Milton Hatoum

Espírito do Amazonas, me ilumina,
e sobre o caos desta metrópole,
conserva em mim ao menos um fio
do que fui na minha infância.
Não quero ser pássaro em céu de cinzas
nem amargar noites de medo
nas marginais de um rio que não renasce.
O outro rio, sereno e violento,
é pátria imaginária,
paraíso atrofiado pelo tempo.
Amazonas:
Tua ânsia de infinito ainda perdura?
Ou perdi precocemente toda esperança?
Os que te queimam, impunes,
têm olhos de cobre,
mãos pesadas de ganância.
Ilha seres rios florestas:
o céu projeta em mapas sombrios
manchas da natureza calcinada.
Tento abraçar a imagem fugidia
de um barco à deriva no mormaço
com os mitos que a linguagem inventa.
Espírito amazonense, tímido talvez,
e desconfiado para sempre,
não me fujas em São Paulo,
nem me deixes à mercê
dos pesadelos que incendeiam o mundo.
Se o Brasil te conhecesse
antes do fim que se aproxima,
salvaria tua beleza? Teus seres desencantados?
Entenderia a ciência tua infinita riqueza?
Abre a janela de um barco
ante meus olhos,
e que ao teu profundo rio conduza
a memória de línguas estranhas
e tantas histórias ocultadas:
Amazonas.
São Paulo, Manaus, setembro de 2007
◙ Poema publicado hoje na revista Grandes Reportagens - Amazônia, do Estadão. Clique na foto acima, que tirei num amanhacer inesquecível no Amazonas.
2 comentários:
O poema emociona até as pedras.
Pena que há almas cegas e escuras e jamais verão, sempre cinzas, sempre cegas.
Obrigada Altino.
beijos, bom domingo.
As almas sempre vêem, Saramar, mas é o homem que determina com o seu olhar. E a razão executa.
Valeu, Altino. Ah! Que foto, heim?
Você me encanta por demais!
Beijos.
Bom domingo.
Postar um comentário