sexta-feira, 10 de setembro de 2010

HÁ UMA BALSA NO MEIO DO RIO

José Augusto Fontes

Há duas semanas viajei de carro para Guajará-Mirim, Porto Velho e Fortaleza do Abunã, todas em Rondônia, aproveitando um pouco as férias (já quase terminando). A estrada está bem melhor e há obras em vários locais, do lado de cá e do lado de lá do Abunã e do Madeira. Inclusive o trecho historicamente ruim, após a balsa (daqui pra lá) e até perto de Jaci-Paraná, está bem melhor, com vários quilômetros de asfalto novo e bom. As obras prometem, pois há máquinas e trabalhadores em muitos locais. Com as atividades de instalação das usinas de Jirau e Santo Antônio, até há sinal de celular perto da recém-surgida cidade de Nova Mutum, o que é coisa rara entre Rio Branco e Porto Velho, na velha BR-364. Ali perto do Mutum-Paraná surgiu de repente uma cidade organizada, com casas de modelo semelhante, pequenas ruas, muita energia e circulação de pessoas e de bens. E do outro lado da estrada há uma grande vila, com estradas e outras moradias. De noite, parece um grande arraial.


Saí de manhã daqui e tudo correu bem, até chegar na balsa. Ali, entre o tempo de espera para embarcar e o tempo decorrido depois de embarcado, até chegar do lado de lá, ou melhor, até desembarcar com o carro, esperei durante duas horas e vinte e oito minutos. A balsa parece um balseiro no meio do rio, que não anda nem deixa ninguém andar. Esse embaraço da balsa com a demora inconveniente e o risco notório, além do custo, é antigo e já está na hora de ser sanado. A situação vem piorando e neste do mês de setembro, caso o nível das águas dos rios Madeira e Abunã continue baixando, a balsa não terá como ser usada para seguir viagem e muitas coisas vão parar. Já li notícia de filas quilométricas de espera para a travessia e de demoras superiores a seis horas. Convenhamos, isso não é aceitável.

Anos e anos atrás, por inércia e profundo sono, o Acre perdeu as cidades de Extrema e Nova Califórnia para Rondônia, quedando quase mudo no processo que tramitou no STF. Ali naquele pedaço amazônico o Acre já havia feito vários investimentos e o dinheiro público restou também perdido, desnorteado. O Acre, na ocasião, desprovido do sentimento de acreanidade que hoje se instalou em nossa aldeia, sequer se dignou a apresentar uma defesa ampla e com bons argumentos em causa tão significativa. O povo daquela região visivelmente nos preferia, mas foi olvidado. Ainda que fosse para não perder de tudo, nem mesmo houve proposta para dividir os interesses (Extrema para Rondônia; e Califórnia para o Acre, por exemplo). Pressão efetiva inexistiu, técnica, política ou lógica. Vasto dinheiro dos impostos e do FPE (que também é do povo e para o povo) ficou no meio das filigranas, perdido no vasto manancial madeireiro daquela região e hoje navega como balseiro. Portanto, é hora de acertar as contas.

Agora, o limite entre Acre e Rondônia está no meio do nada, sem qualquer rio, igarapé, morro, montanha ou acidente geográfico que o indique (em regra, os limites são assim verificados e definidos). Contudo, há uma grande placa de boas-vindas. Então, como o momento é propício, por causa da instalação das usinas acima mencionadas; por causa da nossa necessidade energética e por causa na nossa evidente necessidade de transitar com dignidade (o que também é um direito), precisamos reivindicar a ponte. Vai ser a ponte da redenção. Imaginem o quanto pagamos de tributos! Temos ou não temos o direito de querer bom tráfego, ágil, seguro e barato? Imaginem o que isso pode influir em vários custos e nos fretes! E assim, vamos deixar a balsa apenas para quem tiver que ir para Manacapuru, após as eleições.

