José Augusto Fontes
Estivemos novamente em Fortaleza-Ce, paixão de muitos acreanos. Nós nos identificamos com o jeito do povo alegre e simples daqui. Admiramos a beleza da cidade e somos bem acolhidos por ela, que clareia nossas idéias, lava nossos corpos e rejuvenesce nossos espíritos, com seu jeito de metrópole aconchegante. Gente do mundo todo vem para Fortaleza e cria laços de proximidade. A cidade passa a incluir moradores das mais diversas partes do mundo, como o norueguês Fred, que conheci no restaurante Tocantins, um ambiente da velha guarda da boemia, com músicas de seresta e boa comida, durante a madrugada. Ele me disse, em espanhol, ser maravilhado com Fortaleza, que para ele é o paraíso. Informou que neste janeiro, lá na cidade dele, a temperatura esteve em 40° C negativos. Já morou em Málaga, mas prefere o jeito acolhedor do Ceará; gosta do Meireles, do sol e da cachaça. É só um exemplo, dentre várias outras pessoas que chegam de Portugal ou do Acre, da Suíça ou do Amazonas, da Ucrânia ou de Feijó, como a atendente de uma padaria, na rua Santos Dummont. E acreanos não faltam! Encontramos com vários, até com alguns que a gente passa o ano inteiro sem ver em Rio Branco, e acaba encontrando por aqui. Outros que a gente já sabia que viriam e tantos outros que aqui residem, que nos pedem notícias de lá e nos abraçam com longos braços de saudade.
Passeando um pouco além de Fortaleza, estivemos em Flecheiras, Mundaú e Lagoinha. Fomos com o brother Paulo, com sua Fernanda e a filha deles, Mariana. Flecheiras cresceu bem, desde quando estivemos aqui em férias anteriores. A série Sem Limites (Globo) foi gravada em Flecheiras e Mundaú, no ano passado, e isto notabilizou mais a região. As praias são belíssimas, o encontro com o rio é um espetáculo especial e o lindo quadro do local se completa com muita areia e mangues. Em Lagoinha a paisagem é inconfundível, ímpar, incomparável. Os coqueirais, as palheiras e palmeiras, a praia vista do alto e um mar inesgotável compõem o cenário deslumbrante, que nossos olhos registram e o sentimento arquiva. Também em Lagoinha houve um crescimento notório, aumentaram as pousadas e até se vê o surgimento de um esquisito espigão de concreto lá adiante da praia principal, que parece manchar o conjunto natural. No Mundaú e em Flecheiras, é possível ver jegues passeando na praia e aves planando perto das velas dos barquinhos que procuram o peixe de cada dia. Os pescadores não saem de lá. Seus olhos se apossaram de toda aquela beleza e suas redes pescaram naturalmente os contornos e os encantos.
Mas nós fomos saindo, junto com a tarde, para reencontrar Fortaleza. A réstia de sol nos mostrou ainda muita gente nas praias e vários fiéis na cativante igreja de Santa Edwiges, ao ar livre, na beira do mar, ouvindo o barulho das ondas e os cânticos da fé, sob a regência de um vento arisco que leva alegrias e mágoas, que traz sonhos, enganos e desejos, quase todos sagrados para quem os vivencia. Domingo também é dia de feirinha. Tomamos banho, calçamos as sandálias, eu provei da paçoca que comprei na estrada, lembrei da cajuína e fomos todos passear na beira-mar, ao lado de gente de todos os lados do mundo, seguindo aparentemente pelo mesmo caminho, para um destino que se esconde pelas fileiras e pelos passos, como se fosse por entre os milharais ou até entre os prédios, feito espigas, que filtram o vento que passa e passeia do mar para a rua, para o sertão, para o mundo. Vendo assim, parece que somos todos do mesmo lugar. É essa mistura que compõe a beleza de Fortaleza. Afinal, podemos estar na única estrada, em ondas invariáveis e no mesmo barco.
