"Amazônia é a bola da vez para doença de Chagas"
O pesquisador Aldo Valente, 48, chefe da seção de Parasitologia do Instituto Evandro Chagas, em Belém, alerta que o Pará enfrenta uma epidemia de doença de Chagas.
De acordo com dados da Secretaria de Estado de Saúde, neste ano já foram notificados 85 casos da doença no Estado, sendo 36 casos na capital. Dez pessoas já morreram.
Doutor em biologia parasitária pela Fundação Oswaldo Cruz, Valente já trabalhou em regiões hiperendêmicas da Bolívia, Equador, Colômbia, Guatemala e Honduras, onde não encontrou índice de 10% de mortalidade como o registrado no Pará.
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O pesquisador assinala que a doença de Chagas é negligenciada por não ser democrática.
- Ela só ocorre nos pobres. A dengue, por exemplo, é democrática porque não respeita a cara de quem é feio, bonito, branco, negro, pobre ou rico. Neste ano está sendo iniciado no Brasil o teste de uma vacina contra a dengue em seis Estados. Essa vacina vai funcionar, mas nunca teremos uma vacina contra uma doença negligenciada. Nunca e jamais porque a doença de Chagas não é democrática e não dá retorno financeiro. É o capital que manda.
Para Aldo Valente, se há notícia sobre doença de Chagas no Brasil no momento, isso se deve ao fato de que a mesma é transmitida pelo açaí.
- O açaí, depois do minério, da madeira e do tráfico de drogas, é o produto mais importante da economia do Pará. O Estado exporta algo em torno de US$ 1 bilhão em polpa de açaí, atividade que gera emprego para 200 mil pessoas. O PIB, só com açaí, é maior do que muitas cidades da Amazônia - afirma.
Leia a íntegra da entrevista com Aldo Valente:
BLOG DA AMAZÔNIA - Como o senhor explica o crescimento da doença de Chagas na Amazônia. O barbeiro não existia antes na região?
ALDO VALENTE - Na verdade sempre existiu. Os primeiros estudos da doença de Chagas na Amazônia datam da década de 30. Foi identificado que na região havia triatomíneos infectados vivendo com animais silvestres também infectados. Na medida em que as cidades foram crescendo, a população começou a procurar a periferia das cidades, que ainda guardam alguma reserva de mata, onde estão os ecótopos. Quando o homem entra nesse ambiente, destrói os ecótopos e os barbeiros se dispersam. Como os barbeiros vivem de se alimentar do sangue de mamíferos, entram nas casas para tentar se alimentar do sangue dos cães e nos galinheiros. Isso é comum em qualquer cidade da Amazônia.
A população da região sudeste é a mais castigada pela doença de Chagas?
Não. Nas antigas regiões endêmicas, os barbeiros viviam dentro das casas, mas aqui, na Amazônia, já viviam no ambiente silvestre. Nas regiões endêmicas ocorreu um plano de borrifação sistemática das casas por iniciativa dos países do Cone Sul. Em 2006, o Brasil recebeu a certificação de interrupção da transmissão da doença de Chagas pelo principal vetor, que é o Triatoma infestans, o principal barbeiro que vivia dentro das casas. A Amazônia passou a ser bola da vez porque o homem avança na mata e a mata reage.
Dos Estados da Amazônia, qual deles demanda maior preocupação?
O Pará. Já foram registrados neste ano mais de 80 casos de doença de Chagas com onze óbitos. A mortalidade já passa de 10%. Isso é um índice muito elevado, absurdo. Depois do Pará, a maior preocupação é com o Estado do Amapá, seguido do Amazonas e, por último, o Acre, que tem casos muito esporádicos. Mas nossa preocupação com o Acre é porque ele tem uma fronteira com a Bolívia, que é um país hiperendêmico de doença de Chagas. Além disso, o Acre tem uma saída pro Pacífico através do Peru, que é outro país endêmico de doença de Chagas. É necessário um serviço de vigilância no Acre para que a gente não seja apanhado de surpresa diante da eventual entrada ou recrudescimento de casos que ocorrem no Estado.
A questão preocupa realmente os países fronteiriços?
No ano passado, a Bolívia passou a fazer parte dos países do Cone Sul, o que a obriga a aceitar as imposições que são feitas para controle. O Peru também faz controle como integrante dos Países Andinos. O Instituto Evandro Chagas se antecipou para colaborar com o Acre criando uma unidade no Estado.
Qual a gravidade do processo de contaminação de uma pessoa pela doença de Chagas?
A doença de Chagas é uma doença de caráter benigno. Se não for tratada a tempo, pode causar sequelas graves a curto e longo prazos.
Então é uma doença que tem cura.
Tem plena possibilidade de cura quando diagnosticada a tempo e tratada na fase aguda. O ruim é quando passa para a fase assintomática. Depois de 20 ou 30 anos, pode desenvolver a fase crônica, digestiva ou cardíaca, o que muitas vezes incapacita as pessoas para o trabalho. O governo tem que aposentar essas pessoas por invalidez e isso tem um custo muito alto, além do custo pessoal de uma vida limitada sob medicação, quase sem qualidade de vida.
