Geoglifo Água Fria, em Porto Acre, acesso pela Vila Pia, na BR-317. Foto: Diego Gurgel |
Quando foram construídos os geoglifos, a economia e a organização social eram diferentes de hoje. Por isso, as paisagens onde residem os povos indígenas têm mudado radicalmente desde os tempos de antes da chegada de não-índios, brasileiros e estrangeiros.
Na época, quando usavam os geoglifos, que são verdadeiras obras monumentais de engenharia, havia vários povos indígenas que hoje desconhecemos. Registros históricos mencionam nomes de grupos que já não existem.
No Acre, Amazonas e Rondônia, a multiculturalidade tem uma longa continuidade. Mesmo que muito tempo se tenha passado desde as construções dos geoglifos, para os povos indígenas atuais as formas destes e as cerâmicas achadas em seu entorno não são estranhas. Também as formas dos geoglifos. O nosso motivo ao abordar estas questões é valorizar os patrimônios culturais indígenas.
Os desenhos de geoglifos falam sua língua própria. Eles mostram que o uso da terra e do espaço foi detalhadamente planejado.
As composições de geoglifos revelam algo especial em matéria de pensamento e valores dos habitantes indígenas, que foram seus construtores.
As formas de geoglifos circulares, retangulares, e semirretangulares são formas geométricas comuns na arte indígena.
Nós acreditamos que as teorias de arte geométrica amazônica nos ajudam a entender os geoglifos, pois elas são intimamente relacionadas com meio ambiente.
O grafismo está baseado nos princípios do mundo xamânico e na presença de entidades da natureza - as que se manifestam e se tornam visíveis.
Essas entidades são, entre outros, seres da floresta e forças da natureza que, juntos, permitem a vida. Guardam águas, peixes, caça e recursos em geral.
Um motivo essencial para criar os geoglifos, além de sua prestação a atividades práticas, é a filosofia indígena. Para os indígenas, as pessoas são uma parte inseparável de natureza.
Esses povos prestam muita atenção a mudança de tempo, estações e posições de planetas, e é por isso que organizam muitos rituais ao qual estão ligados. Muitos geoglifos possuem partes que formam um complexo dessa configuração.
Para os apurinã, os geoglifos são seus lugares sagrados e associados com os seres que guardam os recursos naturais e são considerados como ancestrais. Vários geoglifos estão situados nas terras atuais deles, na divisa dos Estados do Acre, Amazonas e Rondônia.
Como são considerados pelos apurinã como sítios poderosos, os indígenas se aproximam com respeito. Nas comunidades indígenas, são os pajés que são especialistas a manter a conta de relações internas e externas com outros seres.
As estruturas de caminhos levam para os geoglifos e, assim, constituem uma parte inseparável do seu design.
Para chegar às paisagens monumentais no rio Purus, e em geral para se movimentar de um lugar para outro, um sistema desenvolvido de transporte era criado.
Muitas vezes se pergunta: quem construiu os geoglifos e para quê?
Há diversas opiniões de pessoas e teorias, que variam desde obras feitas por heroicas e misteriosas civilizações até por criaturas de outros planetas.
Todavia, há uma grande resistência das pessoas em aceitar que os geoglifos foram construídos por indígenas.
Ao contrário, seria mais fácil reconhecer as comunidades indígenas atuais, suas formas de se organizar e seus conhecimentos de viver com meio ambiente.
Pirjo Kristiina Virtanen é professora de Estudos Indígenas na Universidade de Helsinque
Sanna Saunaluoma é doutora e pesquisadora de arqueologia na Universidade de São Paulo
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