domingo, 27 de dezembro de 2015
sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
terça-feira, 15 de dezembro de 2015
Chico Mendes e Irineu Serra
segunda-feira, 14 de dezembro de 2015
Ninho de pipira
domingo, 13 de dezembro de 2015
quarta-feira, 25 de novembro de 2015
João Rodrigues: uma vida repleta de dificuldades, desafios e sentido
POR JAIR ARAÚJO FACUNDES
Dia dos pais significa almoçar com papai, em mesa grande e farta, um vozerio de netos, filhos, bisnetos, amigos. Depois tomar suco de cupuaçu com ele e ouvir suas histórias. Comer banana frita com canela e açúcar. Ou jogar damas. Abraçá-lo. Foi bom fazer isso. Enquanto podíamos.
Descartes. E um caboclo. Papai estava me ensinando a fazer caiçuma, bebida feita com macaxeira, de origem indígena. Quanto de gengibre? Indaguei. Ele pegou um punhado de gengibre e jogou no pilão para macerar. Insisti na pergunta: como o senhor sabe que essa é quantidade suficiente? Na base, respondeu-me. Mas eu não sei o que é “base”. Sei o que é quilo, grama, litro, metro, afirmei. Ele continuou macerando, e disse: então tá.
O mundo era e é grande pela possibilidade de me distanciar de quem gosto. Porque o mundo tem sentido em razão das pessoas. Com a morte de papai o mundo ficou menor, porque já há não distância que, percorrida, aproxime-me dele. Também ficou menor porque falta um pedaço. Enorme. Na alma.
Charles Taylor é filósofo canadense e professor de várias universidades. Em famoso texto diz que nossa identidade é formada dialogicamente (e não monologicamente), a partir do contato com o outro-importante, pessoas que são referências em nossas vidas, que nos passam a noção do que tem valor e do que vale a pena ser seguido. Podem ser parentes, líderes políticos e comunitários, pessoas de expressão, ícones pop. É fácil ser referência se somos ricos, famosos, gênios da física, médico etc.
Papai era carpinteiro e professor primário. Homem simples. Mas inspirou várias pessoas. Não só a mim. Não porque era honesto, trabalhador, responsável. Mas porque, além disso, mostrava, com sua vida, que a existência tem sentido, propósito e alegria, mesmo na pobreza em que viveu, mesmo com as dores e tristezas que sofreu, apesar das frustrações que teve; que a vida não tem valor apenas quando suntuosa, ou feita apenas de conquistas fantásticas. Talvez ele fosse assim porque via a vida como uma singular oportunidade de mostrar a Deus que fez bom uso dessa dádiva.
Disse a ele certa feita que ele fez uma aposta perigosa ao me criar livremente, no sentido de que ele nunca tentou ser aquele que detém o conhecimento do mundo ou do tempo, o saber e a resposta de todas as questões. Ele riu, e disse, do modo dele, que assim o fez por várias razões. Ele via os filhos como pessoas capazes, e que acreditava que somos capazes quando assumimos nossas decisões, certas e principalmente as erradas; e que se ele respondesse por mim estaria contribuindo para que eu pensasse que o erro não é do homem, nem a aprendizagem que dele provém, que viver com o que somos e fazemos é uma conquista.
Com algum esforço eu faria um livro sobre suas idiossincrasias, rabugices. Mas sem esforço eu escreveria uma biblioteca sobre suas virtudes. Ele dizia que boa parte do sentido da vida consistia em reconhecer esses defeitos, pelejar com eles para, se possível superá-los, mas pelo menos enfraquecê-los. Ele não aspirava à santidade, mas à humanidade de ser homem num esforço contínuo contra si mesmo, para mudar e se apresentar melhor, como ele tanto falava, a Deus. Tinha a convicção de que, apesar das limitações que possuímos, podemos melhorar. E muito. Não se apresentava para mim como um oráculo, um pai “autoridade”, mas como um alguém que já estava na estrada da vida há algum tempo, e que talvez pudesse compartilhar o conhecimento sobre alguns perigos e atalhos dessa estrada.
Fiz aniversário dia 24. No dia seguinte, ele aniversariaria. Marcamos um almoço e, antes, um encontro às 5 horas da manhã; apenas ele com os filhos, justamente para comemorarmos seus 75 anos vendo o sol nascer. Mas ele se foi a uma hora da madrugada. Foi rever, assim acreditamos, um Jardineiro Divino e Velho amigo, agradecer o dom da vida e a oportunidade de tê-lo conhecido. Foi um bom aniversário. Foi em paz e deixou-nos em paz.
Papai tinha vários desejos. Como todo mundo. Mas os desejos dele apequenava os meus. Eu queria fazer um mestrado em Harvard; ele queria ajudar um neto a voltar a estudar; eu queria conhecer a Dinamarca; ele tentava juntar dinheiro da aposentadoria dele para pagar um curso preparatório de concurso para outro neto. Eu queria correr 10 km em menos de uma hora; ele queria bailar o Cruzeiro (hinário do Mestre Raimundo Irineu Serra), que exige 5,5 horas. Ele tinha neuropatia, pernas sem força; andava com dificuldade. No último natal ele tentou bailar. Conseguiu apenas uns poucos minutos. Um neto o filmou bailando aquele que, mais tarde saberíamos, seria o último hino a ser por ele bailado. A primeira estrofe desse hino diz muito do que é a morte, para quem sabe viver, na religião da floresta (ayahuasca), por ele professada:
“Choro muito e lamento
Tudo que já se passou
Deixo tudo saudosamente
E vou viver no meio das flores”
Comungo uma crença. Diz, entre outras, que podemos retornar a esse plano, se necessário. Se eu tivesse que voltar a outra vida e o Criador, por infinita misericórdia, atendesse a um único pedido, rogaria tê-lo como pai. De novo. Teria duas certezas. Uma vida repleta de dificuldades e desafios. Mas veria, na vida, sentido. Apesar de tudo. De novo.
Jair Araújo Facundes é juiz federal
Dia dos pais significa almoçar com papai, em mesa grande e farta, um vozerio de netos, filhos, bisnetos, amigos. Depois tomar suco de cupuaçu com ele e ouvir suas histórias. Comer banana frita com canela e açúcar. Ou jogar damas. Abraçá-lo. Foi bom fazer isso. Enquanto podíamos.
Descartes. E um caboclo. Papai estava me ensinando a fazer caiçuma, bebida feita com macaxeira, de origem indígena. Quanto de gengibre? Indaguei. Ele pegou um punhado de gengibre e jogou no pilão para macerar. Insisti na pergunta: como o senhor sabe que essa é quantidade suficiente? Na base, respondeu-me. Mas eu não sei o que é “base”. Sei o que é quilo, grama, litro, metro, afirmei. Ele continuou macerando, e disse: então tá.
O mundo era e é grande pela possibilidade de me distanciar de quem gosto. Porque o mundo tem sentido em razão das pessoas. Com a morte de papai o mundo ficou menor, porque já há não distância que, percorrida, aproxime-me dele. Também ficou menor porque falta um pedaço. Enorme. Na alma.
Charles Taylor é filósofo canadense e professor de várias universidades. Em famoso texto diz que nossa identidade é formada dialogicamente (e não monologicamente), a partir do contato com o outro-importante, pessoas que são referências em nossas vidas, que nos passam a noção do que tem valor e do que vale a pena ser seguido. Podem ser parentes, líderes políticos e comunitários, pessoas de expressão, ícones pop. É fácil ser referência se somos ricos, famosos, gênios da física, médico etc.