A ponte pode assegurar, junto com as obras de melhoria na pavimentação, a integração efetiva e o direito das pessoas, com segurança aos veículos, cargas, bens e serviços. Pode dar proteção aos interesses, possibilitando trânsito livre e viável. No Brasil há o IPVA (que é alto) e por ele se espera viabilidade para os condutores e seus veículos. No Acre, o preço dos combustíveis inexplicavelmente é sempre o mesmo, nos diversos pontos de venda (incrível, mas os postos não têm preços diferentes, para livre concorrência, parecendo que tudo é combinado...) e elevado, talvez, até por causa do frete que também é caro. Há custo na balsa (eu paguei R$-17,50 para ir e o mesmo para voltar. Há caminhões grandes que pagam muito mais de cem reais, valores esses que não existem em pedágios brasileiros), há incômodo, espera e risco. Por ali passam vários ônibus e carros, diariamente, com pessoas que viajam nas mais diversas necessidades, daqui para outros lugares ou de lá para cá. Os veículos vendidos no Acre por ali chegam (com reflexos no frete e no preço, sem esquecer das peças etc). Eletrônicos, eletrodomésticos, alimentos, uma infinidade disso e daquilo. Bens de interesse público direto e imediato, produtos de necessidade da população, do governo e do estado.

Logo, essas coisas são de evidente interesse coletivo, que é interesse de supremacia. Pessoas que viajam a tratamento de saúde, a negócios ou a simples lazer, são obrigadas a perder tempo, pagar caro e atravessar em condições que nem sempre são seguras. Afinal, a BR-364 é uma senhora com mais de cinqüenta anos e continua mal resolvida. Não se sabe ao certo, mas há suspeita de que ela esteja esperando tornar-se idosa para poder tomar jeito.

Vamos abrir os olhos e as vozes e falar em nome de quem usa a rodovia, de quem precisa dela e dela depende. É muita gente, por diversos motivos, esses, aqueles e aqueles outros. Por esses dias, a situação da balsa piorou. Há até o risco de interrupção do tráfego. Pessoas, bens, direitos, serviços e necessidades ficarão sem meio de ir e vir. Há uma imensidão amazônica de pessoas a reclamar dessa situação. E agora, do meio dessa gente, vem esta mensagem. Aproveitando o crescente sentimento de acreanidade, de amor pelas coisas e pelo povo da nossa terra, usamos esse mesmo amor à causa, pela via das teclas, da internet, de qualquer sinal de fumaça ou até pelos códigos da antiga Radional, para soltar a mensagem. E ela segue pelos ares e olhos, ouvidos e entranhas, a quem interessar possa, a quem retransmitir queira, a quem realizar consiga.

José Augusto Fontes é poeta, cronista e juiz de direito acreano

4 comentários:

Altemar disse...

Meritíssimo,
fiz o percurso até Brasília e demorei periodo similar na travessia. Segundo o DNIT (que está trabalhando no percurso) a obra da ponte começou em junho e tem previsão de encerramento em 2012. Rezemos.

Editor disse...

Que texto agradável!

Gabi Ramos disse...

Gabi Ramos

É uma vergonha e revoltante. Altino, voc~e ficou umas duas horas, e eu que fiquei 28 horas semana atrás. Fiquei muito revoltada coma situação. E o ainda diz que o "Acre vai ser o melhor lugar do mundo pra se morar". Des de pequena quando viajava com minha saudosa mãe pra lá e pra cá, essa ponte era pra sair e até hoje nada. Estou com 37 anos, quem sabe o dobro ela não fique pronta.
Lamentável, o Acre precisa se preparar para ser gente grande, com condições para receber o tão comentado Desenvolvimento que o Governo fala. Quero ver meu Acre crescer. Quero mesmo.
Um abraço.
Obs: Toda semana preciso ir a Rondonia a trabalho, e haja paciência para esperar a balsa. Já tem até um quite Balsa a venda: Sabonete, papel higiênico, água mineral, bolachas e biscoitos. A quem interessar logo no começo tem umas pessoas vendendo. Só que o preço é bem alto. Preparem-se. Nada que uns 30 reais não pague.

Terra disse...

A ponte interessa aos acreanos mas fica totalmente em território de Rondônia. Para os rondonienses tanto faz!