quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Autodidata em inglês, estudante do Acre chega a uma cúpula global de educação


Primeiro brasileiro a integrar o Wise Learners, André Lucas Melo, 19 anos, é estudante de direito da Universidade Federal do Acre (Ufac). Ele participou na semana passada do World Inovation Summit for Education, uma grande cúpula anual realizada em Doha, capital do Qatar, quando foi nomeado um dos trinta Wise Learners de 2013 por sua atuação voluntária como embaixador do Estudar Mais, um projeto da ONG britânica React & Change na América Latina.

Filho único de um carpinteiro e de uma servidora pública, André Melo já participou de eventos como Parlamento Jovem Brasileiro, Youth Parliament do Mercosul, World Youth Congress, Youth Blast durante a Rio+20, International Student Week, em Ilmenau, e Global Entrepreneurship Summer School, em Munique.

Aprendeu inglês sozinho e já chegou a ser selecionado pela Unesco como editor internacional jovem de uma publicação global sobre educação e também já foi escolhido pela Hesselbein Global Academy como um dos 50 estudantes líderes de ponta.

Em 2012,  o acreano foi contemplado com o Prêmio Estudar Ciência. Apesar de ter um perfil aparentemente distante das ciências, foi um dos melhores classificados na Olimpíada Brasileira de Astronomia. Aos 17,  já era Membro do Parlamento Jovem Brasileiro e representante do Acre – a convite do Parlamento Juvenil do Mercosul e do Ministério da Educação – em conferências nacionais de educação.

Após a premiação pela Fundação Estudar,  foi convidado a contribuir como editor do Youth Summary, relatório organizado pela Unesco em parceria com a Peace Child International sobre a educação ao redor do mundo. Em seu texto, além de falar do desafio da educação na Amazônia, André Melo tratou de projetos de incentivo à educação, capacitação e engajamento juvenil. Dentre centenas de jovens de todo o mundo, seu texto foi eleito um dos 10 melhores trabalhos, o que lhe rendeu um convite pela Unesco a um encontro editorial no Reino Unido.

- Nunca tive que pedir ou mandar o André fazer as tarefas da escola - resume com satisfação a mãe Marilza Buriti Melo, papiloscopista do Instituto Médico Legal do Acre.

Ele mora numa casa humilde de alvenaria, na Rua Formosa, em Rio Branco, que está sendo reformada, pintada de cores claras apenas internamente.

Nascido no Acre, cujos problemas sociais são agravados pelo tráfico de drogas e a violência e onde a principal fonte de emprego é a máquina pública, o jovem destoa na paisagem com seu 1,79m de altura, cara de criança e uma determinação exemplar.

André Melo, que estudou em escola particular até o primeiro ano do ensino médio e migrou para escola pública na esperança obter bolsa de estudo, além da Ufac, foi aprovado em vestibular para cursar direito na Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Amazonas e Universidade Federal de Campina Grande.

Em que pese o brilhantismo, o estudante ainda manifesta incerteza quanto ao futuro:

- Penso muitas coisas, desde seguir carreira na área da magistratura até mesmo trabalhar em outras organizações. Mas o que eu gostaria mesmo é trabalhar com educação futuramente. Talvez lecionar, mas focar em políticas para a educação.

Segundo André Melo, se pudesse voltar no tempo, estudaria muito mais, pois acha que não se esforçou totalmente.

- Aprendizado, educação, foi algo que me interessou bastante. E posso dizer que foi algo que mudou completamente a minha vida. A maneira como eu vejo o mundo, as experiências que tive oportunidade, tudo isso é muito relacionado à educação, essa vontade de aprender, de ir além. Acho que todos nós temos um pouco disso dentro de nós.

O estudante brasileiro do Acre diz que todos os problemas sociais que afetam a sociedade estão relacionados à educação.

