POR JOSÉ RIBAMAR BESSA FREIRE
“A política é a melhor alternativa que a humanidade encontrou para substituir o maior prazer que um ser humano pode ter: bater até à morte para depois comer o fígado do outro, abocanhando-o com a carne ainda quente e o sangue ainda fresco. Quem não está disposto a reconhecer isso, não consegue superar a própria vontade de devorar o outro. Por isso, se num debate político te chamo de criminoso e te xingo, fica contente, isso ainda é melhor do que você ser servido à minha mesa”.
Quem  diz isso é meu amigo Henrique Sobreira, professor da UERJ,   crítico,  irônico, debochado, passional, lúcido, gozador e, sobretudo,   fazedor de  frases. Para relativizar a oposição entre civilização e   barbárie,  Henrique lembra que os maiores atos de violência humana   sempre foram  cometidos por pessoas que se autoproclamaram civilizadas e   consideram  que “o outro” era alguém que devia ser “educado”. Isso  pode  ser  comprovado nos últimos cinco séculos: de Isabel - a Católica e  Dom   Manoel - o Venturoso, até os Georges Bushinho e Bushão. Os índios  e os   mulçumanos que o digam.
No Brasil, pelo menos nas campanhas  eleitorais, a política  substituiu a  antropofagia. Salvo o bispo de  sugestivo nome Sardinha,  ninguém foi  jantado e devorado pelo adversário,  ainda que pequenas  violências  realizadas dentro de certos limites e  hipócrita ou  sinceramente  condenáveis, tenham sido cometidas ao longo da  história,  como mostram  exemplos mais recentes.
Cantando “espada  de ouro quem tem é o marechal”, eleitores do  marechal  Lott cuspiram na  cara de Jânio Quadros; o general Figueiredo  chamou os  estudantes de  Florianópolis pra porrada; jogaram ovo e  apedrejaram o  Mário Covas;  atiraram uma galinha preta na Marta  Suplicy; esbofetearam o  Collor em  Niterói; lançaram uma torta na cara  do Berzoini, então  presidente do PT.  Um velhinho deu umas bordoadas no  Zé Dirceu. Vaiaram o  presidente Lula  na abertura do PAN. Esses gestos  de violência não  deixaram sequelas  físicas ou morais.
Dois Serra
Um dia, caminhando pelo calçadão de Icaraí, em Niterói, encontrei um amigo, também professor da UERJ, Ronaldo Coutinho, um doce radical, que se arrastava, todo esparadrapado, exibindo hematomas pelo corpo. Dias antes, ele havia dado um soco no Collor e os seguranças moeram-lhe o corpo de porrada. Apesar de dolorido, estava feliz, feliz da vida: “Estou quebrado, mas acertei o pústula” – dizia, rindo, como um menino travesso. Confesso que fiquei na fronteira da política e do canibalismo, quando invejei a façanha do Coutinho. Ele fez o que eu e a metade do povo brasileiro queríamos fazer. Estou orgulhoso de ser seu amigo.
Um dia, caminhando pelo calçadão de Icaraí, em Niterói, encontrei um amigo, também professor da UERJ, Ronaldo Coutinho, um doce radical, que se arrastava, todo esparadrapado, exibindo hematomas pelo corpo. Dias antes, ele havia dado um soco no Collor e os seguranças moeram-lhe o corpo de porrada. Apesar de dolorido, estava feliz, feliz da vida: “Estou quebrado, mas acertei o pústula” – dizia, rindo, como um menino travesso. Confesso que fiquei na fronteira da política e do canibalismo, quando invejei a façanha do Coutinho. Ele fez o que eu e a metade do povo brasileiro queríamos fazer. Estou orgulhoso de ser seu amigo.
