POR GOMERCINDO RODRIGUES
Nos últimos anos, a Resex Chico Mendes vem sendo invadida por pecuaristas, disfarçados de “pequenos produtores”, muitos deles advindos do já destruído Estado de Rondônia, que “compram” partes das colocações de seringa da Resex e as desmatam integralmente para a implantação de pastagem para a criação de gado.
Mais recentemente, especialmente após 2018, alguns políticos locais, com assento no Congresso Nacional, passaram a defender a diminuição da área da Resex, começando, inclusive, a tramitar um projeto de lei com essa finalidade. Ao mesmo tempo, houve, claro, um incentivo à maior invasão da área de conservação para tentar criar uma situação de “fato consumado”, visando que as áreas antropizadas (desmatadas) pudessem ser excluídas da área total da Resex. Essa situação, obviamente, começou a fermentar uma situação de muitos conflitos na região.
As áreas invadidas mais recentemente, com a introdução de pastagens e aumento da pecuária vêm sendo, há vários anos, objeto de denúncias e, até, de ações judiciais visando não só a conservação da floresta, mas, também, a preservação do patrimônio público ⎯a Resex é uma área de propriedade da União⎯ e, ainda, a manutenção de seu objetivo inicial: um modelo de desenvolvimento que favorecesse às populações tradicionais, os/as seringueiros/as da região, com a busca de alternativas de uso que privilegie a conservação do meio ambiente.
Após muitas notificações e embargos, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela fiscalização na Resex, está a desempenhar o seu papel de forma mais efetiva em cumprimento a decisão judicial após longuíssimo processo, e assim foi deflagrada a “Operação Suçuarana”, que visa a desocupação das áreas invadidas por aqueles que não são beneficiários nem têm o perfil extrativista, necessário para estarem dentro da Resex.
A “Operação Suçuarana”, cumprindo a lei, apreende o gado dos produtores que invadiram a área pública, pois, óbvio, é produto de ilícito e, em sendo assim, não pode ser usufruído, pois, concordar com isso é como concordar que um grupo criminoso que consegue assaltar um banco poderia “usar” o dinheiro. Claro que não. O que é produto de ilícito, de qualquer ilícito, não pode beneficiar quem o cometeu.
A necessária atuação ⎯e penso, quase que tardia, atuação do ICMBio que, sabemos, ao longo de um tempo ficou praticamente proibido de exercer a sua ação fiscalizatória, no tempo do “passar a boiada”⎯ tem, no entanto, gerado não só protestos contra o órgão governamental, mas, e isto é o mais perigoso, gerado acusações e ameaças a lideranças históricas do movimento seringueiro do Acre, especialmente ao companheiro Raimundo Mendes de Barros, o Raimundão, primo de Chico Mendes e um dos mais aguerridos defensores do seu legado.
Infelizmente, hoje, em Xapuri, está-se em uma situação muito similar àquela que precedeu ao assassinato da Chico Mendes, em 1988. Urge que sejam tomadas providências não só para garantir a ação fiscalizatória do ICMBio, com a manutenção de todas as forças públicas envolvidas na “Operação Suçuarana”, mas, também, que sejam garantidas a vida e a segurança dos moradores da Resex Chico Mendes, especialmente de suas lideranças.
Não se pode admitir a continuidade da propagação de notícias mentirosas (fake news), nem quaisquer ameaças contra as lideranças dos/as trabalhadores/as rurais de Xapuri. Os invasores da Resex Chico Mendes sabem que cometeram ilícitos, tanto é assim que as próprias primeiras entrevistas divulgadas em sites de notícias locais, trazem declarações do tipo: “começamos a ficar preocupados quando vimos os helicópteros sobrevoando a região”. Ora, se não tinham cometido nenhum ilícito, por que estariam “preocupados”?
Não há qualquer justificativa jurídica que agasalhe o fato de que os produtos dos ilícitos ambientais e de invasão de terras públicas possam ser usufruídos pelos criminosos. Dessa forma, descabida é a manifestação, inclusive de políticos locais, em apoio aos invasores e insustentáveis as críticas à atuação dos órgãos públicos no cumprimento de seus deveres.
Não podemos voltar à época da violência de 1988, que vitimou Chico Mendes. Cabe não só ao Poder Executivo a garantia da proteção do patrimônio público e da vida dos beneficiários da Resex Chico Mendes, especialmente de suas lideranças históricas ameaçadas, mas, também ao Ministério Público Federal, à OAB, à Defensoria Pública da União, aos órgãos ligados aos Direitos Humanos, ao Poder Judiciário, manter firme atuação no sentido de garantir a integridade da Resex Chico Mendes e da vida dos e das companheiros e companheiras ameaçados/as.
Gomercindo Rodrigues é advogado, amigo de Chico Mendes, militante dos direitos humanos e do meio ambiente.