“Uma sociedade de carneiros acaba por gerar um governo de lobos”
(Victor Hugo)
IImo Sr.
Governador do Estado do Acre
Jorgenei Viana das Neves
Nesta
Esperei um, dois, três, quatro dias. Primeiro, para evitar que essas linhas tivessem o mínimo possível de emoção. Depois, para aferir a reação das pessoas, da sociedade. Pelos inúmeros telefonemas que recebi e informações que colhi, as reações foram de reprovação, de revolta e de nojo com a sujeira que o senhor fez contra mim, minha família e o jornal A GAZETA.
Na verdade, há algum tempo, vinha pensando em escrever para dizer-lhe algumas verdades. A ocasião propícia chegou. É esta. Como jornalista e cidadão tenho esse dever e esse direito. Afinal, alguém, entre tantos ‘carneiros’, precisa ter a coragem de reagir e não deixar que prosperem ‘governos de lobos’.
Vamos por partes:
Disse o senhor, em algumas ocasiões, para tentar justificar aquela agressão covarde, que não permitiria que injuriassem seu pai. Bravo! O senhor é um bom filho. Acontece – e os leitores são testemunhas – que nem eu, nem minha família, nem A GAZETA injuriamos seu pai. A GAZETA apenas publicou foto dele, para ilustrar uma matéria com declarações do deputado João Correia, o qual afirma que ele, como secretário do Governo Flaviano Melo e outros secretários poderiam ser chamados para depor na CPI da Flávio Nogueira. Onde estão a injúria, a difamação, a ofensa?
Já se disse e vale repetir: na sua concepção egocêntrica, sempre acha que só o senhor tem pai, tem mãe, tem filhos, tem honra. Seus adversários políticos, que o senhor costuma chamá-los de ladrões, de corruptos, de quadrilha, não têm pai, não têm mãe, não têm honra.
Tomou, então, aquele episódio como pretexto para me atacar de forma vil e covarde. Tão zeloso com os recursos públicos que se diz, não teve o escrúpulo de pagar avião, para sobrevoar minha casa, tirar fotos, plantar espiões em volta da casa, atemorizando minhas filhas, numa flagrante invasão de privacidade. Não satisfeito, depois usou carros e funcionários públicos para distribuir seu jornal de graça.
Lembra, governador, de quem eram essas práticas de invadir a privacidade das pessoas, de vigiá-las, fotografá-las, de colocar escuta telefônica, de amedrontá-las? Isso mesmo. Eram métodos muito usados pelos famigerados órgãos de repressão militar, copiados do fascismo, do nazismo, do stalinismo.
Este jornalista que vos escreve, que foi em anos passados alvo de perseguição da chamada “direitona” – vim saber depois que escapei por pouco – sente-se atualmente deveras lisonjeado em ser perseguido agora pela “esquerdona”.
Fui informado inclusive que a próxima vítima de sua sanha seria minha mulher, Ivete. Eureka!. Eu, que andava atrás de um bom assunto para escrever um livro, acho que encontrei.
Mas o senhor não me mete medo. Nem vai conseguir calar A GAZETA. O jornalista Paulo Francis costumava dizer que “o sucesso real das esquerdas é a capacidade da difamação”. Como o senhor não é, nunca foi da esquerda, até nisso se deu mal. Nos dias que sucederam a publicação, não tenho conseguido trabalhar em paz. Pessoas de todos os segmentos sociais, telefonam para prestar solidariedade e, indignadas, reprovar seu ato de vilania.
Até o filho de uma de suas secretárias, amigo de minhas filhas,que me conhece, freqüenta nossa casa, ficou revoltado. “É uma grande sacanagem que fizeram com o tio. O tio não é assim”, disse ele.
O senhor mesmo é testemunha. O que tenho é fruto do meu trabalho. Várias vezes, em conversas comigo, o senhor chegou a me elogiar, porque o que ganho aplico no Acre. Errado seria se mandasse para alguma conta na Suiça, aplicasse no narcotráfico ou torrasse com orgias.
O senhor esteve na minha casa algumas vezes. Sabe que não há nenhum luxo. O projeto, aliás, é da lavra de um dos seus secretários. Pergunte a ele. Igual e mais “luxuosa” do que minha casa existem mais de cem em Rio Branco. As fruteiras fui eu que plantei com minhas mãos.
Em tempo: se o senhor fosse suficientemente honesto teria mostrado a casa que também possui no Conjunto Ipê, a duas quadras da minha. É fato que não é tão grande, porque o senhor não precisa dela para morar. Quem deve inclusive estar amealhando uma gorda poupança é quem ganha um salário de R$ 9 mil, mais as centenas de diárias, sem precisar gastar um centavo com nada. O Estado, a “viúva”, provê tudo.