Papai era carpinteiro e professor primário. Homem simples. Mas inspirou várias pessoas. Não só a mim. Não porque era honesto, trabalhador, responsável. Mas porque, além disso, mostrava, com sua vida, que a existência tem sentido, propósito e alegria, mesmo na pobreza em que viveu, mesmo com as dores e tristezas que sofreu, apesar das frustrações que teve; que a vida não tem valor apenas quando suntuosa, ou feita apenas de conquistas fantásticas. Talvez ele fosse assim porque via a vida como uma singular oportunidade de mostrar a Deus que fez bom uso dessa dádiva.
Disse a ele certa feita que ele fez uma aposta perigosa ao me criar livremente, no sentido de que ele nunca tentou ser aquele que detém o conhecimento do mundo ou do tempo, o saber e a resposta de todas as questões. Ele riu, e disse, do modo dele, que assim o fez por várias razões. Ele via os filhos como pessoas capazes, e que acreditava que somos capazes quando assumimos nossas decisões, certas e principalmente as erradas; e que se ele respondesse por mim estaria contribuindo para que eu pensasse que o erro não é do homem, nem a aprendizagem que dele provém, que viver com o que somos e fazemos é uma conquista.
Com algum esforço eu faria um livro sobre suas idiossincrasias, rabugices. Mas sem esforço eu escreveria uma biblioteca sobre suas virtudes. Ele dizia que boa parte do sentido da vida consistia em reconhecer esses defeitos, pelejar com eles para, se possível superá-los, mas pelo menos enfraquecê-los. Ele não aspirava à santidade, mas à humanidade de ser homem num esforço contínuo contra si mesmo, para mudar e se apresentar melhor, como ele tanto falava, a Deus. Tinha a convicção de que, apesar das limitações que possuímos, podemos melhorar. E muito. Não se apresentava para mim como um oráculo, um pai “autoridade”, mas como um alguém que já estava na estrada da vida há algum tempo, e que talvez pudesse compartilhar o conhecimento sobre alguns perigos e atalhos dessa estrada.
Fiz aniversário dia 24. No dia seguinte, ele aniversariaria. Marcamos um almoço e, antes, um encontro às 5 horas da manhã; apenas ele com os filhos, justamente para comemorarmos seus 75 anos vendo o sol nascer. Mas ele se foi a uma hora da madrugada. Foi rever, assim acreditamos, um Jardineiro Divino e Velho amigo, agradecer o dom da vida e a oportunidade de tê-lo conhecido. Foi um bom aniversário. Foi em paz e deixou-nos em paz.
Papai tinha vários desejos. Como todo mundo. Mas os desejos dele apequenava os meus. Eu queria fazer um mestrado em Harvard; ele queria ajudar um neto a voltar a estudar; eu queria conhecer a Dinamarca; ele tentava juntar dinheiro da aposentadoria dele para pagar um curso preparatório de concurso para outro neto. Eu queria correr 10 km em menos de uma hora; ele queria bailar o Cruzeiro (hinário do Mestre Raimundo Irineu Serra), que exige 5,5 horas. Ele tinha neuropatia, pernas sem força; andava com dificuldade. No último natal ele tentou bailar. Conseguiu apenas uns poucos minutos. Um neto o filmou bailando aquele que, mais tarde saberíamos, seria o último hino a ser por ele bailado. A primeira estrofe desse hino diz muito do que é a morte, para quem sabe viver, na religião da floresta (ayahuasca), por ele professada:
“Choro muito e lamento
Tudo que já se passou
Deixo tudo saudosamente
E vou viver no meio das flores”
Comungo uma crença. Diz, entre outras, que podemos retornar a esse plano, se necessário. Se eu tivesse que voltar a outra vida e o Criador, por infinita misericórdia, atendesse a um único pedido, rogaria tê-lo como pai. De novo. Teria duas certezas. Uma vida repleta de dificuldades e desafios. Mas veria, na vida, sentido. Apesar de tudo. De novo.
Jair Araújo Facundes é juiz federal
sexta-feira, 13 de novembro de 2015
Ministério da Saúde recomenda exame em índio de recente contato doente no Acre
Kama Sapanawa aparece atrás de Fernando Ashaninka, que segura o jabuti no primeiro contato |
O indígena faz parte do grupo de jovens que contatou indígenas ashaninka e servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), na Aldeia Simpatia da Terra Indígena Kampa e Isolados do Alto Rio Envira, no Estado do Acre.
Kama, que aparenta ter 20 anos, contraiu uma gripe que evoluiu para pneumonia e agora está sob suspeita de ter sofrido derrame pleural. Após o contato, os sapanawa foram vacinados, mas continuam com imunidade baixa. O Ministério da Saúda aguarda posicionamento da Funai para providenciar a remoção do indígena para exame e tratamento em Rio Branco.
Desde o contato, a Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) tem sido criticada no Acre por antropólogos e indigenistas porque não teria se preocupado em plantar roçados para alimentar o grupo de 34 sapanawa. Uma criança nasceu após o contato.
Os sapanawa se dividiram em dois grupos em busca de comida nas bases da Funai. Alguns foram para a base do Douro, que fica no Rio Tarauacá, acima da município de Jordão. A menos de dois quilômetros em linha reta, abaixo da base, existe uma comunidade de brancos com mais de cem pessoas.
A proximidade para transmissão de doenças é grave por falta de roçados. Funcionários da FPE da Funai têm sido criticados porque perderam tempo com permacultura da quinoa, quando se sabe que o alimento básico dos índios é macaxeira, milho e banana.
Há tempos que os sapanawa peregrinam em busca de comida pela aldeia Simpatia, abaixo da base do igarapé Xinane e mais recentemente na base do Douro. Da base do Xinane para a base do Douro, no Rio Tarauacá, são três dias de caminha dentro da floresta.
Até o uso de roupa sem o cuidado de lavar tem causado muita micose nos índios recém contatados, além de gripes e outras doenças tropicais.
Consultado pela reportagem, o indigenista Leonardo Lenin, que chefia a Frente de Proteção Etnoambiental (FPE), manifestou preocupação. Ele explicou que na base do igarapé Xinane existe uma equipe técnica de saúde permanente.
Na sexta-feira (6) da semana passada, uma equipe de saúde foi deslocada para a base do Douro para acompanhar o indígena, mas deixou a área na terça-feira (10).
“Agora temos um servidor fazendo o monitoramento. Como houve melhora, estamos esperando avaliação médica para tratar da remoção dele para Rio Branco. Nesses casos, a gente fica muito receoso de fazer uma remoção. Estamos adotando todos os procedimentos ainda em área”, afirmou Lenin.
O chefe da FPE disse que todos os roçados da base Xinane estão sendo reativados para prover alimentação suficiente aos indígenas, mas que esse é um trabalho demanda tempo.
A preocupação maior da Funai é com a permanência de sete indígenas de recente contato na base do Douro, que s deslocaram para lá por causa da existência de mais comida. Porém, a proximidade com os moradores brancos da região os deixa mais vulneráveis às doenças.
