quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

VONTADE DEMAIS

José Augusto Fontes

É por causa de uma saudade muito grande, que não te procuro mais. É uma saudade quase diária, com traços alegres, com jeito incômodo, com cores vivas, essa que te desenha no meu pensamento e me impede de te buscar por aí, por acolá, adiante de onde estou. É uma saudade medrosa, tímida, indisfarçável, mas também é uma saudade caudalosa, inconsequente e querida, apesar de conformada em sempre adiar um fim que não persegue. E diante dela, assim grande e perigosa, não te procuro mais.


É por causa de uma grande vontade de estar contigo, que não te procurei mais. É uma vontade que eu não abarco. Tenho medo das palavras perdidas e elas têm medo de mim, o que também nos afasta, sem diminuir em nada a minha vontade de te ver. É bom acariciar a imagem de olhos miúdos e brilhantes, com uma menina pequena dentro, pintada com açaí, o que torna grande a moldura desses mesmos olhos. Eles sorriem sempre, é como um convite, mas eu recuso. Essa magia gigante com gosto de jabuticaba me afasta, e eu não procurei mais por você.

É por causa de um grande descuido, que não saio ao teu encontro, e um grande desencontro me deixa desarticulado, vendo um filme sem diálogos; um livro sem fim; a mesma poesia sem casal, sem rima, sem lima. A fruta que eu mordia ainda tem gosto, a cor de jambo ainda me chama, mas eu não vou, não sugo, não colho, porque plantei fora de época, e um tempo perdido não tem mais o mesmo caminho para ser percorrido; há um outro fim em suas bordas, e eu não saberia por onde emboscar o outono. Por isso, nem chego à primavera, que também não me espera, nem frondosa nem despetalada, e a flor do meu maracujá fica desarrumada, ainda que não solte a lembrança em que se agarra.

É por causa de um grande amor que eu não te vi mais, ainda que tua imagem seja uma árvore plantada no meu caminho, com cheiro, sabor e visgo. Há, porém, também no caminho, um amor que me calou e aquietou. Eu não saberia como dizer, e por causa disso, resolvi imaginar que é melhor não te procurar, não te encontrar, não te esquecer. Só que hoje eu me desobedeci, meio sem querer, e passei a te escrever, que é um meio de não te olhar de perto, de não ser tentado pela maçã que há no teu colo, pelo azeite em que teu olhar escorrega, pela poção por trás da tua intenção, que fala mas não diz, que nem imagina o quanto eu quis.

Não sei se você vai ler. Mas eu precisava te dizer. E agora, agora mesmo, não sei como começar. E por causa disso, acho que é melhor terminar.

José Augusto Fontes é poeta, cronista e juiz de direito no Acre

Um comentário:

Laura Fuser disse...

Abençoada a pessoa que exprime em palavras o inexplicável.