Aquele ‘Silvio Martinello’ que o senhor pretendeu expor à execração pública não sou eu. Pode ser algum dos seus novos amigos. Não sou rico, não sou gangster. Nem empresário sou. Sou e vou ser a vida inteira jornalista. Acordo cedo. Trabalho de nove a dez horas por dia, porque inventaram tudo para facilitar o processo industrial dos jornais. Menos alguma parafernália que permita fazer jornalismo sem trabalho e dedicação.
Importo-me tanto com viagens e status que recusei, no ano passado, um convite seu, para acompanhá-lo em uma viagem a Londres, com tudo pago pelo governo. Recusei, para não ficar lhe devendo favores, para não ficar de “rabo preso”. Por um princípio ético, jornalista não deve aceitar esse tipo de favor.
Meu apego ao dinheiro é tão grande que sequer tenho conta em banco ou cartão de crédito. Aprendi com meu velho pai, italiano, que o homem só pode gastar quilo que carrega no bolso. Pergunte aos 80 funcionários do jornal A GAZETA e da rádio FM 93 quem recebe todos os meses por último? E não foi nem uma nem duas vezes que fiquei sem retirar o pró-labore, porque seu governo e outros têm o péssimo costume de aplicar o “calote”. Não pagam pelo que publicam.
Ah!, e aproveite também para perguntar aos funcionários qual o conceito que eles têm do seu “patrão”. Se alguma vez os destratei; se os persegui, se cortei seus salários. Para seu conhecimento, a maioria deles trabalha na empresa há oito, dez anos. Vários deles estão desde a fundação do jornal, há 16 anos. Praticamente, tornaram-se “sócios”.
“Dinheiro sujo” o meu, governador? Como, se o senhor mesmo me deu o atestado de honestidade? Certa vez, assim que assumiu, em uma conversa em seu gabinete, o senhor bateu com a mão numa gaveta à esquerda de sua escrivaninha e me disse que tinha o levantamento do que cada jornal, cada televisão haviam recebido em governos passados. A diferença entre o que A GAZETA recebera e outros veículos que hoje são seus aliados é enorme.
O que faz a diferença é a competência, o trabalho, a credibilidade que A GAZETA e este jornalista adquiriram ao longo dos anos. Com um detalhe: este jornalista foi apenas uma vez empregado de governo. Não gostou e jamais quis sê-lo.
É essa credibilidade, que já conferiu dois dos maiores prêmios nacionais, o Prêmio Imprensa Embratel e o Prêmio Esso Regional Norte, que lhe incomoda, não é mesmo governador? Prêmios que recebemos com muito orgulho. Fomos ao Rio de Janeiro defender o jornalismo do Acre, concorrendo com os melhores jornais e revistas do país.
E o senhor, que decepção!, sequer se dignou, na época, de mandar um telegrama de cumprimentos. Sabem os leitores por quê? Porque o jornal havia tomado uma posição corajosa e firme contra a tentativa de alguns segmentos da Justiça Eleitoral de impor a censura e o senhor estava conivente com eles.
Antes disso, porém, este que vos escreve era seu “joranlista preferido”, lembra, governador? Fiz várias matérias por sugestão e pedido seu. Além de escrever, razoavelmente, bem, tenho credibilidade. Atualmente, parece que seus “jornalistas preferidos” são outros. Que sejam felizes para sempre.
A propósito, o relacionamento do senhor e seu governo com a imprensa merece um capítulo à parte. Em meus 25 anos de jornalismo no Acre, nunca tivemos um governo tão contencioso, tão difícil, tão repressor e policialesco quanto o seu.
No começo, pensava-se que era excesso de zelo seu e de seus assessores em construir e preservar uma boa imagem de governo. Redações de jornais, estúdios de televisão eram, diariamente e várias vezes por dia, visitados pelos seus assessores, para saber o que iria ser publicado no dia seguinte ou iria para o ar. Houve um tempo em que seu assessor de comunicação chegou a pedir uma cópia da primeira página dos jornais, antes de ira às bancas.
Com o passar do tempo, porém, donos dos veículos de comunicação, seus editores e jornalistas se deram conta que não era exatamente excesso de zelo. Era uma tentativa clara de controlar, de pautar, de editar e de impor uma verdadeira censura prévia aos veículos.
Atualmente, os órgãos de imprensa que não têm independência financeira e sobrevivem às expensas de um contrato de publicidade, vivem um verdadeiro clima de terror. Seus donos são ameaçados de retaliações, até de prisão (veja o que o senhor acabou de fazer com este jornalista?). Seus editores e repórteres trabalham com medo. Na sexta-feira, dia da sujeira, vários deles estiveram em minha sala, para trazer sua solidariedade.