Leia mais:
Despreparo da Funai deixa índios isolados expostos a fome e doenças na fronteira
Índios isolados podem ser exterminados no Acre por falta de estrutura da Funai
Exclusivo: veja vídeo do 1º contato dos índios isolados com a Funai no Acre
domingo, 25 de outubro de 2015
sexta-feira, 16 de outubro de 2015
Diretores do Google em aldeia do Acre
terça-feira, 13 de outubro de 2015
Isenta de ICMS, Agrocortex vai faturar R$ 135 milhões por ano com exploração de madeira no Acre e Amazonas
Ambientalistas se dividem em elogios e críticas ao empreendimento; diretor executivo da empresa, Rui Ribeiro faz esclarecimentos em entrevista exclusiva
Financiada por investidores europeus, a empresa Agrocortex Madeiras do Acre Agroflorestal Ltda, do grupo português Domínio Capital, vai explorar nos próximos 30 anos um plano de manejo florestal sustentável numa área de 190.210 hectares nos estados do Amazonas e do Acre. Trata-se de um investimento de R$ 100 milhões, dos quais já foram investidos R$ 80 milhões em seu complexo madeireiro na margem esquerda do Rio Purus, no município de Manoel Urbano (AC), a 230 quilômetros de Rio Branco, onde duas serrarias já estão em operação, mas ao todo serão dez serrarias até o final do ano.
A empresa já começou a comercializar a madeira serrada para o mercado interno e externo. Máquinas florestais robustas chamadas skidders arrastam árvores da floresta cujas toras são levadas para o pátio de estocagem em caminhões trucados equipados com carretas tipo Romeu e Julieta com capacidade de transportar até 80 toneladas. A retirada anual está estimada em 150.000 m³ de toras de 42 espécies, principalmente mogno, cedro rosa, cerejeira, angelim, jatobá e cumaru-ferro. A Agrocortex espera faturar R$ 135 milhões por ano com o comércio dessas madeiras nativas de alto valor.
A madeira será explorada na área da Fazenda Seringal Novo Macapá, localizada nos municípios Boca do Acre e Pauini, ambos no Amazonas, e Manoel Urbano. A exploração ocorre em 97,9% da área, em território do Amazonas, e 2,1% em território do Acre. A propriedade pertence ao empresário Moacir Eloy Crocetta Batista, que regularizou o plano de manejo em 2010 e o negociou com a empresa Agrocortex, criada no ano passado, financiada por espanhóis e portugueses. Detalhes da participação dele no empreendimento não são revelados pela empresa.
Há duas semanas, quando as primeiras serrarias da Agrocortex foram inauguradas, o governador do Acre, Tião Viana (PT), um dos principais entusiastas do empreendimento, destacou que a empresa possui selo FSC (Forest Stewardship Council – Conselho de Manejo Florestal), considerado uma ferramenta de controle de produção florestal.
“Essa empresa está autorizada a ir para os melhores mercados. Ela segue normas ambientais. É a única empresa do mundo que tem autorização para explorar o mogno, a fazer o manejo do mogno. O Rui [Ribeiro, diretor executivo da Agrocortex] estava dizendo que tem árvore de mogno que vale mais de R$ 1 milhão. Ele já conseguiu aqui árvore de mogno de 60 metros. E olha o tanto que foi correta a informação passada para nós que uma árvore que eles tiram aqui é a árvore que está morrendo, ou morreu ou vai morrer logo”, afirmou o governador.
Outro entusiasta do projeto é o agrônomo Beto Veríssimo, pesquisador sênior e co-fundador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Beto Veríssimo, para quem os elementos gerais do projeto são positivos porque envolve manejo florestal. “Sendo bem feito, garante a floresta em pé e gera retornos sociais e econômicos vis-à-vis as outras opções de uso da terra, como pecuária e soja”.
Veríssimo afirma que o selo do FSC traz credibilidade ao empreendimento e o fato de ter uma empresa internacional investindo tanto é algo positivo. “Para mim, o mais importante é ter o melhor projeto -social e ecologicamente- e mais rentável. Pelos elementos gerais vejo como positivo. Claro, o desafio é garantir que na implementação os benefícios prometidos sejam realizados”, acrescenta.
Por sua vez, Roberto Smeraldi, diretor da organização Amigos da Terra considera que “em tese pode ser positivo, como parte de uma economia florestal, algo que precisa avançar”. Segundo Smeraldi, a região precisa de um “bolsão” de atividade florestal próximo da estrada, caso contrário com o tempo vai virar pasto, pois a fiscalização não dá conta.
“Tudo depende do como será implementado. É muito bom que eles estejam em processo para obter certificação FSC, e ainda com o Imaflora. Mas eu perguntaria: como está a situação fundiária de área tão grande? Como está a situação da presença de comunidades dentro da área, e o que vai ocorrer com elas? Vai ter alguma agregação de valor no Acre, ou é apenas serraria e exportação direta? Neste caso, o benefício não iria muito além de algum ISS, pois nem ICMS pagaria?”.
O plano de manejo vai gerar a contribuição previdenciária de 350 empregos diretos e, eventualmente, Imposto sobre Serviços (ISS) em Manoel Urbano. A madeira é valiosa no mercado no internacional, mas a legislação brasileira permite que seja exportada da Amazônia com isenção do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Dos ambientalistas consultados pela reportagem, Paulo Adário, diretor da Campanha da Amazônia do Greenpeace no Brasil, é o mais crítico. “O pátio na beira de um rio, onde devia ser APP [Área de Preservação Permanente], já acende a luz amarela”.
Baseado no noticiário que leu sobre a inauguração do empreendimento, Adário aponta “incorreções e cascatas, plena de complexo de vira-lata de quem precisa dizer que tudo é o ‘maior do mundo’, sem nunca ter saído do quintal e visto o tal mundo”.
“Pra começar, nem precisa sair da Amazônia para achar uma empresa com manejo, aliás também certificado pelo FSC, que deixaria o ufanismo envergonhado: é a Mil/Precious Woods. Começou com 85 mil hectares e hoje tem mais de 450 mil. A PW, de capital suíço, perdeu dinheiro durante um longo tempo. Manejo FSC, quando bem feito, perde longe em rentabilidade na competição com madeira ilegal. Eles tentaram se expandir no Pará e quebraram a cara”, acrescenta.
Adário também citou a Jari Florestal, que herdou a massa falida da Jari Celulose, também certificada pelo FSC, que está cheia de problemas com as comunidades locais. “Há pouco, comunitários bloquearam estradas da Jari em protesto. Ou seja, FSC, sem monitoramento adequado, corre o risco de virar ‘greenwash’, a famosa maquiagem verde”.
Entrevista – Rui Ribeiro
O engenheiro florestal português Rui Pedro de Almeida Ribeiro, 47 anos, é o diretor executivo da Agrocortex. Ele assegura que a situação fundiária da área do plano de manejo não apresenta problemas, mas revela que a empresa ainda não concluiu o senso para saber quantos posseiros existem. Isenta de pagamento de ICMS, nega que esse fato seja o maior incentivo para tanto investimento na região.
“Esta isenção é para qualquer produto de exportação, de qualquer valor, e o incentivo à sua exportação decorre de políticas públicas. A maior motivação e incentivo para a implantação deste projeto é a possibilidade de implementá-lo de acordo com todas as normas de boas práticas de manejo florestal sustentável, da legalidade completa, de com isso estarmos a proteger do desmatamento uma área florestal enorme e trazer para uma região desfavorecida renda e condições condignas de vida para as populações”, afirma.
Veja a entrevista exclusiva com Rui Ribeiro a seguir:
Nos próximos 30 anos, a Agrocortex vai explorar madeira bruta em quase 200 mil hectares de floresta tropical na divisa do Acre e Amazonas. Como será?
