quinta-feira, 19 de julho de 2012

TODO JORNALISTA DEVERIA SEGUIR MARX

POR ANDRE BARCINSK, crítico da Folha de S. Paulo

Há algumas semanas, fui convidado pela “Folha” para substituir temporariamente Inacio Araujo – que estava de férias – na coluna de filmes para TV.

Adorei a experiência. Foi um desafio tentar incluir o máximo possível de informações em textos curtos. Um ótimo exercício de síntese.

Cinco ou seis dias depois que publiquei a primeira coluna, recebi um e-mail da assessoria de imprensa de uma rede de TV. A assessora, simpática, pedia meu endereço para mandar “alguns brindes”.

Dois dias depois, chegou mais uma mensagem, de outra emissora. No dia seguinte, mais uma.

Aconteceu a mesma coisa quando passei a fazer uma coluna sobre restaurantes populares na “Folha”: começaram a pipocar convites para almoços de cortesia, degustações de vinho, “tours” por botecos, excursões patrocinadas por marcas de cerveja e participações em júris de prêmios gastronômicos.

Não, obrigado.

Não tenho nada contra as assessoras de imprensa. É o trabalho delas. Mas isso revela como o departamento de marketing das empresas vê os jornalistas: como “parceiros”, como amigos que merecem mimos – e pior, se impressionam com eles.

Isso não é novidade. Nos anos 70, as gravadoras brasileiras já contratavam jornalistas como “assessores” e “consultores” – e esses jornalistas não viam nada de errado em dar conselhos às empresas cujos discos teriam de resenhar.

Comecei a trabalhar em jornais no Rio de Janeiro, onde a promiscuidade entre o jornalístico e o privado sempre foi intensa.

Claro que estou falando de jornalismo cultural. Mas já trabalhei em editoria de Esportes, e é a mesma coisa. Nunca trabalhei em Brasília, mas tenho certeza que a proximidade com o poder e as estatais cria uma teia que une imprensa e poder.

Como fugir disso?

Há uma frase de Marx – Groucho, claro – que resume tudo sobre o assunto. É uma de suas frases mais batidas e surradas, mas atual como nunca: “Não quero entrar para nenhum clube que me aceite como membro”.

Se eu fosse reitor de uma faculdade de jornalismo, todas as salas de aula teriam esta frase emoldurada em cima da lousa. Seria o lema da escola.

Porque nada é pior para um jornalista que fazer parte de uma patota. É uma sentença de morte. Prefira sempre a solidão.

Algumas coisas que aprendi com bons chefes que tive: não faça parte de júris ou comissões. Não vá a premiações. Não vote em prêmios oferecidos por empresas. Não opine em editais.

Sentiu cheiro de “brodagem” no ar? Então fuja. Saia correndo dali sem olhar para trás. Não tenha medo de parecer antipático ou antissocial.

Veja bem, não tenho nada contra jornalistas que resolvem mudar de ramo. Tenho muitos amigos que foram jornalistas e hoje estão felizes em cargos públicos ou corporativos. Por sorte, todos – ou quase todos – entenderam que são coisas excludentes, que não dá para ser jornalista e, ao mesmo tempo, servir aos interesses do governo ou de uma empresa.

Quando comecei a trabalhar em jornal, cheguei a escrever alguns releases de discos para gravadoras.

Eu era novo, ganhava pouco, e a grana ajudava a pagar as contas. A princípio não vi nada de errado naquilo. Era algo que muita gente fazia. Tive até tive um chefe que fazia uma boquinha na prefeitura…

Por sorte, trabalhei com editores que me mostraram que aquilo era errado, antiético e comprometedor. Nunca mais fiz e me arrependo demais de ter feito.

Porque é fácil ser tragado para o “outro” lado – um lado de tapinhas nas costas, trocas de favores, viagens de graça, jantares de cortesia, encontros com celebridades e uma efêmera sensação de importância.

É bom para o ego. Mas péssimo para a profissão.

Um comentário:

Janu Schwab disse...

Barcinsk sagaz como sempre. "Há uma frase de Marx – Groucho, claro – que resume tudo sobre o assunto." Que ironia deliciosa.