terça-feira, 17 de agosto de 2010

FLORESTA ESCURA

José Augusto Fontes

É dia na floresta, na nossa clareira. Mas o céu é escuro, sem o azul nativo. Antes, nem é o céu, só há nuvens de fumaça, nenhuma clara, nenhuma branca, todas feias. O céu saiu para longe, quase mudou-se, e deixou o sol escondido pra lá do horizonte, sem jeito de participar da cena. Na terra é calor, é tudo cheiro de queimada, é tudo um abafado só, que a gente sente nas narinas, nos olhos, no corpo todo, na tristeza de ver, no desgosto de vivenciar.

É dia na floresta, na aldeia que me viu crescer. Mas quase não se vê água no rio, ele está cheio de ilhas. Não se vê caminho para os barcos, para os peixes, para o ir e vir de tudo que dele depende, não se vê água para abastecer, para saciar, para molhar. A manhã perdeu a hora, uma antiga música diz que a seringueira chora. Não há chuva que dê para lavar o enredo, o céu não sorri, o sol é figurante, tudo espera, a flora, a gente, os animais, toda a moldura.

É dia na floresta, no meu lugar. Mas as matas não têm a cor de antes, minha velha conhecida, não têm a umidade que era abundante, não têm a natural originalidade, agora são projeto, certificação, algo mais adiante. O canto dos pássaros ficou distante, a lua, escondida, que sai e se põe sem dar notícia aos bichos, aos peixes, aos jeitos matutos. Nesse desencontro, no desentendimento dos ventos e águas sobre a terra em brasa, surgem friagens, escurece mais.

É dia na floresta, na trilha do meu caminho. Mas assim que acordo, eu que não queimei nem desmatei nem nada, e que até plantei um pouco, tenho que ver a cinza bem de frente, tenho que respirar e engolir a nuvem negra, tenho que sentir o ardor nos olhos, tenho que ouvir a versão da fumaça que vem de longe, e eu nem entendo de pedágio, muito menos nos ares, apenas conheço meu lugar, só quero navegar meu rio, percorrer meu varadouro, ser do mato.

É dia na floresta encoberta, aviões não pousam, ideias não decolam. Mas não há magia nem véu, é a realidade que escurece. Estou esperando clarear. E sempre bom estar aqui, faço juras de amor desde que nasci, há muito cravei meu varejão neste porto, logo depois que o regatão do meu pai deixou de se aventurar. Vejo tempos mudados, vejo homens que não percebem a situação, sinto o sol e a lua escondidos, mas sei que voltará o dia claro na floresta.

Ainda é dia na minha floresta. Mas eu tenho que tatear as teclas para dizer que logo mais virão as chuvas, que os ipês vão colorir nossa vida, que o rio vai pegar água, no tranco, vai parir peixes. Que as matas vão recuperar algo na cor, na fauna, para perder adiante, com o encanto. Eu precisaria entender que com os pastos vêm os lucros, as oportunidades, o desenvolvimento. Que o fogo é passageiro e que respirar vai ser sempre possível, daqui a pouco, é só esperar.

José Augusto Fontes é poeta, cronista e juiz de direito no Acre

3 comentários:

Andarilho disse...

Desastre anunciado. Não lembro quem deixou essa fala sobre o rio Acre, 'o rio pode morrer em medoz de 10 anos caso não tememos medida urgentes', salvo engano a frase, mas vejo que está caminhando para isso.
Falta mais ação do governo e população para que isso não ocorra. O governo como dententor de meios legais é que se faz ausente nas medidas para que aquilo não ocorra.

PS: MEUS PESAMES A FAMÍLIA DO EX-VEREADOR JESSÉ.

Andarilho disse...

Desastre anunciado. Não lembro quem deixou essa fala sobre o rio Acre, 'o rio pode morrer em medoz de 10 anos caso não tememos medida urgentes', salvo engano a frase, mas vejo que está caminhando para isso.
Falta mais ação do governo e população para que isso não ocorra. O governo como dententor de meios legais é que se faz ausente nas medidas para que aquilo não ocorra.

PS: MEUS PESAMES A FAMÍLIA DO EX-VEREADOR JESSÉ.

Unknown disse...

E o boi baba...