Rui Ribeiro – Na verdade, nos próximos 30 anos a Agrocortex vai implementar um plano de manejo florestal sustentável, utilizando manejo de impacto reduzido numa área de 190.200 hectares nos estados do Amazonas e do Acre, previamente aprovado e auditado de forma permanente pelo Ibama e pela Cites, que é a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção, para o caso do mogno. Essa implantação do PMFS é executada cumprindo as normas ecológicas, sociais e econômicas que compõem o plano de manejo, sendo a sua vertente econômica dada pela exploração de algumas poucas árvores. Só podemos explorar árvores acima de 60 cm de diâmetro, tendo obrigação de deixar ainda assim 15% das árvores acima de 60 cm de diâmetro e pelo menos cinco árvores acima deste diâmetro por cada unidade de trabalho de 100 hectares, isto para cada espécie. Além disso, e caso a floresta seja muito boa, temos uma limitação de retirar até 25,8 m³ por hectares num determinado ano. Como a nossa floresta cresce a 0,86 m³ por hectare a cada ano e necessito deixar sem explorar uma área explorada por 30 anos, vem que após estes anos a floresta cresceu exatamente 25,8 m³ em cada hectare e, portanto, está igual à original, garantindo pelas árvores em pé o banco de sementes e mantendo a sustentabilidade da floresta. Por isso se denomina de manejo sustentável de florestas.
Quantos metros cúbicos serão explorados e qual a estimativa de lucro da empresa?
A nossa maior árvore de mogno tirada este ano tem 58 m³. Como o aproveitamento desta árvore ronda os 50% – transformação de tora em tábua, teremos 25 m³ de madeira serrada. Caso consiga vender a US$ 3 mil terei um rendimento para esta árvore de US$ 75 mil. Este projeto é um projeto de capital intensivo e de muito longo prazo. Para a sua implementação iremos investir cerca de R$ 100 milhões, dos quais já investimos R$ 80 milhões. Os proveitos previsto com o dólar em alta, como temos no momento, e fazendo a safra de 150.000 m³ prevista para cada ano, de mais de 42 espécies comerciais, teremos um rendimento de R$ 135 milhões esperados. Como o custo de operação de exploração florestal e de serrarias se encontra rondando os R$ 60 milhões por ano, teremos um projeto que terá um break-even em 10 anos, incluindo custo administrativo, comercial, impostos etc.
A empresa obteve autorização da Comitê Técnico Científico da Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites) e do Ibama para exploração de mogno. Quanto mogno foi identificado no inventário florestal e quanto será serrado anualmente?
Foi estimado -o inventário é amostral- com dimensão de exploração, ou seja, diâmetro maior que 60 cm, 120.000 m³, sendo que, por ano, exploraremos em smédia 2.000 m³, ou seja, em 30 anos iremos explorar cerca de 50% das árvores com dimensão comercial.
Embora a madeira seja muito valiosa no mercado no internacional, a legislação brasileira permite que seja exportada da Amazônia com isenção do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, por exemplo. Esse pode ser considerado como o principal incentivo para o empreendimento?
Esta isenção é para qualquer produto de exportação, de qualquer valor, e o incentivo à sua exportação decorre de políticas públicas. A maior motivação e incentivo para a implantação deste projeto é a possibilidade de implementá-lo de acordo com todas as normas de boas práticas de manejo florestal sustentável, da legalidade completa, de com isso estarmos a proteger do desmatamento uma área florestal enorme e trazer para uma região desfavorecida renda e condições condignas de vida para as populações.
A Agrocortex inaugurou as duas primeiras serrarias de seu complexo madeireiro no Acre, que prevê ao todo 10 serrarias. Quando todas estarão em operação?
Todas estarão operacionais até final do ano.
Por que a empresa optou por se instalar no Acre?
A área da fazenda situa-se quase na sua totalidade no estado do Amazonas. Neste sentido, a operação florestal ocorre quase na sua totalidade no Amazonas. Apesar disso, a empresa tinha duas hipóteses para implementar o seu complexo industrial: instalá-lo na fazenda, na área antrópica que fica no município de Boca do Acre, no Amazonas, ou instalá-lo em Manuel Urbano, no Acre. Por incentivo do governo do Acre e vontade nossa de partilhar investimento com a população e contribuir para o desenvolvimento da região, decidimos, com custo acrescido, montar a indústria em Manoel Urbano. Com isso partilhamos investimento com a população. Por exemplo, se tivéssemos instalado a indústria na fazenda teríamos de fazer infraestrutura que nunca seria partilhada. Por exemplo, o ambulatório. Hoje apoiamos o hospital de Manoel Urbano com maquinaria e outros insumos, investimento este que se partilha com toda a população.
Como a madeira é extraída no Amazonas, que acordos foram feitos com o governo amazonense para que a serraria ficasse no Acre?
Acordo de cooperação, que é público.
Quais os modais para o transporte da madeira? Sai de Manoel Urbano pela BR-364, passa por Rio Branco, e segue para qual porto na região sudeste?
A saída da madeira depende dos clientes. Vendemos FOB (Free on Board, Livre a Bordo do Navio) nos portos de origem, daí iremos colocar a madeira no porto que o cliente pedir. Caso peça por Paranaguá ou outro porto da região sudeste, não teremos outra alternativa que não fazer o roteiro que descreve. Caso o cliente pretenda usar o porto de Manaus ou Belém, iremos usar o Rio Purus, pois a sede da fazenda e a indústria estão na sua margem.
A empresa possui frota própria de quantos caminhões?
Só para transporte de toras da fazenda para a indústria. Possuímos 10 caminhões.
É inviável transportar tanta madeira pela rodovia Transoceânica, que liga o Brasil ao Peru, construída a pretexto de encurtar distâncias até a costa oeste dos EUA e Ásia?
Não, basta o pedido dos clientes ser para os portos do Peru. É de todo viável e interessante, visto que diminui os custos de transporte.
A área que será explorada pela pertence ao empresário Moacir Eloy Crocetta Batista, da Batisflor?
Sim.
Qual a participação dele no empreendimento?
Não é informação pública.
O senhor tem alguma informação de que a área já tem problemas com a falta de caça?
Não, pelo contrário. A caça não é ilegal no Brasil?
Existem relatos de que posseiros já observam esse problema. O que a empresa planeja para minimizar os impactos?
A Agrocortex possui o selo de certificação FSC, tendo sido auditada pela mais prestigiada instituição brasileira de certificação, que é o Imaflora. Nesse sentido, a empresa desenvolve quer ao nível social quer ao nível ecológico -e aqui a fauna tem um enorme peso inventário- monitoramento e implantação de medidas para monitorar e mitigar qualquer impacto negativo que o manejo possa eventualmente trazer. Relembro que a Agrocortex anualmente só opera sobre 5.860 hectares, que corresponde a cerca de 3% da fazenda. Assim, a cada ano, 97% da fazenda, ou seja, 184 mil hectares, ficam intocados e protegidos pelo nosso monitoramento. Além disso, temos dentro da área de manejo 18 mil hectares de preservação absoluta que usamos como base de monitoramento para fauna e entendimento da dinâmica da floresta.
Qual o tipo de compartilhamento de conhecimento tecnológico que o projeto de manejo florestal sustentável prevê com o Acre, com os trabalhadores locais?
