terça-feira, 18 de abril de 2006

ELOGIO DA PREGUIÇA

(A mim mesmo)

"Preguiça amamenta muita virtude"

Juvenal Antunes

Bendita sejas tu, Preguiça amada,
Que não consentes que eu me ocupe em nada!

Mas queiras tu, Preguiça, ou tu não queiras,
Hei de dizer, em versos, quatro asneiras.

Não permuto por toda a humana ciência
Esta minha honestíssima indolência.

Lá está, na Bíblia, esta doutrina sã:
-Não te importes com o dia de amanhã.

Para mim, já é grande sacrifício
Ter de engolir o bolo alimentício.

Ó sábios, dai à luz um novo invento:
A nutrição ser feita pelo vento!

Todo trabalho humano, em que se encerra?
Em, na paz, preparar a luta, a guerra!

Dos tratados, e leis, e ordenações,
Zomba a jurisprudência dos canhões!

Juristas, que queimais vossas pestanas,
Tudo que legislais dá em pantanas.

Plantas a terra, lavrador? Trabalhas
Para atiçar o fogo das batalhas!

Cresce o teu filho? É belo? É forte? É loiro?
- Mas uma rês votada ao matadouro!

Pois, se assim é, se os homens são chacais,
Se preferem a guerra à doce paz...

Que arda, depressa , a colossal fogueira
E morra assada, a humanidade inteira!

Não seria melhor que toda gente,
Em vez de trabalhar, fosse indolente?

Não seria melhor viver à sorte,
Se o fim de tudo é sempre o nada, a morte?

Queres riquezas, glórias e poder?
Para que, se amanhã tens de morrer?

Qual mais feliz? O mísero sendeiro,
Sob o chicote e as pragas do cocheiro...

Ou seus antepassados que, selvagens,
Viviam, livremente, nas pastagens?

Do Trabalho por serem tão amigas,
Não sei se são felizes as formigas!

Talvez o sejam mais, vivendo em larvas,
As preguiçosas, pálidas cigarras!

Ó Laura, tu te queixas que eu, farcista,
Ontem faltei, à hora da entrevista,

E, que ingrato, volúvel e traidor,
Troquei o teu amor - por outro amor.

Ou que, receando a fúria marital,
Não quis pular o muro do quintal.

Que me não faças mais essa injustiça,
Se ontem não fui te ver, foi por preguiça.

Mas, Juvenal, estás a trabalhar!
Larga a caneta e vai dormir, sonhar.

(Cismas, 1908)



Laura

Falam de ti, de mim, de nós ... Quem há de
Tentar fechar as bocas viperinas?
Cada dia, mais cresce a intensidade
Do meu desprezo às almas pequeninas.

És a maior de todas as heroínas,
Com esse desdém e essa serenidade!
Que eu beije sempre as tuas mãos divinas
Minha dor! Meu prazer! Minha saudade!

Façamos deste amor um relicário,
A pirâmide, o túmulo, o sacrário,
Onde a nossa paixão seja guardada!

Vamos, Laura, assim por toda a vida!
E, embora nunca sejas a Possuída,
Para mim, sejas sempre a Desejada!

(O livro de Laura - inédito)

3 comentários:

Anônimo disse...

Altino, esse poema da preguiça é deicioso e, devo confessar, pareço um pouco com ele, preguiçosa demais.
Obrigada por nos mostrar.

Beijos

Anônimo disse...

Chegaste, enfim, ao meu princípio. (Ave, Juvenal, profeta da preguiça!)

Anônimo disse...

Certamente, trata-se de obra já de domínio público, Altino. Conversa aí com Toinho ou com o Desembargador Arquilau. Quem sabe descobrirás vontade para uma nova edição.