sábado, 24 de setembro de 2005

VIVA TXAI TERRI!


A história contemporânea do Acre, marcada por lutas e sacrifícios do movimento social em defesa das florestas e dos povos que nela habitam, teria tomado outro rumo sem a presença do antropólogo Terri Vale de Aquino. Dá até para dividir essa história em antes e depois de Terri Aquino.

Até 1974, em plena ditadura militar, o Brasil não reconhecia oficialmente, no Acre, a existência das nações indígenas. Foi o então governador Geraldo Mesquita, pai do senador Geraldo Mesquita Jr., o primeiro a solicitar à Funai que tratasse de identificá-las.

Coube ao acreano Terri Aquino, recém-formado, iniciar o trabalho há 35 anos, quando fez sua primeira viagem subindo o rio Jordão, com destino à fronteira do Brasil com o Peru, onde os índios kaxinawá viviam como escravos dos patrões seringalistas.


Terri Aquino abriu caminhos para que os kaxinawá se organizassem para conduzir a própria história de libertação. Os primeiros passos foram a reivindicação pela demarcação da terra, alfabetização e a criação de cooperativas de produção e consumo.

Libertos do cativeiro, o povo kaxinauá e Terri Aquino transformaram a experiência num movimento que envolveu as demais etnias na luta por conquista de suas terras, prosperidade e afirmação cultural. O mapa do Acre teve que ser redesenhado pela força da dedicação do antropólogo e da organização dos povos indígenas.

Wilson Pinheiro e Chico Mendes se espelharam na organização indígena para liderarem os trabalhadores rurais no movimento de resistência à pecuária extensiva que expulsava milhares de seringueiros de suas colocações.

Mas adiante, após o assassinato de Chico Mendes, a aproximação de índios e seringueiros foi batizada de Aliança dos Povos da Floresta.


Terri Aquino foi decisivo para que os índios conquistassem mais de 30 terras no Estado, que hoje estão em graus variados de demarcação, reconhecimento e regularização. As terras estão distribuídas em 11 municípios e ocupam mais de 2 milhões de hectares.


Acompanhado de vários amigos e amigas, tive o prazer de passar a tarde comemorando os 59 anos do Txai Terri. Comemos muito peixe moqueado.

Terri continua humilde e desapegado de qualquer ambição material, preocupado que é com o destino dos índios. Não possui bens a declarar ao imposto de renda, o que inclui terreno ou casa para morar.

- Isso é coisa pra vocês. No dia que eu comprar um palmo de terra, vai acontecer comigo o mesmo que aconteceu com Guimarães Rosa. O Rosa avisou que morreria quando aceitasse ingressar na Academia Brasileira de Letras. E morreu mesmo no ano que aceitou o convite.

Vida longa ao Txai Terri!

HONROSA CONDECORAÇÃO

Por Toinho Alves

Quando eu era um jovem trotskista, em Brasília, fiquei sabendo de um acreano que fazia pós-graduação em Antropologia e tinha uma certa atitude de desprezo pelo movimento estudantil, que considerava “pequeno-burguês”.

Era um tal de Terri Aquino que, com isso, ganhou minha antipatia imediata. Quando voltei para o Acre e ele já estava por aqui, não quis saber de proximidade com ele.

Mas eu era casado com a Isla e ele com a Vera, as duas eram muito amigas e viviam “fazendo o cartaz” de um para o outro, querendo promover uma aproximação.

Diziam que éramos muito parecidos, dois velhos que gostavam de ficar em casa falando sobre livros ao invés de ir para as festas. Tanto fizeram que o encontro acabou acontecendo. Deu certo e para sempre.

Sou padrinho da Isabel, filha dele com a Vera, e ele é “padrinho de apresentação” do Samuel, meu filho com a Rejane.

Trabalhei sob a liderança dele na Comissão Pró Índio. Não recebi nenhum centavo, pois os repasses dos projetos foram suspensos e o Terri mandou nossos salários para as aldeias.