Total. Todos os anos treinamos durante um mês todos os nossos funcionários que trabalham na floresta, treinamento esse que é dado com o apoio do Instituto de Florestas Tropicais, a mais prestigiada instituição de extensão e pesquisa sobre gestão sustentável de florestas tropicais e manejo de impacto reduzido.
O que será revertido em benefício social e econômico ou qual o compromisso social da empresa com a região e seus moradores?
O primeiro e grande benefício é a criação de postos de trabalho diretos em Manoel Urbano, que não tem qualquer perspectiva de emprego para os seus jovens a não ser no estado ou município. Com isso conseguimos reter pessoas na região, dando-lhes condições condignas de vida e um trabalho com todas as condições possíveis e exigíveis. Todos os nossos funcionário -e não terceirizamos nada- têm carteira assinada, alimentação, uniformes, seguro de saúde etc. Temos o compromisso essencial com as pessoas que vivem no entorno da área de manejo. Estas estão a ser integradas no projeto através de medidas sociais implementadas a partir de levantamento sociológico da região e implantação de atividades corretas com as populações do entorno. Privilegiamos a contratação e formação local e implementamos em parceria com a prefeitura e estado, implementamos obras de infraestrutura, com a construção da estrada de acesso ao Itaúba, apoio no lixão da cidade, apoio na pavimentação da cidade etc. Estamos numa fase de grande investimento que começou há pouco mais de um ano e já fizemos tanto. Imagine o que iremos fazer durante os próximos 30 anos, que dura o projeto.
E o Acre e o Amazonas seguem como meros fornecedores de matéria-prima?
A Agrocortex está a construir em Manoel Urbano o maior complexo madeireiro do Brasil com 10 serrarias e 20 estufas para desdobro da madeira.
Sendo a Agrocortex movimentada pelo capital de um grupo empresarial de Portugal, é inevitável lembrar da exploração do pau-brasil quando éramos colônia. Alguma semelhança?
Caso não saiba, a primeira lei de proteção florestal foi elaborada pelos portugueses para proteger o pau-brasil da exploração predatória que os holandeses faziam, especialmente na Mata Atlântica da Bahia. Será essa só a semelhança. Eu sou brasileiro e sei que hoje em dia é muito difícil conseguir no Brasil investimento desta dimensão, a longo prazo, com enorme comprometimento com o manejo sustentável, como é este investimento. Neste sentido, tenho imenso orgulho que investidores portugueses e espanhóis tenham acreditado que é possível fazer diferente e investir as suas economias numa região remota e num projeto tão pouco conhecido como é este projeto.
Qual é a situação fundiária da área do projeto?
Área privada sem problemas fundiários nenhum.
Quantas famílias vivem nela?
Estamos a fazer o senso.
Qual é situação jurídica das famílias na área?
Posseiros.
Serrarias da Agrocortex na margem esquerda do Rio Purus, em Manoel Urbano (AC) (Foto: Sérgio Vale/Secom)
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Financiada por investidores europeus, a empresa Agrocortex Madeiras do Acre Agroflorestal Ltda, do grupo português Domínio Capital, vai explorar nos próximos 30 anos um plano de manejo florestal sustentável numa área de 190.210 hectares nos estados do Amazonas e do Acre. Trata-se de um investimento de R$ 100 milhões, dos quais já foram investidos R$ 80 milhões em seu complexo madeireiro na margem esquerda do Rio Purus, no município de Manoel Urbano (AC), a 230 quilômetros de Rio Branco, onde duas serrarias já estão em operação, mas ao todo serão dez serrarias até o final do ano.
A empresa já começou a comercializar a madeira serrada para o mercado interno e externo. Máquinas florestais robustas chamadas skidders arrastam árvores da floresta cujas toras são levadas para o pátio de estocagem em caminhões trucados equipados com carretas tipo Romeu e Julieta com capacidade de transportar até 80 toneladas. A retirada anual está estimada em 150.000 m³ de toras de 42 espécies, principalmente mogno, cedro rosa, cerejeira, angelim, jatobá e cumaru-ferro. A Agrocortex espera faturar R$ 135 milhões por ano com o comércio dessas madeiras nativas de alto valor.
A madeira será explorada na área da Fazenda Seringal Novo Macapá, localizada nos municípios Boca do Acre e Pauini, ambos no Amazonas, e Manoel Urbano. A exploração ocorre em 97,9% da área, em território do Amazonas, e 2,1% em território do Acre. A propriedade pertence ao empresário Moacir Eloy Crocetta Batista, que regularizou o plano de manejo em 2010 e o negociou com a empresa Agrocortex, criada no ano passado, financiada por espanhóis e portugueses. Detalhes da participação dele no empreendimento não são revelados pela empresa.
Há duas semanas, quando as primeiras serrarias da Agrocortex foram inauguradas, o governador do Acre, Tião Viana (PT), um dos principais entusiastas do empreendimento, destacou que a empresa possui selo FSC (Forest Stewardship Council – Conselho de Manejo Florestal), considerado uma ferramenta de controle de produção florestal.
“Essa empresa está autorizada a ir para os melhores mercados. Ela segue normas ambientais. É a única empresa do mundo que tem autorização para explorar o mogno, a fazer o manejo do mogno. O Rui [Ribeiro, diretor executivo da Agrocortex] estava dizendo que tem árvore de mogno que vale mais de R$ 1 milhão. Ele já conseguiu aqui árvore de mogno de 60 metros. E olha o tanto que foi correta a informação passada para nós que uma árvore que eles tiram aqui é a árvore que está morrendo, ou morreu ou vai morrer logo”, afirmou o governador.
Outro entusiasta do projeto é o agrônomo Beto Veríssimo, pesquisador sênior e co-fundador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Beto Veríssimo, para quem os elementos gerais do projeto são positivos porque envolve manejo florestal. “Sendo bem feito, garante a floresta em pé e gera retornos sociais e econômicos vis-à-vis as outras opções de uso da terra, como pecuária e soja”.
Pátio de estocagem: produção anual será de 150.000 m³ de toras de 42 espécies. (Foto: Sergio Vale/Secom)
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Veríssimo afirma que o selo do FSC traz credibilidade ao empreendimento e o fato de ter uma empresa internacional investindo tanto é algo positivo. “Para mim, o mais importante é ter o melhor projeto -social e ecologicamente- e mais rentável. Pelos elementos gerais vejo como positivo. Claro, o desafio é garantir que na implementação os benefícios prometidos sejam realizados”, acrescenta.
Por sua vez, Roberto Smeraldi, diretor da organização Amigos da Terra considera que “em tese pode ser positivo, como parte de uma economia florestal, algo que precisa avançar”. Segundo Smeraldi, a região precisa de um “bolsão” de atividade florestal próximo da estrada, caso contrário com o tempo vai virar pasto, pois a fiscalização não dá conta.
“Tudo depende do como será implementado. É muito bom que eles estejam em processo para obter certificação FSC, e ainda com o Imaflora. Mas eu perguntaria: como está a situação fundiária de área tão grande? Como está a situação da presença de comunidades dentro da área, e o que vai ocorrer com elas? Vai ter alguma agregação de valor no Acre, ou é apenas serraria e exportação direta? Neste caso, o benefício não iria muito além de algum ISS, pois nem ICMS pagaria?”.