Através de um levantamento que A GAZETA começou a fazer nas últimas semanas, está-se chegando à triste conclusão que nunca um governo abriu tantos processos contra veículos de comunicação e jornalistas quanto o seu. Já chegaram a quase duas centenas.
Pior do que isso, neste ano, usando e abusando do dinheiro público, seu governo, literalmente, “arrendou” um canal de televisão na Capital. Mais um canal e uma emissora de rádio em Cruzeiro do Sul. Há poucos dias, um dos principais fornecedores de medicamentos da Secretaria de Saúde comprou outro canal de televisão, para ficar sob o controle do governo.
Como se veículos de comunicação não fossem entidades com suas identidades e opiniões próprias, que possam ser “alugadas” como uma mercadoria qualquer. Santo Deus! Onde o senhor pretende chegar com tamanha voracidade, governador?
Alguém precisa ter a coragem de dizer – e eu digo – que o senhor está errado. O senhor jurou cumprir as Constituições do Brasil e do Acre, que proíbem qualquer tipo de cerceamento à liberdade de expressão.
A ironia disso tudo – seus adversários políticos já me jogaram várias vezes na cara – é que o senhor é um produto típico da mídia. Ou seja, elegeu-se prefeito e depois governador graças à generosidade da mídia. Notadamente, de alguns jornalistas de maior credibilidade. Modéstia à parte, como este que vos escreve.
É bom consignar ainda que não é só a mídia, com uma ou duas exceções, que estão sob seu tacão hoje no Acre. O senhor vem tentando – e em alguns casos conseguiu, parabéns! – controlar todas as instituições que, constitucionalmente, deveriam pautar-se pela mais absoluta independência. Não me arrisco a citá-las, para não levar mais processos. A sociedade, contudo, sabe quais são, como agem e o mal que essa incestuosidade vem causando ao regime democrático neste Estado.
Só um exemplo: valendo-se do eu “padrinho”, o presidente FHC, o golpe baixo que o senhor aplicou no ex-superintendente da Polícia Federal no Acre, doutor Glorivan Bernades, foi vergonhoso.
O método é conhecido. Primeiro, solta-se a caterva para desmoralizar as instituições e seus membros, como fizeram com os desembargadores, com os conselheiros do Tribunal de Contas. Depois, vem o controle, o torniquete.
O problema, governador, desculpe a franqueza, a rudeza até, é que o senhor não tem boa e sólida formação democrática. Lembro bem. Quando este jornalista que vos escreve, de fato, andava de sandálias, com uma bolsa de couro surrada a tiracolo, como repórter do Jornal do Brasil e do Varadouro, cobrindo as eleições, no final da ditadura, o senhor era um rapazinho. Estudava em Brasília, mas vinha fazer campanha para a Arena.
Nos dias de eleições, lembro bem, sempre o via ali pelo hotel Chuí com sua turma de amigos, fazendo boca de urna para os candidatos da Arena. Está certo, depois o senhor mudou. Foi diretor da Funtac no Governo do PMDB do então governador Flaviano Melo. A propósito, por que esse ódio contra Flaviano? Ao que consta, ele sempre o tratou bem. Depois, com o crescimento do PT, o senhor mudou de sigla e o resto da história se conhece.
Não se sabe por que, o senhor, porém, não assimilou o espírito democrático desses partidos. Sua maneira de ser e de governar é ditatorial. Em algumas ocasiões, chega a ser tirânica. Veja o conceito que a população tem do seu governo. Há pesquisas sobre isso. A “perseguição” é uma das marcas.
Como seu ex-amigo e ex-companheiro de PT(mais velho), permita-me que lhe dê um conselho. Diversifique suas leituras. Não pode ler apenas O Príncipe de Maquiavel e a Arte da Guerra. Que guerra? O Acre não está em guerra. Além disso, Maquiavel ensina coisas boas. Por exemplo, como o Príncipe deve ser bondoso, misericordioso com seu povo. Não deve “cortar” salários. Deve incentivar as indústrias. Deve promover a paz, garantir a segurança contra os malfeitores.
O senhor, que gosta tanto de orientais, japoneses e chineses, além da Arte da Guerra, deveria ler Cisnes Selvagens, de Jung Chang. A saga comovente de uma família de bons revolucionários chineses perseguida pelos maus revolucionários, os quais, depois de tanto exorbitarem, acabaram na forca.
O senhor precisa ter cuidado, governador. A sociedade, de modo particular o funcionalismo, no começo tinham medo do seu governo; agora, perderam o medo e aqui e acolá já se ouve algumas estrepitosas vaias. Isso pode ser fatal.
