quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Organizações criminosas criaram raízes no Acre, diz juíza ao mandar soltar Hildebrando

“Não se tem notícia nem mesmo boatos de que os integrantes da organização outrora liderada pelo apenado tenham se reunido novamente para, sob seu comando, executar crimes”, escreve Luana Campos na decisão 


A Justiça que condenou o ex-deputado e ex-coronel Hildebrando Pascoal Nogueira Neto a  mais de 100 anos de prisão é a mesma que agora se posiciona favorável ao “homem da motosserra” para concedê-lo o benefício da progressão da pena para o regime semiaberto. Após quase 16 anos de reclusão, pois foi preso em 22 de setembro de 1999, Hildebrando Pascoal deverá deixar o presídio de segurança máxima Antônio Amaro, em Rio Branco, até o meio-dia desta quarta-feira (5), quando completará o prazo de 24 horas para que seja cumprida a ordem de soltura expedida pela juíza Luana Cláudia de Albuquerque Campos, da Vara de Execuções Penais.

A juíza indeferiu o pedido em que o Ministério Público do Estado do Acre (MPE-AC) afirma que Hildebrando Pascoal possui uma personalidade voltada ao cometimento de crimes violentos e que por isso seria indispensável a realização de um meticuloso exame criminológico para que se possa aferir o estado de periculosidade do mesmo. Exame criminológico consiste em uma espécie de perícia realizada por psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais do Sistema Prisional em condenado penalmente, para avaliar o seu comportamento, a sua personalidade, eventual arrependimento pela prática do delito etc.

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Ao analisar a manifestação do MPE-AC, a magistrada assinala que embora haja precedentes que assegurem a realização de exame criminológico para fins de concessão do benefício de progressão, ela entende que o exame “não constitui instrumento hábil a realizar o prognóstico de reincidência, ou seja, é incapaz de constatar se o condenado voltará a praticar novos delitos”.

“Verifica-se que o juízo sobre a possibilidade do condenado reincidir é algo impossível de ser realizado, já que está na esfera do “futuro”, do que irá acontecer, e não interessa ao mundo jurídico sob pena de admitirmos “juízos de adivinhação” que sejam capazes de restringir um dos mais importantes direitos fundamentais: a liberdade”, escreve Luana Campos na decisão.

Bom comportamento

A juíza da Vara de Execuções Penais argumenta que não se pode em sede de execução penal rememorar a personalidade do agente há época dos fatos, mas se ater ao seu comportamento. Ela registrou que Hildebrando Pascoal, durante os anos de prisão, sempre demonstrou bom comportamento, conforme prova o relatório carcerário juntado ao processo.

“Não há notícia de que o apenado esteve envolvido com facções criminosas que hoje criaram raízes em nosso Estado e que causam tantos males à nossa sociedade, mesmo estando recolhido na unidade em que se encontram as lideranças das principais facções. O nome do reeducando nunca foi vinculado às citadas organizações criminosas”, acrescenta.

De acordo com Luana Campos, embora Hildebrando Pascoal tenha sido conhecido por liderar organização criminosa no passado, atualmente o quadro é totalmente diferente. “Após sua prisão o reeducando não teve qualquer contato com os outros apenados que também foram condenados juntamente com ele pela prática dos crimes, sendo que seus "cúmplices" já encontram-se todos em regime mais brando”.

“Não se tem notícia nem mesmo boatos de que os integrantes da organização outrora liderada pelo apenado tenham se reunido novamente para, sob seu comando, executar crimes. Frise-se que não seria difícil para o apenado, caso assim quisesse, ordenar qualquer espécie de crime aqui fora. Digo isso porque é de conhecimento desta magistrada a facilidade de acesso à telefones celulares por parte de apenados. Ademais, poderia o reeducando, também, manter contato pessoal com outras pessoas do grupo que liderava”, assinala Luana Campos.

Saúde

A juíza afirma que Hildebrando Pascoal encontra-se com graves problemas de saúde, os quais foram se agravando durante o período de seu cárcere. Seu quadro delicado de saúde encontra amparo nos diversos laudos jungidos ao feito.”Hoje o reeducando necessita de fisioterapia regularmente, bem como adaptações tiveram que ser feitas em sua cela para que seu estado de saúde não se agravasse ainda mais, o mesmo possui sérias dificuldade de locomoção, restrição alimentar grave, tanto que boa parte de sua alimentação é encaminhada pela família”.

Luana Campos afirma que Hildebrando Pascoal “não exerce mais qualquer tipo de liderança nefasta” e que o fato de isolar-se em sua própria cela, conforme menciona o MPE, demonstra que o reeducando não quis envolver-se com os outros criminosos que estão reclusos na Unidade de Regime Fechado-02. A juíza assinala que muito deles possuem penas ainda mais altas que o apenado, e outros sequer irão progredir antes de cumprir o tempo máximo de pena exigido no País (30 anos). “Alguns desses presos envolvidos nas facções criminosas são de alta periculosidade, sendo que alguns inclusive foram transferidos para presídios federais para aplacar a liderança negativa que exerciam de dentro do presídio”.

Benefício

No final de sua decisão de 13 páginas, a magistrada lembra que “não existe prisão perpétua no Brasil, sendo direito constitucional do apenado à sujeição ao regime progressivo de pena”. Ao conceder a Hildebrando Pascoal a progressão para o regime semiaberto, ela destaca que a “saída temporária” é um beneficio previsto nos artigos 122 a 125 da Lei nº 7210/84, podendo ser deferido quando o condenado estiver cumprindo pena em regime semiaberto, para fins de visita à família, desde que tenha comportamento adequado, cumprido o mínimo de um sexto da pena, se for primário, e um quarto se reincidente, e o benefício seja compatível com os objetivos da pena.

“O sentenciado progrediu de regime nesta data. O comportamento foi analisado acima e já atingiu o requisito objetivo. Há compatibilidade do benefício com a finalidade da pena, pois a assistência familiar, o convívio com a família é de substancial importância para o reeducando reintegrar-se no meio social”, afirma.

Luana Campos concede a Hildebrando Pascoal saída temporária, pelo prazo de sete dias. Durante o período, ele terá que obedecer às seguintes determinações: 1) permanecer em seu domicílio das 19h às 6h, dele não podendo sair sob hipótese nenhuma; 2) não frequentar bares, boates, botequins, festas ou estabelecimento de reputação duvidosa; 3) não ingerir bebida alcoólica ou fazer uso de substância entorpecente ou que cause dependência física ou psíquica; 4) não portar armas; 5) não se meter em brigas e tumultos, bem como não provocá-los; 6) não cometer crimes; e 7) receber os agentes da fiscalização.

O ex-coronel deverá recolher-se todas as noites Unidade de Regime Fechado nº 2. A unidade prisional foi cientificada que deverá dar cumprimento à decisão no prazo de 24 horas, ou seja, até o meio-dia desta quarta. Por sua vez, Hildebrando Pascoal é advertido que, caso seja flagrado descumprindo as condições pela autoridade policial, poderá ser imediatamente conduzido à Unidade de Regime Semiaberto nº 1.

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