Viajei com ele pelo Juruá e Tejo. Tomamos juntos muita ayahuasca. Aprendemos muita coisa juntos. Aprendi e aprendo muita coisa com ele. Ser seu amigo é uma honrosa condecoração que a vida me deu.

SAUDOSA MALOCA

Por Gisela

Terri, seu bobo. Nem me convidou pra sua festa! Não vou mais dançar com você na Saudosa Maloca.


RUTIN

Por Elson Martins

Em 1975 comecei a atuar como repórter regional de O Estado de S.Paulo em Rio Branco e conheci o sertanista José Porfírio de Carvalho, que estava instalando a Ajudância da Funai na capital do Acre. Ele passou a ser uma fonte preciosa sobre a questão indígena que estava sendo retomada no Estado.

Na época, a sociedade acreana não contava mais com a existência de índios na região, embora a Funai estivesse iniciando os trabalhos de identificação de grupos étnicos e de suas terras.

Numa manhã de 1976, Carvalho reclamou de um antropólogo contratado pela Funai que não teria concluído seu trabalho de identificação nos rios Tarauacá e Jordão:

-Eu recebi a informação de que o “fila da puta” passa a maior parte do tempo na cidade, no fundo de uma rede. Mandei um avião teco-teco busca-lo e vou recomendar sua demissão - disse-me, furioso.

Decidi acompanhá-lo até o aeroporto para conhecer o antropólogo vadio. Quando Terri Aquino desembarcou em Rio Branco era um fiapo de gente. Sofrera uma meia dúzia de malárias e ainda não tinha curado a última.

Enquanto Carvalho se entendia com o piloto sobre o frete do avião, nós nos apresentamos na estação de passageiros. Fiquei feliz de saber que aquele sujeito debilitado era acreano e tinha história de vida parecida com a minha, com passagem pelo seringal. Quando Carvalho se desembaraçou do piloto nós já éramos “cúmplices”.

Mas o sertanista, que havia trabalhado na frente de atração dos índios waimiri-atroari, no Estado do Amazonas, e tinha temperamento até policialesco em defesa dos índios, era sujeito de bom caráter, com senso de justiça: mudou logo sua opinião sobre o antropólogo que também estava conhecendo naquela ocasião.

Daquele dia em diante, eu e Terri nos tornamos parceiros-irmãos, aliados na luta em defesa dos povos da floresta...Uma luta que ainda não terminou. Ele se metia nos matos e minha casa passou a ser seu endereço para correspondência. De onde estivesse, me escrevia cartas falando dos problemas e dificuldades que encontrava.

A partir de 1977 tornou-se repórter e redator especial do alternativo Varadouro para produção de textos sobre os índios do Acre. E dentro da redação do jornal criou com outras pessoas a Comissão Pró-Índio do Acre, que se transformou na prestigiada ONG acreana que todos reconhecem.

Em 1996 recebi um exemplar do livro “Kaxinawa do Rio Jordão –História, Território, Economia e Desenvolvimento Sustentado”, que ele escreveu em parceria com o Marcelo Piedrafita Iglesias.

Na dedicatória me trata de “Rutin” (irmão mais velho na linguagem dos Kaxis) afirmando: “Você foi a pessoa que me fez ficar aqui no Acre por esses longos anos”.

E acrescenta, avaliando sua própria obra: “Às vezes penso que escrevo para espíritos que ainda vão ser encarnados”.

Vida longa para você, Txai Terri!

7 comentários:

Anônimo disse...