Ainda sobre leitura, se ainda não leu, deve ler o mais rápido possível “Memórias das Trevas” do jornalista baiano José Carlos Teixeira Gomes, contando sua luta heróica contra a tirania e a truculência do senador Antônio Carlos Magalhães. Tudo o que um governante não deve praticar contra a imprensa está ali contido.
A propósito, que coisa mais feia, governador, essa nova tendência que surgiu no Congresso Nacional: o “carlopetismo”, denunciado pelo presidente da CNBB(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Dom Jaime Chemello. Senadores e deputados inclusive alguns do Acre, nutrindo simpatias pelo ACM, um dos políticos que mais mal fizeram à democracia deste país.
O Acre, governador, também não é o Taleban ou qualquer outra república fundamentalista. O Acre é um Estado pequeno ainda, onde todo mundo conhece todo mundo. Como disse a economista Maria da Conceição Tavares, o Acre tem para o país a importância de uma ONG.
Por que transformar, então, o Acre em uma Iugoslávia, cindido entre facções irreconciliáveis? É impressionante. O mau exemplo dado pelos dirigentes dessas facções políticas contagiou, infelizmente, a militância, a juventude. Se um petista cruzar com um militante do MDA na rua há o risco de se engalfinharem, de tirarem sangue. Por que esse ódio? Não é uma sociedade melhor, mais justa e fraterna que se quer construir?
O Acre hoje é um Estado tensionado. O acreano, sempre muito alegre, irreverente, tornou-se um homem triste, agressivo, azedo.
Se me permite ainda uma sugestão, governador, abra seu coração. Sorria. Não só sorrisos ou esgares para os holofotes de televisão. Ponha uma bermuda e tire um tempo para jogar dominó na esquina. Para assistir um jogo do Botafogo. Crie um curió, um canário. Pra que só trabalhar, trabalhar, viajar, viajar? Relaxe. A vida é maravilhosa. É mais anárquica e pluralista do que essas vãs ideologias. Já imaginou se o arco-íris tivesse apenas uma ou duas cores? Não teria graça nenhuma.
Pára com esse negócio de andar em carro blindado com um séquito de seguranças armados até os dentes. Ao que consta, o crime organizado foi neutralizado neste Estado. Diga quem quer lhe fazer mal e por que, que a sociedade se encarregará de esconjurar esses malfeitores.
Vou terminando essas mal traçadas linhas, governador, mas antes preciso ainda lembrar-lhe uma historinha: injúria eu teria praticado contra o senhor e sua família, dias depois do senhor ter sido eleito governador do Estado, inclusive com a minha torcida e meu voto, se eu não tivesse avisado ao seu assessor de Comunicação, Anibal Diniz, o que acontecera na Baixada da Habitasa. O senhor estava viajando pelo Japão.
Se não tivesse proibido meus repórteres de explorarem o assunto. Não tivesse impedido que aquele pobre homem, aquele trabalhador cometesse uma loucura.
O pagamento, o troco, a gratidão foi a sujeira, a vilania. Mas como já adiantei aos meus 37 leitores, na coluninha aí ao lado, não tenho raiva, não tenho ódio; tenho pena, compaixão. Fique certo, porém, que, se não sou de baixar o nível, também não sou de baixar a cabeça ou curvar a espinha.
Aqui estarei, no meu lugar de sempre. Não sei por quanto tempo. Tenho a impressão às vezes que, como meu amigo José Chalub Leite, não é por muito tempo. A média de vida dos jornalistas ainda é baixa. É muito trabalho, muito café, a droga do cigarro, muita chateação, a ingratidão que dói, dilacera e sangra por dentro.
Atenciosamente do seu ex-amigo e “ex-jornalista preferido”,
Silvio Martinello
Rio Branco, 24 de abril de 2001.
Nota do blog
A carta do jornalista Silvio Martinello foi publicada na primeira página do jornal A Gazeta em abril de 2001. Após 12 anos, permanece atual para quem acompanha o estertor de um ciclo. Embora o jornalista e o ex-governador tenham reatado a amizade posteriormente, a carta ajuda a compreender a crise atual do Acre. Neste domingo, Jorge Viana assina artigo na Gazeta em que critica duramente a Polícia Federal, duas desembargadoras e a imprensa. Clique aqui e leia.
4 comentários:
O Santo, o Pau e o Ôco.
E eu que pensei que o "babado" era novo.
Se não houvesse a nota de esclarecimento a carta me pareceria hodierna....
Acho que o senador acha que todo ACREANO tem o nariz invertido, ou vivemos na terra em que Manuel Bandeira disse que iria viver, PASARGADA.
Infelizmente tudo isso que esta acontecendo nesse estado que um dia foi pacato e culpa dos maus eleitores que se vende pelos uns míseros tostões.
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