O plano de manejo vai gerar a contribuição previdenciária de 350 empregos diretos e, eventualmente, Imposto sobre Serviços (ISS) em Manoel Urbano. A madeira é valiosa no mercado no internacional, mas a legislação brasileira permite que seja exportada da Amazônia com isenção do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Dos ambientalistas consultados pela reportagem, Paulo Adário, diretor da Campanha da Amazônia do Greenpeace no Brasil, é o mais crítico. “O pátio na beira de um rio, onde devia ser APP [Área de Preservação Permanente], já acende a luz amarela”.
Baseado no noticiário que leu sobre a inauguração do empreendimento, Adário aponta “incorreções e cascatas, plena de complexo de vira-lata de quem precisa dizer que tudo é o ‘maior do mundo’, sem nunca ter saído do quintal e visto o tal mundo”.
“Pra começar, nem precisa sair da Amazônia para achar uma empresa com manejo, aliás também certificado pelo FSC, que deixaria o ufanismo envergonhado: é a Mil/Precious Woods. Começou com 85 mil hectares e hoje tem mais de 450 mil. A PW, de capital suíço, perdeu dinheiro durante um longo tempo. Manejo FSC, quando bem feito, perde longe em rentabilidade na competição com madeira ilegal. Eles tentaram se expandir no Pará e quebraram a cara”, acrescenta.
Adário também citou a Jari Florestal, que herdou a massa falida da Jari Celulose, também certificada pelo FSC, que está cheia de problemas com as comunidades locais. “Há pouco, comunitários bloquearam estradas da Jari em protesto. Ou seja, FSC, sem monitoramento adequado, corre o risco de virar ‘greenwash’, a famosa maquiagem verde”.
Entrevista – Rui Ribeiro
Governador Tião Viana com Rui Ribeiro, da Agrocortex, na inauguração de serrarias (Foto: Sérgio Vale/Secom) |
O engenheiro florestal português Rui Pedro de Almeida Ribeiro, 47 anos, é o diretor executivo da Agrocortex. Ele assegura que a situação fundiária da área do plano de manejo não apresenta problemas, mas revela que a empresa ainda não concluiu o senso para saber quantos posseiros existem. Isenta de pagamento de ICMS, nega que esse fato seja o maior incentivo para tanto investimento na região.
“Esta isenção é para qualquer produto de exportação, de qualquer valor, e o incentivo à sua exportação decorre de políticas públicas. A maior motivação e incentivo para a implantação deste projeto é a possibilidade de implementá-lo de acordo com todas as normas de boas práticas de manejo florestal sustentável, da legalidade completa, de com isso estarmos a proteger do desmatamento uma área florestal enorme e trazer para uma região desfavorecida renda e condições condignas de vida para as populações”, afirma.
Veja a entrevista exclusiva com Rui Ribeiro a seguir:
Nos próximos 30 anos, a Agrocortex vai explorar madeira bruta em quase 200 mil hectares de floresta tropical na divisa do Acre e Amazonas. Como será?
Rui Ribeiro – Na verdade, nos próximos 30 anos a Agrocortex vai implementar um plano de manejo florestal sustentável, utilizando manejo de impacto reduzido numa área de 190.200 hectares nos estados do Amazonas e do Acre, previamente aprovado e auditado de forma permanente pelo Ibama e pela Cites, que é a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção, para o caso do mogno. Essa implantação do PMFS é executada cumprindo as normas ecológicas, sociais e econômicas que compõem o plano de manejo, sendo a sua vertente econômica dada pela exploração de algumas poucas árvores. Só podemos explorar árvores acima de 60 cm de diâmetro, tendo obrigação de deixar ainda assim 15% das árvores acima de 60 cm de diâmetro e pelo menos cinco árvores acima deste diâmetro por cada unidade de trabalho de 100 hectares, isto para cada espécie. Além disso, e caso a floresta seja muito boa, temos uma limitação de retirar até 25,8 m³ por hectares num determinado ano. Como a nossa floresta cresce a 0,86 m³ por hectare a cada ano e necessito deixar sem explorar uma área explorada por 30 anos, vem que após estes anos a floresta cresceu exatamente 25,8 m³ em cada hectare e, portanto, está igual à original, garantindo pelas árvores em pé o banco de sementes e mantendo a sustentabilidade da floresta. Por isso se denomina de manejo sustentável de florestas.
Quantos metros cúbicos serão explorados e qual a estimativa de lucro da empresa?
A nossa maior árvore de mogno tirada este ano tem 58 m³. Como o aproveitamento desta árvore ronda os 50% – transformação de tora em tábua, teremos 25 m³ de madeira serrada. Caso consiga vender a US$ 3 mil terei um rendimento para esta árvore de US$ 75 mil. Este projeto é um projeto de capital intensivo e de muito longo prazo. Para a sua implementação iremos investir cerca de R$ 100 milhões, dos quais já investimos R$ 80 milhões. Os proveitos previsto com o dólar em alta, como temos no momento, e fazendo a safra de 150.000 m³ prevista para cada ano, de mais de 42 espécies comerciais, teremos um rendimento de R$ 135 milhões esperados. Como o custo de operação de exploração florestal e de serrarias se encontra rondando os R$ 60 milhões por ano, teremos um projeto que terá um break-even em 10 anos, incluindo custo administrativo, comercial, impostos etc.
A empresa obteve autorização da Comitê Técnico Científico da Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites) e do Ibama para exploração de mogno. Quanto mogno foi identificado no inventário florestal e quanto será serrado anualmente?
Foi estimado -o inventário é amostral- com dimensão de exploração, ou seja, diâmetro maior que 60 cm, 120.000 m³, sendo que, por ano, exploraremos em smédia 2.000 m³, ou seja, em 30 anos iremos explorar cerca de 50% das árvores com dimensão comercial.
Embora a madeira seja muito valiosa no mercado no internacional, a legislação brasileira permite que seja exportada da Amazônia com isenção do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, por exemplo. Esse pode ser considerado como o principal incentivo para o empreendimento?
Esta isenção é para qualquer produto de exportação, de qualquer valor, e o incentivo à sua exportação decorre de políticas públicas. A maior motivação e incentivo para a implantação deste projeto é a possibilidade de implementá-lo de acordo com todas as normas de boas práticas de manejo florestal sustentável, da legalidade completa, de com isso estarmos a proteger do desmatamento uma área florestal enorme e trazer para uma região desfavorecida renda e condições condignas de vida para as populações.
A Agrocortex inaugurou as duas primeiras serrarias de seu complexo madeireiro no Acre, que prevê ao todo 10 serrarias. Quando todas estarão em operação?
Todas estarão operacionais até final do ano.
Por que a empresa optou por se instalar no Acre?
A área da fazenda situa-se quase na sua totalidade no estado do Amazonas. Neste sentido, a operação florestal ocorre quase na sua totalidade no Amazonas. Apesar disso, a empresa tinha duas hipóteses para implementar o seu complexo industrial: instalá-lo na fazenda, na área antrópica que fica no município de Boca do Acre, no Amazonas, ou instalá-lo em Manuel Urbano, no Acre. Por incentivo do governo do Acre e vontade nossa de partilhar investimento com a população e contribuir para o desenvolvimento da região, decidimos, com custo acrescido, montar a indústria em Manoel Urbano. Com isso partilhamos investimento com a população. Por exemplo, se tivéssemos instalado a indústria na fazenda teríamos de fazer infraestrutura que nunca seria partilhada. Por exemplo, o ambulatório. Hoje apoiamos o hospital de Manoel Urbano com maquinaria e outros insumos, investimento este que se partilha com toda a população.