- Acho que o problema das drogas no Acre, assim como o problema da violência, da criminalidade, de todas as esferas, na saúde, devem ser sanados e podem ser sanados com investimento maior na educação, com a valorização da profissão do professor e com outros investimentos básicos na área de educação. Acredito que educação é a base de tudo, é a base de todas as áreas. É uma frase, um pensamento clichê, mas que faz muito sentido para mim. Ela pode mudar os mais diversos históricos.

Veja os melhores trechos da conversa com André Melo:

Genialidade
Pode parecer uma perspectiva um pouco romântica, mas eu acredito que, se determinação for determinante pra genialidade, acho que todos nós temos um pouco disso. Todos temos nossos interesses, as coisas que nos atraem. E o que eu fiz foi justamente isso: fui atrás de ir além.

Time internacional
Bem, o Wise Learners é um programa de um ano e os trinta delegados teremos reuniões periódicas e estaremos divididos em grupos. Cada um desses está designado para desenvolver uma ideia, de um projeto, que possa impactar a educação independente do eixo. A cada dois meses teremos reuniões periódicas. A primeira reunião vai ser agora, em janeiro, no Qatar. Teremos também uma reunião e um treinamento em junho, na Espanha, e outras que ainda serão marcadas. Durante esse período,  teremos que desenvolver algum projeto que possa impactar a educação. Trabalharemos em times internacionais multiculturais. O time que estou designado tem representante do Marrocos, do Qatar, da Inglaterra. Projetos que possam impactar a educação independentemente da região. Projetos que possam igualmente ser aplicados tanto tanto no Brasil, na Amazônia, como também na Inglaterra, no Marrocos e no Qatar. Eles designaram a nós a tarefa de desenvolver esses projetos, não somente o projeto utópico, uma ideia, um trabalho, um pedaço de papel escrito. Eles querem um projeto pronto, como vamos financiar esses projetos, como vamos toar esse projeto pra frente. O objetivo deles é que esse projeto se torne real e realmente possa impactar a educação. No ano que vem, na Cúpula Global de Educação Inovadora, nós vamos apresentar esses projetos, seremos avaliados e teremos contato com uma rede grande de pessoas que possam apoiar esses projetos e possam nos ajudar esses projetos pra frente. O objetivo deles é justamente esse: oferecer treinamento mas também colher resultados desse investimento que fazem nesses jovens. Eu estou muito animado. Tenho certeza de que vai ser uma experiência fantástica, baseados nos projetos maravilhosos que tivemos em edições passadas. Acredito que vai ser uma experiência muito boa.

Inteligência e saber
Inteligência independe completamente de educação formal. Inteligência compreende um campo muito vasto, vários elementos, mas não também não é tão ligado à cultura… É uma pergunta difícil. Tem que pensar antes. Não adianta falar com palavras bonitas algo que não vai… Eu me considero uma pessoa esforçada, que sempre tive vontade de fazer algo diferente, de ir além. Durante o ensino médio, na minha vida acadêmica, eu tive oportunidade de ir atrás desses interesses. Desde pequeno fui um ser humano muito curioso. Aprendizado, educação, foi algo que me interessou bastante. E posso dizer que foi algo que mudou completamente a minha vida. A maneira como eu vejo o mundo, as experiências que tive oportunidade, tudo isso é muito relacionado à educação, essa vontade de aprender, de ir além. Acho que todos nós temos um pouco disso dentro de nós. É uma coisa muito mais do que as disciplinas, do que aquela coisa da educação formal. É algo que que tem que ser instigado dentro de sala de aula, pensamento crítico, promover educação não somente como uma coisa formal, como algo dispensável, mas como algo que vai te ajudar na frente.

