terça-feira, 3 de agosto de 2010

NINGUÉM CALARÁ FRANCIEL

POR CLÁUDIO LEAL

Se o delegado Magalhães não tomar providências, o Vitória enfrentará oceanos bíblicos e túrgidos para vencer a Copa do Brasil, na batalha definitiva do Barradão. Minha boa gente baiana, o caso eu conto como o caso foi. Ninguém desconhece os poderes de Franciel Cruz, comandante-em-chefe do Nordeste de Amaralina e orientador do Vitória em gramados de Oropa, Boteco do França e Bahia.

Há quem aponte algum toque de "candomblê", como pronunciaria Fernando Henrique Cardoso, nessa coordenação ludopédica de arquibancada. Zeus não mente e a telepatia de Françuel não usa tambores. Resiste a qualquer baculejo de padres quevedos com sotaque de Walter Mercado.

Convoco o delegado de Itaparica a largar o convento e desvendar uma trama que pretende tirar o título nacional do Vitória. Nem mesmo essa vulvuzela tocando Fumando espero me impedirá de brandir o dossiê aloprado contra uma trama que envergonha a Nação, mancha de sangue os lençois de Duque de Caxias e desvirgina de ladinho Maria Quitéria. Breque.

Na primeira partida contra o Santos, na Vila Belmiro, vasculhei as cadeiras numeradas e não localizei Franciel, nem de vista, nem de madeixas. Adianto-me. Horas antes, por telefone, ele havia me pedido faz-um-favor:

- Esqueci a bandeira na mala. Uma só não será suficiente. Traga pra mim.

Nas curvas da estrada de Santos, acompanhado do marechal Eliano Jorge, conduzi a bandeira da mesma forma impetuosa da "Liberdade guiando o povo", naquele quadro de um pintor francês de parede. Mas, onde Franciel?

A cinco minutos da partida, ei-lo conduzido por três policiais irritantemente bem-humorados, dispostos a retirá-lo da orientação subjetiva do escrete rubro-negro. Meteram-no num chiqueirinho de quina de estádio. Se levamos dois gols dos Moleques da Vila, aí está a origem da covardia: o Santos usou o aparato do Estado para impedir Franciel de passar os macetes a Bida. Como desfecho, confiscaram uma das bandeiras, sob a acusação de que o Cristo do Nordeste de Amaralina provocava o camarote alvi-negro - o que era absolutamente verdadeiro.

De volta a São Paulo, encontro o amigo Altino Machado, essa alma dilacerada do Acre. Um tanto grave, Altino descreveu o diálogo de Franciel com o porteiro do meu prédio, antes de abandonar a hospedagem:

- Meu irmão, você pode me fazer um favor? Me acorde amanhã às 6h. Eu lhe agradeço.

6h. O interfone berra.


- Já são seis horas? Puta merda. Olha, eu vou pedir ao senhor mais um favor: me acorde daqui a meia-hora, porque vou dormir mais um pouco.

6h30. O interfone toca a Marselhesa.

- Seis e meia? Tudo isso? Obrigado, meu irmão. Estou atrasado para o aeroporto.

Pegou umas castanhas embaladas por Altino, atribuiu-as a Chico Mendes, e partiu. Mas deixou no rastro uma surrada camisa do Vitória e as sandálias rubro-negras da humildade. Duas relíquias fundamentais para a coordenação ludopédica na batalha contra o Santos. Atendendo à vulvuzela épica, Eliano Jorge comprou uma passagem para devolver o pendão da esperança a Franciel. Assim estava acertado.

Pois bem, delegado: às vésperas da viagem elianiana, borbulha uma crise aérea cujo objetivo recôndito é impedir a cerimônia de entrega da camisa ao editor-chefe do Victoria Quae Sera Tamen. Arre, ministro da Defesa, não nos curvaremos a essa infâmia. Enquanto o delegado Magalhães não pegar o primeiro ferry-boat em Itaparica, para dispersar a multidão, não arredarei deste café. Que eu já tô de saco cheio.

Radicado em São Paulo, o jornalista baiano Cláudio Leal é da equipe da Terra Magazine.

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