Quando eu era um jovem trotskista, em Brasília, fiquei sabendo de um acreano que fazia pós-graduação em Antropologia e tinha uma certa atitude de desprezo pelo movimento estudantil, que considerava “pequeno-burguês”. Era um tal de Terri Aquino que, com isso, ganhou minha antipatia imediata. Quando voltei para o Acre e ele já estava por aqui, não quis saber de proximidade com ele. Mas eu era casado com a Isla e ele com a Vera, as duas eram muito amigas e viviam “fazendo o cartaz” de um para o outro, querendo promover uma aproximação. Diziam que éramos muito parecidos, dois velhos que gostavam de ficar em casa falando sobre livros ao invés de ir para as festas. Tanto fizeram que o encontro acabou acontecendo. Deu certo e para sempre. Sou padrinho da Isabel, filha dele com a Vera, e ele é “padrinho de apresentação” do Samuel, meu filho com a Rejane.
Trabalhei sob a liderança dele na Comissão Pró Índio. Não recebi nenhum centavo, pois os repasses dos projetos foram suspensos e o Terri mandou nossos salários para as aldeias. Viajei com ele pelo Juruá e Tejo. Tomamos juntos muita ayahuasca. Aprendemos muita coisa juntos. Aprendi e aprendo muita coisa com ele. Ser seu amigo é uma honrosa condecoração que a vida me deu.

Anônimo disse...

Terri, seu bobo. Nem me convidou pra sua festa! Não vou mais dançar com você na Saudosa Maloca.

Anônimo disse...

Taí uma pessoa sem defeito político. Tô pensando faz é hora em alguma coisa, alguma razão, alguma antipatia, pra não gostar do Terry, mas não consigo achar nada...
Uma boa alma.
Vai o único defeito de Teery é ser cunhado do Phé.
Parabéns txai!
Altino, desses homens que "mexem" com índios, quem está meio sumido oArmando. Tens notícia?

Anônimo disse...

Txai Terry, quem sou eu pra falar alguma coisa sobre sua vida, uma menina que ta comecando agora, mas de ouvir falar, eu ja ouvi muito a seu respeito, ate um dia te conhecer e atraves de meus tios, Biraci, Sales, meu avo Raimundo luiz, aprendi a te respeitar e muito, voce e um simbolo de luta pela causa indigena, ate mais que os proprios indios que muitas vezes se perdem em palavras enfeitadas e discursos vazios. Te vejo como um homem de carater bom e que gosta de ajudar, com seus filhos que tambem tem sangue indigena voce aprendeu ainda mais a amar esse povo, e agora casado com uma Yawanawa, nem se fala...lembra-se daquela viagem que fiz aos Estados Unidos, logo quando comecou a guerra por la? voce recebeu a mim e ao Tata tao bem em seu apartamento em Brasilia, nunca vou esquecer, aquele gesto nobre e honroso, voce me deu comida, abrigo e atencao, embora uma vida tao corrida, a Vera Olinda nem se fala, ela e demais...obrigada Txai por estar tao perto da gente, e o mais interessante e impressionante e sua garra e vontade de fazer acontecer e funcionar essa maquina chamada justica social, igualdade. Com todo respeito edna

Anônimo disse...

Bom dia Altino, somos de uma revista que retrata os 13 ramos do cooperativismo brasileiro e ficamos sabendo de uma cooperativa dos indios Kaxinawás coordenada pelo sr. Terri Aquino.
Você tem alguma informação a respeito? ou o telefone, e-mail do Terri para entrarmos em contato?
Fico no aguardo. Muito obrigado
Douglas

Anônimo disse...

Douglas, o Terri está na floresta, em viagem. Pena que voce não tenha deixado e-mail para contato. Escreva-me que poderei passar o e-mail do Terri ou indicar outras pessoas que possam atendê-lo. Grato.

Manuela Vasconcelos disse...

Terri
Estive a fazer pesquisas na internet e pensei em ti. O que eu encontrei! Comovi-me com tudo o que li e apeteceu-me mandar-te um beijo. E pôr a escrita em dia. Há 40 anos (!!) que não falamos. Sou a Manuela (Vasconcelos) que desaguou no Rio em 1969/70 vinda de Lisboa. Se eu falar na Luz, localizas...
Se me leres, e tiveres tempo, diz olá.
Manuela