segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

ESPERANDO DEUS

José Augusto Fontes

No ônibus lotado, em todo trem apertado, nas canoinhas que cruzam os rios, Deus deve estar seguindo. Nos escondidos e nos ares, Deus deve estar sabendo, há sempre alguém acenando, esperando. Ele está olhando quem está parado, quem quase não tem para onde ir; está vendo quem paga penitência e pede passagem, esperando o troco da salvação. Mas ela é depois de agora. É numa próxima estação que Deus nos encontra e paga, estando quitadas nossas vidas. Isso é depois, precisamos seguir. Deus precisa esperar condução? Ele está acima disso? Enquanto cremos e esperamos, não custa muito ajudar quem espera nas filas, quem espera esquecido, quem espera humilhado, com olhar caído e dor elevada.

Para os homens de boa-fé, para todos que vivem na terra mirando o céu, para os que pouco vêem, para os que não cansam de esperar, para os que não podem deixar de trabalhar e com o trabalho alegram a esperança, para os que estão acostumados com a indiferença, para os que se entregam a uma crença, o jeito é esperar pelos homens, esperar ser vistos e acolhidos, adiante dos votos e das cédulas. É o jeito esperar serenidade, utilidade, alguma palavra, algum agir. Deus é para sentir, o homem é para abraçar. Em cada dia, em cada instante, existe a possibilidade de estar o homem ao lado do homem, o momento é o que vivemos. Depois, um clarão vai partir ares e mares. E Deus dará.

Para os que não têm terra, os que não têm onde morar, nem sabem o que é teto salarial, para os que mal vão passando, levando, sentindo. Para os que plantam e não colhem, para os que nem plantam, para os que têm o olhar distante, meio perdido, para os que estão nos campos e sertões, cidades e seringais, estradas e esquinas. Para os que têm sede e coragem, para os que têm necessidades e virtudes, para os que vão ficando, para os que continuam seguindo, para os que não têm voz, para todos assim, para que não fiquem sós, espera-se dos homens, de todos os homens, boa vontade, oportunidade, a mão e a sensibilidade, a possibilidade, alguma alegria, carinho, a chance para conquistar o pão, para seguir o estirão do rio que lhes deixa à margem.

Esses homens, todos eles, são dos homens, enquanto Deus não vem. Se o homem não vive só de pão, não pode viver só de oração, é preciso sentir e conhecer, é preciso ser. Deus deve estar em todo lugar, deve estar com favelados e necessitados, garis, lavadeiras, domésticas, porteiros, seringueiros, gente do sertão, da solidão, deve estar com os que morrem e matam, com os que se acabam esperando, com os que já nascem devendo, com os que vivem se esbaldando e só ganhando, com os que não notam nem revoltam, até com os que não acreditam, que de tantos, dão a Ele muita ocupação. A gente quer e sente Deus, em todos os gritos que nos acodem, até nos que nos calam. Falta sentir o homem.

Todos esses, todos aqueles, não são apenas para olhar e passar, enquanto Deus não vem e mostra-se num lugar definido para os direcionar, quem sabe, para podê-los abraçar. Ele vai vir, mas já há homens aqui, bem ao lado, enquanto fingimos não haver. Todos eles são dos homens, filhos de uns e outros, da mesma cor ou de outro calor, nenhum passa disso, é fácil sentir, mas é preciso começar, ser útil, possibilitar, acreditar, enquanto dá, enquanto eles estão por aqui, enquanto é possível. Parques, cidades, florestas e subterrâneos estão cheios de gente que espera, gente que crê e quer você, gente que espera, mas gostaria de antecipar, gente que quer participar, ser vista, escutada, encontrada.

Aqui embaixo, a situação está mais apertada, apressada, sem tempo para andar nas nuvens. Há até a impressão que as nuvens estão muito carregadas, que o céu está para cair em nossas cabeças e que algum outro dilúvio será a salvação da situação pouco abençoada, que precisa zerar e reiniciar. Há esperas que vão ficando eternas, o tempo parece cruel, demorado e cruel. Antes disso, há o homem que quer ser abraçado, sentido, ainda que pouco abençoado, há o pão para comer, o riso para sorrir, a mão para segurar. Além de todas as preces, enquanto possível, muitos homens esperam para ser, para viver. Deus está em todo lugar e o homem está aqui, esperando, precisando.

Deus está sabendo, providenciando, vai dar um jeito, tudo tem hora, acreditamos. Enquanto isso, seguimos a fila do caixa, depositamos o dízimo, entregamos o suor, gastamos a fé para pagar a conta de água, para quitar o talão e receber a luz da redenção. O caixa é voraz, insaciável, incansável, sem tempo para temer a Deus ou para notar que Ele está vendo tudo. O caixa não dá descontos nem atrasa. É possível mudar e ser diferente? Deus é quem sabe? Sabemos que Ele nos paga tudo isso, depois. O paraíso é caro, mas vale a pena. E é eterno, pois para ir é preciso morrer. Não temos muitas notícias do mundo de lá, e na procura delas, vamos esquecendo o mundo de cá. Enquanto isso, o caixa só deleta o que já processou.

A fé é assim mesmo, interessante e distante, é como o amor, como a dor e a viagem, cada um vai levando a bagagem que lhe cabe, cada um sabe o que deve carregar, o que não pode esquecer. Quase todo mundo espera muito, mas viver esperando não é requisito para crer. A fé não é só no que vem, pode ser no que está. Antes da viagem, é de fé dar uma mãozinha aos que ficaram lentos, perdidos na espera. Às vezes, eles estão bem ao lado e vão sumindo, parando. Olhar e sentir, é fácil tentar. Como Deus está em todo lugar, isto deverá ser creditado, na ocasião do juízo final. Enquanto isso, aqui neste plano, creia, o homem tem fé em você. E continua esperando, querendo, precisando.

José Augusto Fontes é cronista, poeta e juiz de direito acreano

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