segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A batalha do Amônea

POR ARQUILAU DE CASTRO MELO

Transcorria o mês de novembro do ano de 1904, o rio Juruá já ganhara água suficiente para permitir a navegação dos primeiros navios das casas aviadoras de Belém e Manaus que se apressavam em trazer passageiros e mercadorias para abastecer os barracões dos seringalistas. Depois de desembarque dos utensílios necessários ao fabrico da borracha como baldes, tigelas, porongas e lamparinas, facas, terçados, machados, espingardas, chumbo, pólvora e, de alimentos como carne enlatadas, biscoitos, açúcar, sal, e cachaça inicia-se o embarque da produção responsável por todo aquele movimento as pelas de borracha, o caucho e o sernambi.

O navio o “Juruá”, da casa aviadora paraense Antonio Cruz & Companhia,  estava ancorado no porto do seringal invencível, sede provisória da cidade Cruzeiro do Sul, situado na confluência dos rios Juruá e Moa. Há dois meses deixara o porto de Belém e agora estava de baixada a fim de ter tempo de fazer uma nova viagem antes da chegada do verão quando o rio já não permitia a navegação de navios de seu calado.

Cruzeiro do Sul havia sido fundada há pouco mais de dois meses e nem todas as repartições públicas tinham tido tempo suficiente para efetivar a mudança para o seringal centro brasileiro, local escolhido pelo prefeito Gregório Thaumaturgo para abrigar a sede definitiva da prefeitura do Departamento do Alto Juruá. Enquanto se ocupava em planejar a nova cidade, com a segurança de quem já fora governador dos estados do Piauí e Amazonas, o general Thaumaturgo recebeu uma má notícia: o Peru acabara de instalar um posto aduaneiro na confluência dos rios Amônea e Juruá, para cobrar impostos da borracha que por ali passava e tivera, ainda, a ousadia de denominar o local de Nuevo Iquitos.

A notícia apanhou o general de surpresa uma vez que até então os peruanos estavam se mantendo acima da foz do rio breu. Com a experiência de quem trabalhara junto à comissão encarregada de demarca a fronteira do Brasil com a Venezuela, o general logo deduziu logo a estratégia do vizinho: como os dois países estavam preparando uma comissão mista para percorrer o Juruá a fim de demarcar os seus limites fronteiriços com base no direito de posse o Peru avançava Brasil adentro a fim de consolidar novas posições.

O general, então com 51 anos de idade, homem trabalhador, de têmpera irascível, habituado a confrontos ficou profundamente irritado com a atitude dos peruanos. Havia de tomar medidas imediatas – pensou - para preservar o território do Departamento do Alto Juruá, cuja gestão lhe fora confiada pelo próprio presidente da República. Não havia tempo o suficiente para comunicar-se com a Capital Federal, o Rio de Janeiro, e aguardar providências. Era necessário agir logo, pensou. Mas como expulsar os invasores se a guarnição da tropa federal a sua disposição era composta de poucos homens e mesmo assim não havia como transportá-la até o Amônea, ou Nueva Iquitos como queriam os peruanos. A prefeitura somente dispunha de um batelão e duas canoas, insuficientes para os transportes de homens, armas, munições e alimentos.

Enquanto pensava como enfrentar aquela situação nova tomou conhecimento de que no porto do seringal invencível estavam ancorados dois navios o “O Moa”, de propriedade da firma “Mello¨ & Cia, e o “O Juruá” de propriedade de uma casa aviadora de Belém que seriam suficientes  para levar a tropa para enfrentar os peruanos. Cuidou, então, de encaminhar ofícios aos comandantes da embarcações requisitando os navios com a advertência de que a só poderiam deixar o porto com seus soldados. O que ele não esperava era a reação do comandante do navio “O Juruá”, Alberto Serra Freire, que foi procurá-lo para dizer que não poria o gaiola a disposição da prefeitura uma vez já estava de baixada para Belém e que não tinha combustível nem rancho suficientes para atender a requisição. Mas o general não lhe deu alternativa: o navio havia de fazer a viagem ainda que tivesse de empregar a força para conduzi-lo.

No dia seguinte os dois navios subiam o Juruá e seis dias depois chegaram à foz do Amônea. A batalha do Amônea, como ficou conhecido o episódio, durou três dias, findos os quais os peruanos se renderam com a baixa de 9 mortes, enquanto do lado dos brasileiros foi registrada uma morte e vários feridos.

Através do relato do farmacêutico Mário de Oliveira Lobão que embarcara em um dois navios para atender eventuais feridos é possível ter uma visão bem precisa do confronto:

 “Tinham os peruanos no local 80 homens bem armados e municiados, dispondo de metralhadoras sob as ordens do General Suarez. Os dois “gaiolas” não puderam combinar um ataque à posição inimiga, devido a ter o “Môa” encalhado e a dificuldades outras de navegação, em virtude da baixa das águas. Mas o destacamento brasileiro em batelões e canoas penetrou os igarapés, desembarcou e tomou posição para atacá-la por três lados: no seringal fronteiro, Minas Gerais, na margem direita do Juruá e por trás de Nuevo Iquitos. Muitos seringueiros armados reforçaram as 50 praças de infantaria. O Capitão Ávila ficou no seringal, o tenente Mateus na barranca do Juruá e o ex-cadete da Escola Militar de Fortaleza, Oséas Cardoso na terceira face do ataque. Intimados a capitular os peruanos recusaram e começou o fogo de parte a parte, que durou até às 5 horas da manhã do dia 5 de novembro. Então cercado e maltratado pela fuzilaria certeira dos seringueiros, Sr. Ramirez rendeu-se com as honras da guerra recolhendo-se ao Departamento de Loreto. Os peruanos perderam 9 homens e tiveram muitos feridos. Os brasileiros perderam somente um e tiveram poucos feridos”.

Cinco anos depois, em setembro de 1909, Brasil e Peru assinaram o Tratado do Rio de Janeiro fixando os atuais limites fronteiriços, entre os dois países.

Arquilau de Castro Melo é desembargador aposentado.

Bibliografia: Onofre, Manuel O papel decisivo do Mal. Taumaturgo de Azevedo na questão do Acre; Processo: Autos da ação ordinária para indenização autores Antonio Cruz & Companhia ré Fazenda Nacional, 1905 (acervo Tribunal de Justiça).

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