POR JOSÉ CARLOS DOS REIS MEIRELLES
Direto da Frente de Proteção Etnoambiental Xinane, na fronteira Brasil-Peru
Companheiros,
ontem eu estava meio "mordido de caititu" e espoletei. Com razão, creio.
Hoje, sendo mais frio e menos emotivo (se é que é possível pra mim não sê-lo em falar dos parentes brabos), a situação aqui ainda não está resolvida, existem muitas dúvidas a serem esclarecidas.
Afinal o que esse povo e o português preso faziam por aqui?
Creio que existem ainda pessoas desse grupo escondidos aqui por perto, esperando a poeira baixar.
Sendo otimista e achando que o Exército com seu Batalhão de Selva resolva sair do quartel e, em vez de passar o dia aparando a grama dos jardins do quartel, resolva repuxar cipó aqui nas matas pra ver se encontra, ou espanta de vez esses traficantes. Mas isso é como tratar curuba coçando-a, ou carregar água em paneiro.
O problema aqui é bem maior, extrapola os limites internacionais do Brasil e a própria competência da Funai. Não estou dizendo que isso é exclusivo do Peru. Temos, dentro de nosso território, todo tipo de agressão a índios isolados ou não. Mas nas faixas de fronteira (e este é um caso emblemático) as desgraças podem vir daqui ou de lá. Agora é do Peru.
Como proteger os isolados, que usam tanto o território brasileiro como o peruano, transitam em suas terras pra lá e pra cá desta linha imaginária que traçamos, para dividir os dois países - o paralelo 10º Sul? Ou os dois países tratam desse assunto conjuntamente, colocando nas agendas binacionais os índios, isolados ou não, protegendo suas vidas e territórios, ou teremos uma fronteira de brancos e índios, todos atolados até o pescoço na exploração ilegal de madeira, no tráfego de cocaína, ou sei lá mais em que atividade ilegal.
Estes vastos territórios, que à vista grossa parecem terra de ninguém têm dono: os índios.
Desde 2006 venho alertando para a movimentação de madeireiros nas cabeceiras do Rio Envira, no Peru, e o perigo para os isolados. E a exploração lá se dá em uma reserva para isolados, Murunahua.
Tive a oportunidade de, junto com o presidente da Funai, Márcio Meira, visitarmos a embaixada do Peru em Brasília, alertando o embaixador das consequências da exploração ilegal de madeira na reserva Murunaua.
Também estivemos juntos em Pucalpa, tratando do mesmo assunto com ONGs e representantes do governo peruano. Pregamos no deserto, tipo São João Batista. E pelo andar da carruagem,
começaremos e comer gafanhotos.
Não sou mais funcionário da Funai. Trabalho no governo do Acre, a convite do governador Tião Viana, que, diga-se de passagem, tem dado todo apoio possível para sairmos da crise em que nos encontramos. Estou aqui na Base do Xinane dando minha modesta colaboração a todos que aqui estão, pela longa vivência de 22 anos que residi aqui nas cabeceiras do Envira, nesta mesma base.
Quero deixar claro também que não fizemos as operações como o esperado, não por culpa das pessoas que aqui estiveram, da PF e do BOPE. Todos eles têm vontade de ganhar a mata com nossos mateiros e resolver a questão. Assim também o pessoal da Força Nacional que aqui se encontra.
O que precisam é de ordem expressa de seus comandos. Fica o registro para sanar os maus entendidos.
Finalizando faço um apelo às autoridades maiores de meu país: ganhem um pouco de tempo e pensem na responsabilidade que é ter em suas mãos o destino de povos que vivem autônomos nestas matas. Assustados, talvez assassinados (como se isso fosse novidade para eles) e sem o menor conhecimento que nem futuro poderão ter, se o Estado Brasileiro decidir que o que acontece aqui é uma crise momentânea.
Lembrem-se da sabedoria das matas: curuba não se trata coçando. Ela vai aumentar, piorar e apostemar.
Seres humanos não merecem esse tipo de tratamento.
Um grande abraço a todos.
Hoje, sendo mais frio e menos emotivo (se é que é possível pra mim não sê-lo em falar dos parentes brabos), a situação aqui ainda não está resolvida, existem muitas dúvidas a serem esclarecidas.
Afinal o que esse povo e o português preso faziam por aqui?
Creio que existem ainda pessoas desse grupo escondidos aqui por perto, esperando a poeira baixar.