Como a madeira é extraída no Amazonas, que acordos foram feitos com o governo amazonense para que a serraria ficasse no Acre?
Acordo de cooperação, que é público.
Quais os modais para o transporte da madeira? Sai de Manoel Urbano pela BR-364, passa por Rio Branco, e segue para qual porto na região sudeste?
A saída da madeira depende dos clientes. Vendemos FOB (Free on Board, Livre a Bordo do Navio) nos portos de origem, daí iremos colocar a madeira no porto que o cliente pedir. Caso peça por Paranaguá ou outro porto da região sudeste, não teremos outra alternativa que não fazer o roteiro que descreve. Caso o cliente pretenda usar o porto de Manaus ou Belém, iremos usar o Rio Purus, pois a sede da fazenda e a indústria estão na sua margem.
A empresa possui frota própria de quantos caminhões?
Só para transporte de toras da fazenda para a indústria. Possuímos 10 caminhões.
É inviável transportar tanta madeira pela rodovia Transoceânica, que liga o Brasil ao Peru, construída a pretexto de encurtar distâncias até a costa oeste dos EUA e Ásia?
Não, basta o pedido dos clientes ser para os portos do Peru. É de todo viável e interessante, visto que diminui os custos de transporte.
A área que será explorada pela pertence ao empresário Moacir Eloy Crocetta Batista, da Batisflor?
Sim.
Qual a participação dele no empreendimento?
Não é informação pública.
O senhor tem alguma informação de que a área já tem problemas com a falta de caça?
Não, pelo contrário. A caça não é ilegal no Brasil?
Foto: Sergio Vale/Secom
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Existem relatos de que posseiros já observam esse problema. O que a empresa planeja para minimizar os impactos?
A Agrocortex possui o selo de certificação FSC, tendo sido auditada pela mais prestigiada instituição brasileira de certificação, que é o Imaflora. Nesse sentido, a empresa desenvolve quer ao nível social quer ao nível ecológico -e aqui a fauna tem um enorme peso inventário- monitoramento e implantação de medidas para monitorar e mitigar qualquer impacto negativo que o manejo possa eventualmente trazer. Relembro que a Agrocortex anualmente só opera sobre 5.860 hectares, que corresponde a cerca de 3% da fazenda. Assim, a cada ano, 97% da fazenda, ou seja, 184 mil hectares, ficam intocados e protegidos pelo nosso monitoramento. Além disso, temos dentro da área de manejo 18 mil hectares de preservação absoluta que usamos como base de monitoramento para fauna e entendimento da dinâmica da floresta.
Qual o tipo de compartilhamento de conhecimento tecnológico que o projeto de manejo florestal sustentável prevê com o Acre, com os trabalhadores locais?
Total. Todos os anos treinamos durante um mês todos os nossos funcionários que trabalham na floresta, treinamento esse que é dado com o apoio do Instituto de Florestas Tropicais, a mais prestigiada instituição de extensão e pesquisa sobre gestão sustentável de florestas tropicais e manejo de impacto reduzido.
O que será revertido em benefício social e econômico ou qual o compromisso social da empresa com a região e seus moradores?
O primeiro e grande benefício é a criação de postos de trabalho diretos em Manoel Urbano, que não tem qualquer perspectiva de emprego para os seus jovens a não ser no estado ou município. Com isso conseguimos reter pessoas na região, dando-lhes condições condignas de vida e um trabalho com todas as condições possíveis e exigíveis. Todos os nossos funcionário -e não terceirizamos nada- têm carteira assinada, alimentação, uniformes, seguro de saúde etc. Temos o compromisso essencial com as pessoas que vivem no entorno da área de manejo. Estas estão a ser integradas no projeto através de medidas sociais implementadas a partir de levantamento sociológico da região e implantação de atividades corretas com as populações do entorno. Privilegiamos a contratação e formação local e implementamos em parceria com a prefeitura e estado, implementamos obras de infraestrutura, com a construção da estrada de acesso ao Itaúba, apoio no lixão da cidade, apoio na pavimentação da cidade etc. Estamos numa fase de grande investimento que começou há pouco mais de um ano e já fizemos tanto. Imagine o que iremos fazer durante os próximos 30 anos, que dura o projeto.
E o Acre e o Amazonas seguem como meros fornecedores de matéria-prima?
A Agrocortex está a construir em Manoel Urbano o maior complexo madeireiro do Brasil com 10 serrarias e 20 estufas para desdobro da madeira.
Sendo a Agrocortex movimentada pelo capital de um grupo empresarial de Portugal, é inevitável lembrar da exploração do pau-brasil quando éramos colônia. Alguma semelhança?
Caso não saiba, a primeira lei de proteção florestal foi elaborada pelos portugueses para proteger o pau-brasil da exploração predatória que os holandeses faziam, especialmente na Mata Atlântica da Bahia. Será essa só a semelhança. Eu sou brasileiro e sei que hoje em dia é muito difícil conseguir no Brasil investimento desta dimensão, a longo prazo, com enorme comprometimento com o manejo sustentável, como é este investimento. Neste sentido, tenho imenso orgulho que investidores portugueses e espanhóis tenham acreditado que é possível fazer diferente e investir as suas economias numa região remota e num projeto tão pouco conhecido como é este projeto.
Qual é a situação fundiária da área do projeto?
Área privada sem problemas fundiários nenhum.
Quantas famílias vivem nela?
Estamos a fazer o senso.
Qual é situação jurídica das famílias na área?
Posseiros.
Foto: Sergio Vale/Secom)
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sexta-feira, 9 de outubro de 2015
Simples assim
Eles se entendem
quinta-feira, 8 de outubro de 2015
Rebelião no Acre é movida por jovens da periferia vulneráveis às facções criminosas
POR SÉRGIO DE CARVALHO
Por um outro ponto de vista, todos os ataques ocorridos no Acre, com aproximadamente 10 ônibus incendiados, casas e carros civis, não sejam de todo negativos. Mesmo com todos os sinais que a sociedade já vinha recebendo -assassinatos de agentes penitenciários, pendrives com lista de agentes e policiais na mira de bandidos, vídeos ameaçadores, entre outros- todos nós dormíamos.
O radicalismo das últimas 48 horas evidenciam o que já estava nas entrelinhas. O que estava invisível torna-se próximo e ameaçador, causando comoção pública e pressão para ações de combate, o que é positivo.
Porém, o mais preocupante em um cenário destes, é perceber que o crime organizado está fazendo sua trajetória nas periferias de Rio Branco e do interior acreano, aliciando jovens em situações de risco, atuando aonde o Estado nem sempre consegue chegar.
A cultura do tráfico vai se impondo, junto com ela, a confusão entre quem é bandido e quem é herói.
Só prestar atenção na cidade, nos bairros, abrir os ouvidos. Só caminhar pelas ruas de terra e de asfalto, nas invasões e zonas periféricas, para perceber como o tal "Bonde dos 13", nome da facção que se diz ligada ao PCC e que atua em Rio Branco, é constantemente citado entre a juventude das periferias. Não como ameaça, mas com orgulho e respeito.
De como o sonho do status alcançado pelo tráfico é recorrente nesta moçada, que é retirada da invisibilidade social e reposicionada como protagonista, mesmo de que de uma história de terror.
