quinta-feira, 20 de outubro de 2005

OS FATOS COMO BASE

Lúcio Flávio Pinto

Prezados colegas da Rede dos Jornalistas Ambientais Brasileiros:

Pode parecer que nós, nascidos na Amazônia, nos consideramos os detentores da chave do saber sobre a região. Por isso rejeitamos os "do Sul". Não é verdade, ou não deve ser considerado verdade. O pé atrás existe e tem sua raiz, mesmo que não sua razão, mas nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Há Norte e Norte. Sul e Sul.

O que devo dizer é que a Amazônia não escapará a um destino inglório por seus próprios meios. Necessita da solidariedade externa.

Dificilmente a Amazônia deixaria de ser menos Amazônia a cada temporada de fogo & desmatamento, mesmo se não houvesse a cobiça internacional. Já bastaria a fúria desmatadora do capitão-do-mato, o bandeirante, predador de almas, dizimador de paisagens. A cunha estrangeira, porém, multiplica os efeitos dessa fúria.

Se o capital internacional é a pedra de toque dessa frente desmatadora, só nos resta tentar voltar contra essa espiral do dinheiro o contracanto do saber. É no âmbito do conhecimento que se tem o maior grau de autonomia relativa. Sem uma ciência empenhando todos os seus anéis na Amazônia, em breve seremos um cerrado, uma savana, uma mata primária, reflorestamentos.

A história da Amazônia deve imensamente a estrangeiros, como o padre português João Daniel, os ingleses Henry Bates e Wallace, e aos "do Sul", como Alexandre Rodrigues Ferreira e Ferreira Pena. E continuará a dever a gente da estirpe de José de Souza Martins, Aziz Ab'Saber, Orlando Valverde etc. Sejamos os militares geopoliticamente obcecados pelo objetivo de "integrar para não entregar".

Por mais que sejamos inteligentes, aplicados empiricistas, denodados observadores dos fenômenos endógenos, autênticos caboclos do saber, não daremos conta de entender a Amazônia. No tamanho da minha insignificância, aplico todo meu empenho em interessar mais gente por esta terra, more em São Paulo ou Tóquio. Não quero uma dezena de bons jornalistas. Quero centenas, quem sabe o milhar. Não só indo e vindo episodicamente. Ficando.

Comecei a trabalhar como profissional em 1966. Naquele ano, o desmatamento era de aproximadamente 0,8% da região, desde a primeira ação humana, que remonta a algo em torno de 10 mil anos. Hoje, estamos caminhando celeremente para 20%. Nenhum povo desmatou tanta floresta em tão pouco tempo em toda história da humanidade.

Assim, caros amigos, a Amazônia é útero fecundo para todos os que aqui quiserem aplicar sua vontade, seu saber, seu esforço, sua competência. Mas não subestimem a Amazônia. Ela não é para amadores, ainda que seus melhores profissionais sejam os que a amam.

É impossível trabalhar na Amazônia sem se interessar por sua história, sem entrar nessa história. Ela oferece às pessoas sensíveis e inteligentes a oportunidade rara de FAZER HISTÓRIA.

Temos que ser rigorosos, aplicados, disciplinados, inclementes na busca da informação.

Não devemos fugir desse embate. Muito pelo contrário: ele nos testará e nos confirmará; sendo bom o debate, nos refinará, sublimará. Mas sempre tendo os fatos como base, chão.

Grande abraço a todos.

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