Escolas públicas e privadas
Essa discrepância não falo somente em nível local, mas em nível nacional. Pelas experiências que tive, há uma diferença muito grande entre educação privada e educação pública. é algo que precisa melhorar bastante. Diferença estrutural e não pelos profissionais. A estrutura privada favorece melhor o ensino, funciona um ambiente melhor para o estudante. A educação pública no Brasil infelizmente ainda precisa de muitas mudanças. Tem problemas crônicos que precisam ser sanados, debatidos e resolvidos. Minha experiência na escola pública foi uma experiência boa, não pelo ensino, mas pelas oportunidades que eu tive no ensino público. Pela oportunidade que tive de seguir meus interesses e oportunidades que muitas vezes eu não teria acesso na escola privada.

Leituras
No momento, leituras do curso porque tempo para leituras livres falta um pouco. Mas eu gosto muito de ler desde coisas mais didáticas a coisas mais literárias. Gosto de escrever também. Acho que as maiores chances que eu tive na vida, de programas e projetos que participei, estavam ligadas a esse gosto que tenho de escrever. No primeiro projeto que participei, da Unesco, recebi um e-mail falando que uma organização global que todos os anos promove sobre educação, estava convidando pessoas jovens ao redor do mundo para compartilhar ideias sobre educação. Como eu estava numa fase meio autodidata de aprender inglês, de melhorar a minha escrita, considerei que tive oportunidades muito boas que foram me dadas pela educação e decidi compartilhar minha experiência com educação com o projeto. Escrevi um artigo científico e também um relato pessoal contando minha experiência na educação sobre as oportunidade que isso tinha me dado, como minha vida tinha se transformado desde que eu havia entendido a educação como essa ferramenta transformadora que eu vejo hoje. Discorri sobre isso e submeti à Unesco. No outro dia eles me informaram que das centenas de artigos que eles haviam recebido ao redor do mundo, eles iam trabalhar 10 que iam trabalhar como editores oficiais de uma versão jovem desse documento da Unesco, que eles iam convidar para trabalhar em Londres durante um período de tempo. Até aí, tudo bem, nunca achei que fosse ser selecionado. Era uma coisa muito grande para mim, muito alta para mim. Eu via dessa maneira. Dois dias depois eu tinha recebido o convite e uma semana depois eu estava indo para Londres e foi uma das melhores experiências que tive na minha vida. E foi a partir daí, tendo a chance de ver de perto esse ambiente e ver de perto relatos de outras pessoas do mundo, que assim como o meu tinham submetido também, eu percebi que a educação não tinha a capacidade de mudar somente a minha vida. Lógico que era o que eu já sabia disso, mas foi a partir desse momento que eu tive uma certeza e comecei a me interessar ainda mais por projetos e por tentar levar isso a um nível maior.

Idioma
Aprendi inglês sozinho. Sempre gostei de cinema, de séries, e sempre assistia em casa. Via inglês como uma necessidade. Eu não sabia exatamente como, mas sabia que era algo que me ajudaria muito no futuro e ajudaria muito a realizar o meu sonho se eu soubesse. Comecei a estudar em casa, tinha algumas gramáticas, alguns livros, praticava com alguns amigos que também falavam inglês. Mas também tive oportunidade de estudar numa escola de idiomas. Fui bolsista por um prêmio que ganhei em 2011, que me deu oportunidade de começar e terminar em curto período de tempo uma escola de idiomas.


Manifestações de julho
No Dia do Basta estava protestando por educação, por causas básicas. Estava por causas mais gerais e não específicas. A minha bandeira vai ser sempre a educação. Mudamos o país não somente pelas manifestações em si. A partir do momento que há esse empoderamento, essa vontade do povo de mudar, não apenas de gerar a mudança em si, mas somente a vontade de mudar, a vontade de dizer isso está errado, isso tem que ser modificado, isso tem que ser aperfeiçoado… A partir do momento que o povo tem essa consciência, que se enxerga nesse papel social, que se enxerga em si mesmo como uma ferramenta de transformação, a partir desse momento já há uma mudança muito grande. Foi um divisor de águas não somente no contexto social acreano, mas também no contexto social nacional, a partir do momento que as pessoas passam a nos ver mais como agentes de mudanças, agentes transformadores. O próprio brasileiro passa a se enxergar dessa maneira. Acho que foi um período fantástico que está durando até agora. Foi algo muito inspirado que tem que ser mantido. Falar de política é complicado. Acho que não tenho tanta autoridade para falar.

