeci até hoje ao jantar...que foi bom demais como quase tudo que voce prepara para os amigos...tenho algumas boas novas prá te contar...mas só pra voce...vamos avaliar juntas...2007 nos aguarda...
célia pedrina

Anônimo disse...

O meu avô me falou q a Sra. Leila esqueceu de diser q aquela figura lendária, nos dias de festa estava garbosamente vestida com sua roupa de TOMIX e por cinal muito bem feita por ele mesmo e nos seus mínimos detalhes; e a bela cabeleira do mesmo?

Anônimo disse...

Eu também conheci o Bita. Um dos pontos de parada dele ficava em frente ao Cine Rio Branco. De fato, ele gostava do traje do Tom Mix, um caubói dos anos cinquenta. Bita tinha uma vasta cabeleira e costumava usar uma tiara a moda dos índios americanos. Ficava um tempão de braços cruzados,olhando para o tempo.

Anônimo disse...

Rô, não é se seu avô e o Elson Martins têm razão?
É a idade, meus amigos, é a idade!!!
Tenho que confessar uma coisa: eu não conhecia esse negócio de blog. Somente através do Altino é que fiquei sabendo que existe os que escrevem, os que comentam, os que temem, etc...
Vez ou outra vou mandar um textinho para este Blog, e, se o Altino colocar no ar, vou esperar comentários como o do seu avô e o do Elson. Somente assim meus personagens reaverão suas características e serão lembrados de forma mais justa...
Minha memória é de infância, portanto, sujeita a lapsos.

Anônimo disse...

O meu avô solicita à Sra. Leila q pesquise em s/memória assuntos sobre o Antônio do cuscus; Tomé manteiga e o velho baú, pois ele acredita q existe farto material.Transcrevo aqui, duas relíquias q me foram contadas, as quais eram contadas de maneira graciosa pelas pessoas q o conheciam:O Sr. Tomé entregava leite em domicílio e ao ser questionado sôbre uma piaba (peixe pequeno) encontrada dentro de uma garrafa do referido produto, omesmo repondeu: vc ñ sabe q minhas vacas bebem água no açude? A outra, por ocasião de s/candidadura à Dep. Fed. êle empolgado c/os aplausos Exclamou: enquanto os ricos dormem em colchões de molas os pobres dormem em cama de pau duro. falava-se q o comício foi encerrado naquele momento. O meu avô falou q o Sr. Elson conhece estas e outras do Sr. Tomé pois êle frequentou muito os campos do Sr. Tomé, velho Magalhães e muitos outros, sempre em copanhia da turma da Gabino Besouro.Espero q o Sr. Altino publique + este.Por enquanto um forte abraço à todos. Rô

Anônimo disse...

Rô, esse seu avô tá escondendo o ouro!Sabe, desde 95, eu estou com um material já escrito, e que, por pura indisciplina, nunca publiquei. Não foi só por indisciplina, mas por achar que não havia interesse em se conhecer as figuras. Tenho mais de 25 crônicas praticamente prontas, faltando apenas colocar as pausas das vírgulas, e, principalmente, falta me assegurar que não se trata de material ofensivo... Há fatos engraçados, tristes, pesados ....
Há situações que, por mais que se tente entrar nos conformes dos ficionais, é praticamente impossível, já que não sou a única privilegiada e possuidora do conhecimento.
Ora bolas! me lembro e como lembro do Tomé Manteiga, um baixinho de olhos perspicazes e pai da D. Leide Fontenele, mulher do professor de português que a gente chamava de "porquinho"! Do Seu Antonio de Cuscuz? dono da loja ao lado do Jardim de infância Menino Jesus? Ele e seu tapa-olho de cor preta, mais parecia um pirata... se lembro? lembro e muito!
Mas tinha mais gente fina no pedaço, tinha o seu Tatu Cheiroso, a Nhanhã e muitos outros jamais caídos no meu esquecimento...
Alguns merecem umas poucas e mal traçadas linhas. Outros, não.
Rô, pede para o teu avô se conectar comigo! Meu e-mail é jbretz@brturbo.com.br
Quem sabe a gente troca figurinhas e resolve tirar o bolor para poder contar mais e mais causos de nossa infância. Se não valer a pena publicar, pode ser importante lembrar, entende?

Meu carinho para você.

Anônimo disse...

Acho perfeitamente viável que a minha
amiga Leila possa publicar essas crônicas.A amostra citada foi um bom
aperitivo do que pode ser o resgate de
personagens que habitaram o nosso imagi-
nário nos saudosos anos dourados de nossa adolescência em Rio Branco.
Abraços do Chico Souto