Quantas pessoas no Brasil estão com doença de Chagas?
Existem em torno de 10 milhões de brasileiros com a doença. É um número alto e a maioria dessas pessoas está na fase crônica. Dá para imaginar o quanto custa um paciente de doença de Chagas que não foi tratado. Quando é tratado, o custo não chega a R$ 10 mil por paciente. A longo prazo, o custo é infinitamente maior. Existe uma perda pessoal decorrente da pouca qualidade de vida, o sistema de saúde que absorve, porque terá que ter tratamento clínico especializado em cardiologia e gastroenterologia, inclusive com cirurgias de alta complexidade, além do custo benefício previdenciário, pois o governo vai ter que pagar para uma pessoa jovem que não produz mais. Portanto, o custo é 15 vezes maior do que tratar e acompanhar o indivíduo na fase aguda.
O senhor avalia que estamos vencendo as batalhas contra a doença desde a descoberta por Carlos Chagas?
Sim, com certeza. Infelizmente, a doença de Chagas é uma das doenças negligenciadas. O Brasil interrompeu a transmissão da doença de Chagas em 2006, mas demorou muito porque o trabalho era feito de maneira desorganizada. Depois que se organizou e se manteve dinheiro para continuidade das borrifações, se conquistou plenamente a interrupção da transmissão. Mas ela continua sendo uma doença negligenciada porque só existe um medicamento disponível para tratamento. Apesar de uso limitado, o medicamento tem uma boa eficiência se a doença for diagnostica na fase aguda. A Roche, que fabricava o remédio, passou a patente para o governo brasileiro porque não tinha mais interesse em produzi-lo. Para a Roche, comercialmente não era mais importante. Com certeza não haverá nenhum outro medicamento produzido para doença de Chagas. Laboratório nenhum vai investir dinheiro em 10 ou 15 anos de pesquisas com esse objetivo. Portanto, é melhor fazer a vigilância da doença de Chagas. Um laboratório não vai enterrar US$ 150 milhões por ano durante 15 anos para desenvolver uma medicação que poderá dar certo ou não. Para não ter casos de doença de Chagas é melhor gastar R$ 1 milhão por ano com vigilância.
O que pesa mais contra a doença de Chagas?
Pesa o fato de não ser uma doença democrática. Ela só ocorre nos pobres. A dengue, por exemplo, é democrática porque não respeita a cara de quem é feio, bonito, branco, negro, pobre ou rico. Neste ano está sendo iniciado no Brasil o teste de uma vacina contra a dengue em seis Estados. Essa vacina vai funcionar, mas nunca teremos uma vacina contra uma doença negligenciada. Nunca e jamais porque a doença de Chagas não é democrática e não dá retorno financeiro. É o capital que manda.
O que está acontecendo no Pará?
Hoje, se há notícia sobre doença de Chagas no Brasil, se deve ao fato de que ela é transmitida pelo açaí, um alimento de enorme importância econômica no Pará. Se a doença de Chagas não fosse transmitida pelo açaí, estaria nas sarjetas das doenças desgraçadas. O açaí, depois do minério, da madeira e do tráfico de drogas, é o produto mais importante da economia do Pará. O Estado exporta algo em torno de US$ 1 bilhão em polpa de açaí, atividade que gera emprego para 200 mil pessoas. O PIB, só com açaí, é maior do que muitas cidades da Amazônia. Agora mesmo, no centro de Belém, estamos com quase 50 casos de doenças de Chagas com oito óbitos. O barbeiro vem contaminando um cesto com sementes de açaí, na hora que é processado dentro da máquina, sem a higienização adequada, é triturado junto com os frutos. O suco é consumido e as pessoas adoecem. É um problema de vigilância sanitária. Conceitual e epidemiologicamente o Pará vive uma epidemia de doença de Chagas.
2 comentários:
Sempre achei que o inseto Barbeiro só vivia mais no cerrado (Minas , São Paulo e Goias) Agora sei que a amazônia é um ambiente propicio para sua ocorrência .
Muito perigoso , pois as condições de moradia e principalmente as condições sanitárias da região amazônica são muito favoráveis ao INSETO BARBEIRO.
Há um mês eu encontrei um inseto que julguei ser um barbeiro de imediato o coletei e levei ainda vivo para a secretaria de saúde para que fosse analizado, lá me pediram que o levasse para o setor de entomologia que funciona anexo ao IML lá foi constatado que realmente era um barbeiro e que iriam fazer o exame dele para saber se estava infectado com o protozoário o exame só pode ser feito com o inseto ainda vivo leva em torno de uns vinte minutos. Bem ele estava infectado, após isso foi recomendado que levasse todos de minha casa para fazer os exames de sangue necessários e que aguardasse visita do pessoal da secretaria para ver se era endêmico naquela região. O fato é que enquanto estava lá observei o insetário e vi que cada barbeiro tinha um alfinete e com ele sua identificação com data e local de onde fora coletado, conclusão o barbeiro foi coletado em todos os bairros de nossa cidade e pelo que vi a Secretaria de Saúde não está tratando com seriedade que esse problema merece.
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