Cultura do estudo
É algo fundamental. Estimular não só estudar por estudar, mas mostrar para os jovens como a vida dele pode ser completamente transformada pelo estudo. Pode até parecer um papo meio careta, coisa muito motivacional ou algo até muito romântico, mas a educação mudou a minha vida e é capaz de representar um divisor de águas na vida de qualquer pessoa. Se eu pudesse voltar no tempo estudaria muito mais teria. Não me considero que me esforcei totalmente.

Os pais
Sou de uma família simples. Meu pai é carpinteiro de profissão. Minha mãe é servidora pública, papiloscopista. Meu pai por profissão é carpinteiro, já foi servidor público. Já fez de tudo na vida. São pessoas que me inspiram bastante. São minha dose de inspiração diária. Os dois são inteligentes e me provaram desde cedo que inteligência independe de educação formal. Meu pai estudou somente até o ginásio, mas eu considero ele o homem mais feliz que conheci na vida. Agradeço muito por terem me dado a oportunidade que eles não tiveram. Oportunidade de estudar, de correr atrás de coisas que eu gosto. A educação que me deu isso. É fantástico. Sou muito orgulhoso pelos pais que tenho.

Drogas
É engraçado. Quando você começa a trabalhar com educação, quando começa a ver educação de um ângulo mais perto, você começa relacionar com educação todos os problemas sociais que afetam a sociedade acreana, a sociedade brasileira. Educação não é um problema. Educação é solução. Acho que o problema das drogas no Acre, assim como o problema da violência, da criminalidade, de todas as esferas, na saúde, devem ser sanados e podem ser sanados com investimento maior na educação, com a valorização da profissão do professor e com outros investimentos básicos na área de educação. Acredito que educação é a base de tudo, é a base de todas as áreas. É uma frase, um pensamento clichê, mas que faz muito sentido para mim. Ela pode mudar os mais diversos históricos.

Futuro
Não tenho certeza. Optei por direito porque, além de ter esse interesse na área jurídica, é uma área que possibilita muitas opções de coisas que posso fazer e me dedicar futuramente. Penso muitas coisas, desde seguir carreira na área da magistratura até mesmo trabalhar em outras organizações. Mas o que eu gostaria mesmo é trabalhar com educação futuramente. Talvez lecionar, mas focar em políticas para a educação.

Mensagem
Uma mensagem clichê: não desista. Saiba que tudo que você faz hoje, cada gota de suor, cada hora que você perde dormindo ou sem fazer aquilo que você realmente gosta, cada hora que você gasta investindo em educação, investindo em você mesmo, é uma hora de sua vida que se multiplica, uma hora que vai render frutos para o seu futuro. Dedique-se àquilo que você gosta e corra atrás de seus objetivos. Deixe de dizer que você é menos capaz por uma situação ou outra. É esse o recado que tenho.

3 comentários:

Gleiciane disse...

Que rapaz maduro! É muito bom ver um menino tão jovem com esse discurso tão focado e tão discrepante da maioria dos jovens da idade dele. Concordo quando ele diz que o caminho para a solução dos problemas da sociedade é a educação. É isso aí, André! Você vai longe. Boa sorte, garoto!

Clênio Plauto S. Farias disse...

Parabéns pela matéria Altino. O André é um exemplo de vida, tão jovem, que com certeza tem um futuro brilhante, pois já está realizando a mudança que tanto precisamos para um mundo melhor.

Quequel disse...

Obr4igada, Altino, por divulgar essa história. Parabéns ao André e aos pais dele.