Em geral, são negros, pobres e em vulnerabilidade social. Uma nova ética passa a ser construída - a do tráfico e tudo que o envolve. Chefes de facções começam a ser ovacionados e, cada vez mais, ganham força nas áreas em que facções começam a se desenvolver.
A continuidade deste enredo, será a guerra entre facções, pois outras também começarão a surgir. A história se repete e é só uma questão de tempo.
O que não se percebe é que para cada jovem destes assassinados ou presos, centenas de outros estão prontos para assumir seu lugar, movidos pela ambição de qualquer tipo de status, de proximidade com o "patrão", almejando a ascensão que só o tráfico parece lhes ofertar. É uma cultura perversa.
Em todas as mensagens violentas e radicais que estes jovens ligados ao tráfico, em tom ameaçador, mandam para policiais e agentes por meio de vídeos, que viralizam nas redes sociais, existe um elemento que se deve levar em consideração para uma analise mais profunda e ousada da situação.
Em todas elas, denuncia-se o abuso de autoridade. Não se justifica, mas se compreende também a sede de vingança que estes jovens de periferias, vítimas e testemunhas de ações de policiais truculentos, nutrem contra o sistema. O oprimido também quer se opressor. Facções criminosas, acabam por assumir um terrível papel de uma falsa justiça, que não passa de uma perigosa vingança.
Parte da sociedade, assombrada, acaba por legitimar o próprio horror, por exemplo, ao aclamar a volta de Hildebrando Pascoal ou repetindo à exaustão a frase: bandido bom é bandido morto.
Uma roda infinita de violência que gera violência. O perigo que se esconde é o da sociedade justificar, também, a arbitrariedade e a justiça com as próprias mãos.
Acredito que ainda há de tempo de impedir que estas facções ganhem força no Estado. O Acre é pequeno e não merecemos este câncer.
A repressão no momento é necessária. É urgente, pois estão buscando medir forças com o Estado. Não se pode tolerar um poder paralelo.
Acreditar que somente prisões desta mesma juventude pobre, índia e negra, das periferias, irá desfazer as ações criminosas, é equivocado. Como já disse, para cada jovem preso, tem centenas de outros prontos para serem recrutados.
O caminho, ao meu ver, é repensar a política contra as drogas, oferecer uma educação de qualidade, fortalecer ações culturais nos bairros e criar oportunidades que gerem renda. Mais educação, sobretudo educação.
É utópico, com certeza é. Mas, de verdade, não vejo outros caminhos.
O que vemos é a consequência do que este sistema falido e doente não para de gerar. Temos que dar os primeiros passos e entender que a atual política de guerra contra as drogas só aumenta o poder do trafico.
Entender que a educação nos moldes atuais não gera resultados. Entender que estes rapazes e moças invisíveis também tem seus sonhos, medos e buscam oportunidades.
Sem este entendimento, mas pautados apenas na repressão, que já disse ser ultra necessária no momento, não mudaremos nada.
Provável, só agravarmos o problema.
Sérgio de Carvalho é escritor e cineasta
Por um outro ponto de vista, todos os ataques ocorridos no Acre, com aproximadamente 10 ônibus incendiados, casas e carros civis, não sejam de todo negativos. Mesmo com todos os sinais que a sociedade já vinha recebendo -assassinatos de agentes penitenciários, pendrives com lista de agentes e policiais na mira de bandidos, vídeos ameaçadores, entre outros- todos nós dormíamos.
O radicalismo das últimas 48 horas evidenciam o que já estava nas entrelinhas. O que estava invisível torna-se próximo e ameaçador, causando comoção pública e pressão para ações de combate, o que é positivo.
Porém, o mais preocupante em um cenário destes, é perceber que o crime organizado está fazendo sua trajetória nas periferias de Rio Branco e do interior acreano, aliciando jovens em situações de risco, atuando aonde o Estado nem sempre consegue chegar.
A cultura do tráfico vai se impondo, junto com ela, a confusão entre quem é bandido e quem é herói.
Só prestar atenção na cidade, nos bairros, abrir os ouvidos. Só caminhar pelas ruas de terra e de asfalto, nas invasões e zonas periféricas, para perceber como o tal "Bonde dos 13", nome da facção que se diz ligada ao PCC e que atua em Rio Branco, é constantemente citado entre a juventude das periferias. Não como ameaça, mas com orgulho e respeito.
De como o sonho do status alcançado pelo tráfico é recorrente nesta moçada, que é retirada da invisibilidade social e reposicionada como protagonista, mesmo de que de uma história de terror.
Em geral, são negros, pobres e em vulnerabilidade social. Uma nova ética passa a ser construída - a do tráfico e tudo que o envolve. Chefes de facções começam a ser ovacionados e, cada vez mais, ganham força nas áreas em que facções começam a se desenvolver.
A continuidade deste enredo, será a guerra entre facções, pois outras também começarão a surgir. A história se repete e é só uma questão de tempo.
O que não se percebe é que para cada jovem destes assassinados ou presos, centenas de outros estão prontos para assumir seu lugar, movidos pela ambição de qualquer tipo de status, de proximidade com o "patrão", almejando a ascensão que só o tráfico parece lhes ofertar. É uma cultura perversa.
Em todas as mensagens violentas e radicais que estes jovens ligados ao tráfico, em tom ameaçador, mandam para policiais e agentes por meio de vídeos, que viralizam nas redes sociais, existe um elemento que se deve levar em consideração para uma analise mais profunda e ousada da situação.
Em todas elas, denuncia-se o abuso de autoridade. Não se justifica, mas se compreende também a sede de vingança que estes jovens de periferias, vítimas e testemunhas de ações de policiais truculentos, nutrem contra o sistema. O oprimido também quer se opressor. Facções criminosas, acabam por assumir um terrível papel de uma falsa justiça, que não passa de uma perigosa vingança.
Parte da sociedade, assombrada, acaba por legitimar o próprio horror, por exemplo, ao aclamar a volta de Hildebrando Pascoal ou repetindo à exaustão a frase: bandido bom é bandido morto.
Uma roda infinita de violência que gera violência. O perigo que se esconde é o da sociedade justificar, também, a arbitrariedade e a justiça com as próprias mãos.
Acredito que ainda há de tempo de impedir que estas facções ganhem força no Estado. O Acre é pequeno e não merecemos este câncer.
A repressão no momento é necessária. É urgente, pois estão buscando medir forças com o Estado. Não se pode tolerar um poder paralelo.
Acreditar que somente prisões desta mesma juventude pobre, índia e negra, das periferias, irá desfazer as ações criminosas, é equivocado. Como já disse, para cada jovem preso, tem centenas de outros prontos para serem recrutados.
O caminho, ao meu ver, é repensar a política contra as drogas, oferecer uma educação de qualidade, fortalecer ações culturais nos bairros e criar oportunidades que gerem renda. Mais educação, sobretudo educação.
É utópico, com certeza é. Mas, de verdade, não vejo outros caminhos.
O que vemos é a consequência do que este sistema falido e doente não para de gerar. Temos que dar os primeiros passos e entender que a atual política de guerra contra as drogas só aumenta o poder do trafico.
Entender que a educação nos moldes atuais não gera resultados. Entender que estes rapazes e moças invisíveis também tem seus sonhos, medos e buscam oportunidades.
Sem este entendimento, mas pautados apenas na repressão, que já disse ser ultra necessária no momento, não mudaremos nada.
Provável, só agravarmos o problema.
Sérgio de Carvalho é escritor e cineasta
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