E isso porque a bofetada  no Collor foi mais simbólica do que física,  se  situou entre a sapatada  no Bushinho e a estatueta de metal lançada   contra o Berlusconi na  Itália. Agora acertaram José Serra com uma   bolinha de papel, que assumiu  várias formas: “fita adesiva”,   “artefato”, “tampa de garrafão de água  mineral”, “objeto contundente”,   “projétil”, até chegar a uma “bobina de  papel crepe que arremessada  com  força pode provocar danos graves na  pessoa atingida” segundo o   bobinólogo Merval Pereira, articulista do  jornal O Globo. E é aqui que o  fiofó da cotia assovia, ou como poderia  dizer Orozimbo Nonato: Hic  culum cotiae sibilare.
A cotia assovia  quando digo que admiro o José Serra. Sinceramente.  Sem  ironia. Juro.  Faço um juramento amazônico: quero ver minha mãe  mortinha  no inferno,  quero que Santa Luzia me cegue se estou mentindo.  Mas o  Serra que eu  admiro é o de carne e osso, que nasceu pobre,  filho de um  feirante,  ex-presidente da UNE, que amargou o exílio,  lutou pela  redemocratização  do país, foi deputado, senador, prefeito,  governador,  ministro da saúde –  bom ministro. Aquele que no início da  campanha  reconhecia os acertos do  governo Lula. Nesse até que dava pra  votar.  Mas ele não é candidato.
O  candidato é o outro Serra, aquele conivente com a mídia  conservadora -   que o inventou - comprometido com interesses dos  setores mais  atrasados e  obscurantistas do país, arrogante, gigolô do  sagrado e da  religião,  dono da verdade. Aquele cuja mulher declara que  a adversária é  a favor  de matar criancinhas, que quando questionado  sobre isso posa  de vítima e  baixa o nível do debate, que usa o tema do  aborto no  palanque  eleitoral, que se deixa liderar pelo seu vice  Indio da Costa –  um  paspalhão – em política externa e de segurança. E  ai Serra perdeu:  na  emblemática escolha do vice.
A credibilidade
Nesse outro Serra, metamorfoseado em Opus Dei, que espetaculariza sua fé na Virgem de Aparecida, eu não voto, embora o respeite, porque ele é o candidato de mais de 40 milhões de brasileiros, alguns deles amigos muito próximos, com quem mantenho fortes laços afetivos, mesmo se nesse momento um de nós vai pra lá e o outro vem pra cá. No Serra que não voto é no Serra da Rede Globo, que arma, desinforma, sataniza, que zomba da minha inteligência, que acha que o cidadão é um otário, que esqueceu os gritos do povo nos comícios das Diretas Já: “O povo não é bobo, abaixo a TV Globo”.
Nesse outro Serra, metamorfoseado em Opus Dei, que espetaculariza sua fé na Virgem de Aparecida, eu não voto, embora o respeite, porque ele é o candidato de mais de 40 milhões de brasileiros, alguns deles amigos muito próximos, com quem mantenho fortes laços afetivos, mesmo se nesse momento um de nós vai pra lá e o outro vem pra cá. No Serra que não voto é no Serra da Rede Globo, que arma, desinforma, sataniza, que zomba da minha inteligência, que acha que o cidadão é um otário, que esqueceu os gritos do povo nos comícios das Diretas Já: “O povo não é bobo, abaixo a TV Globo”.
Nessa semana, os telejornais da Rede Record e do SBT  mostraram que  Serra foi atingido por uma bolinha de papel atirada por  um  grupo de  mata-mosquito que ele demitiu quando ministro da Saúde. O  Jornal  Nacional  dedicou sete longos e caríssimos minutos para “provar”  que a  bolinha  de papel era só parte da história, tinha havido outra  agressão.   Apresentou imagens nebulosas, interpretadas por um perito de  reputação   duvidosa, que diz que está vendo aquilo que não estou vendo,  embora   olhemos as mesmas imagens. O atentado, então, justificaria que  Serra   procurasse o médico, ex-secretário de saúde do Cesar Maia, para  fazer   uma tomografia computadorizada.