Sendo otimista e achando que o Exército com seu Batalhão de Selva resolva sair do quartel e, em vez de passar o dia aparando a grama dos jardins do quartel, resolva repuxar cipó aqui nas matas pra ver se encontra, ou espanta de vez esses traficantes. Mas isso é como tratar curuba coçando-a, ou carregar água em paneiro.
O problema aqui é bem maior, extrapola os limites internacionais do Brasil e a própria competência da Funai. Não estou dizendo que isso é exclusivo do Peru. Temos, dentro de nosso território, todo tipo de agressão a índios isolados ou não. Mas nas faixas de fronteira (e este é um caso emblemático) as desgraças podem vir daqui ou de lá. Agora é do Peru.
Como proteger os isolados, que usam tanto o território brasileiro como o peruano, transitam em suas terras pra lá e pra cá desta linha imaginária que traçamos, para dividir os dois países - o paralelo 10º Sul? Ou os dois países tratam desse assunto conjuntamente, colocando nas agendas binacionais os índios, isolados ou não, protegendo suas vidas e territórios, ou teremos uma fronteira de brancos e índios, todos atolados até o pescoço na exploração ilegal de madeira, no tráfego de cocaína, ou sei lá mais em que atividade ilegal.
Estes vastos territórios, que à vista grossa parecem terra de ninguém têm dono: os índios.
Desde 2006 venho alertando para a movimentação de madeireiros nas cabeceiras do Rio Envira, no Peru, e o perigo para os isolados. E a exploração lá se dá em uma reserva para isolados, Murunahua.
Tive a oportunidade de, junto com o presidente da Funai, Márcio Meira, visitarmos a embaixada do Peru em Brasília, alertando o embaixador das consequências da exploração ilegal de madeira na reserva Murunaua.
Também estivemos juntos em Pucalpa, tratando do mesmo assunto com ONGs e representantes do governo peruano. Pregamos no deserto, tipo São João Batista. E pelo andar da carruagem,
começaremos e comer gafanhotos.
Não sou mais funcionário da Funai. Trabalho no governo do Acre, a convite do governador Tião Viana, que, diga-se de passagem, tem dado todo apoio possível para sairmos da crise em que nos encontramos. Estou aqui na Base do Xinane dando minha modesta colaboração a todos que aqui estão, pela longa vivência de 22 anos que residi aqui nas cabeceiras do Envira, nesta mesma base.
Quero deixar claro também que não fizemos as operações como o esperado, não por culpa das pessoas que aqui estiveram, da PF e do BOPE. Todos eles têm vontade de ganhar a mata com nossos mateiros e resolver a questão. Assim também o pessoal da Força Nacional que aqui se encontra.
O que precisam é de ordem expressa de seus comandos. Fica o registro para sanar os maus entendidos.
Finalizando faço um apelo às autoridades maiores de meu país: ganhem um pouco de tempo e pensem na responsabilidade que é ter em suas mãos o destino de povos que vivem autônomos nestas matas. Assustados, talvez assassinados (como se isso fosse novidade para eles) e sem o menor conhecimento que nem futuro poderão ter, se o Estado Brasileiro decidir que o que acontece aqui é uma crise momentânea.
Lembrem-se da sabedoria das matas: curuba não se trata coçando. Ela vai aumentar, piorar e apostemar.
Seres humanos não merecem esse tipo de tratamento.
Um grande abraço a todos.
José Carlos dos Reis Meirelles é sertanista
6 comentários:
Faz muito tempo que nao escuto essa palavra "CURUBA "
Só dá em pobres, em Rico se chama alergia.
É isso ai Meirelles, o governador está lhe dando proteção, não vai acontecer nada de ruim com você nem com sua família. Quanto ao resto, Miguel de Cervantes já deu o enredo e identificou personagens há vários séculos.
Sente-se no Coração a Força e o Caráter deste grande sertanista que dedica sua perseverança a proteção dos nossos queridos Irmãos Isolados ou Não-Isolados que tanto têm de verdade dentro de seus costumes, tradições e Vida! Fortaleço essa corrente de Luz para que tudo transcorra como tem que ser.
Se abriu todo, índios isolados ou não, soberania vem primeiro, no momento em que mercenários ou milícias adentram no território nacional, o exército deve 'coçar' essas 'curubinhas'.
"E ninguém ainda se dispô a bater realmente estas matas..."
Caro Altino,
O texto acima é uma parte do post do Meireles em seu blog. Ela contradiz totalmente a nota conjunta do Governo do Estado. É esperar prá ver.
Lindomar Padilha
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