Francamente. Por serdes vós  quem sois! Não exagereis para não serdes   exagerado. Imaginem vocês se  depois da cuspida que levou na cara, o   histriônico Jânio Quadros  exigisse um exame de abreugrafia, desconfiado   de que o eleitor de Lott  era certamente um tuberculoso que numa  guerra  química queria  contaminá-lo. Serra é o primeiro paciente no  planeta  que faz tomografia  por causa de um arremesso de uma fita  crepe. Num  país gozador como o  Brasil, ele passou a ser objeto de  piada, quando  merecia contar com  nossa solidariedade, se o fato não  fosse manipulado e  hiperdimensionado.
O  episódio de violência, mais que nada simbólica, tem que ser  condenado   de qualquer forma, com veemência, com a mesma veemência com a  qual   devemos rejeitar sua exploração política, da forma mais torpe e    manipuladora de factoides. Apesar disso, é preciso discordar também da    intervenção do Lula que, como presidente da República, representa  todos   os brasileiros e não podia bater boca com um candidato. Não  cabia a ele   esse papel.
Numa época em que não havia escrita, no século VI  antes de Cristo,  na  Grécia, um ex-escravo, chamado Esopo, que tinha o  dom de narrar,   contava entre outras a história de Pedro e o Lobo. Pedro,  pastor de   ovelhas, todo dia enganava a população gritando: “Olha o  lobo!”. No dia   em que o lobo apareceu, efetivamente, ninguém acreditou  nos seus   gritos. Quem acredita num mentiroso contumaz? Lembrei-me dessa  história   vendo o Jornal Nacional e a primeira página de O Globo, nessa   sexta-feira. Assim, quando no domingo, 24 de outubro, o Globo escrever   que é domingo, 24 de outubro, duvide, procure outras fontes antes de   vestir sua roupa dominical.
P.S.: Às vezes, autoritário. Às  vezes, ranzinza e  ligeiramente  rabugento. Sempre, amigo dos índios  Guarani. Armando  Barros, professor  da UFF, parceiro em tantos projetos,  nos deixou  nesse sábado, com muita  saudade. Seus alunos, seus colegas e  os  guarani choram a perda.
O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de                      Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa      de                 Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO) e edita o        site-blog Taqui  Pra Ti .
4 comentários:
Vou discordar do professor quando ele diz que Lula, sendo o Presidente do Brasil, representa "todos os brasileiros", a mim não representa, tiro-lhe a procuração "que nunca lhe dei", pois, não votei nele. Lula discute com José Serra, porque não tem ética, não sabe o que significa a palavra, não tem noção do que sejam as funções de um Presidente da República, foi alçado para lá por pessoas que "tomaram de assalto este país" e que pretendem perpetuar-se na posição. Quanto ao fato acontecido no Rio de Janeiro, ele nem devia ter acontecido, se os militantes do PT tivessem ido para outro bairro fazer sua manifestação, o fato não teria ocorrido. O candidato foi atingido por um objeto e é isso que é anti-social, anti-ético e anti-democrático, não importa de foi uma bolinha de papel ou um paralelepípedo. os do PT não deveriam ter feito o que fizeram e, é só. Professor, na tentativa de procurar ser imparcial, quase escorregou para o partidarismo!
Acho que ninguém ta sentido mais constrangido com esse episodio patético que o próprio José Serra... kkkk .
Nunca vi um tiro no próprio pé tão bem dado como esse. ( é muita tempestade em pouca água). kkkk
Tá lendo a cartilha hein Acrê?! Sabia que a PF está investigando? espera mais um pouquinho, quem sabe não mudas de opinião após o resultado. Enquanto não chega o resultado dá uma pesquisada no youtube os vídeos sem a edição da globo, eu vi e fiquei surpreso com a dimensão da tramóia.
Ah, ia esquecendo, parece que, depois do ocorrido (ou não ocorrido), usar papel é porte ilegal de armas.
Eu também discordo do professor, pq o presidente não me representa pois não votei nele e nunca irei votar em um cidadão que se comporta de forma totalmente inadequada com o cargo que ocupa, na qual não age como um Presidente da República de verdade, ou seja deixa se levar pelo lado da emoção da sigla partidária, e esquece da razão, ofedendo assim as pessoas de bem, pois ele acha que quem não está do lado do PT tem que ser tratado como inimigo.
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