Bem, falando em barco, neste janeiro fomos fazer um cruzeiro, saindo de Fortaleza. Os meninos conheceram Recife e Olinda, passearam em Natal e todos nós conhecemos as maravilhas guardadas em Fernando de Noronha. Foram seis noites, durante os sete dias que estivemos no navio Orient Queen. No navio conhecemos gente do mundo todo, da Ucrânia e das Filipinas, do Egito e da Grécia, gaúchos e cariocas, mineiros e londrinos. A minha filha Laura (19 anos) comentou que as pessoas deveriam falar o mesmo idioma, em todo lugar, e nós imaginamos que esse mesmo idioma não precisa ser apenas de palavras, mas pode ser de gestos, olhares e sorrisos, como os da Gabriela, a nossa caçula. Mais uma vez, percebemos que o mundo é um lugar único e que as separações, muitas vezes, revelam inconvenientes para a comunicação entre as pessoas e para um melhor convívio. Elas começam perguntando de onde você é, se fala tal e qual idioma, mas depois os olhares se acomodam, e se instala a vontade geral de interagir, de compartilhar, de fazer amizades e de trocar idéias. O Derek, meu filho (20 anos), logo se habituou a ouvir e a falar “where are you from?”. No salão de shows, quando eu disse que era do Acre, o apresentador perguntou se era mesmo verdade e olhares curiosos preencheram o ambiente. Mas depois, a curiosidade logo se transforma em simpatia, em simbiose, em convivência alegre.
A convivência alegre aconteceu, por exemplo, com os garçons brasileiros (Hamide e Robson), com a moça das bebidas chamada Olli, natural das Filipinas, com a loirinha romena, do bar reflections, também com o maitre búlgaro ou com o gerente egípcio, que olhou para a minha mãe e brincou que iria chorar, quando ela desembarcasse de volta em Fortaleza. Assim também foi com a bela morena Yana, a ucraniana que nos atendeu no free shop do navio, com sorriso envolto em olhos de negras flores que se abriam bem devagar. Ela levou de presente um exemplar do livro ‘Páginas da Amazônia – Proseando na Floresta’, diante de seu interesse em conhecer as coisas das matas amazônicas. Nos comunicamos um pouco em inglês, espanhol e até em português, que ela fala melhor do que nós falamos inglês. Desembarcamos e a saudade ficou, enquanto os poucos enjôos se foram. Aquelas pessoas do navio se foram, e a impressão imediata é a de que elas seguirão caminho diferente do nosso. Esperamos que todos cumpram o período de cruzeiro no Brasil com sucesso e que os estrangeiros tenham um bom regresso, nos dez dias em que navegarão até a Europa. Como me disse a Yana, todos querem estar em casa, de vez em quando. Como disse minha mãe Clair, reproduzindo meu pai Francisco, as pessoas são encantadas, anoitecem aqui e amanhecem ali. A outra impressão persiste, nos dizendo que estamos todos no mesmo barco e que o caminho tem apenas roteiros variados.
De nossa parte, descemos de volta em Fortaleza, onde nos sentimos em casa, embora já pensando em Rio Branco, onde estão nossas raízes. Mesmo sabendo que estamos no mesmo mundo e lugar, também sabemos que nosso querer está plantado no Acre, com ramificações seguras na pequena Rio Branco, mesmo que os varadouros e as sementes nos espalhem por várias estradas, até pelo infinito mar azul ou verde, pelas lembranças que ele carrega, pelos roteiros que seguimos, adiante dos passos que vamos deixando por Fortaleza, do suor que escorre nas ladeiras de Olinda, além da boa viagem por Recife, adiante do sonhos que a redinha de Natal nos embalou ou bem no meio do balanço do Orient Queen. No meio e além disso, navegam nossos sentimentos de amor pela vida, ainda que sejamos passageiros de rápida viagem, esse amor que também existe pelas pessoas e pelos lugares que emolduram essa mesma viagem.
Num outro ciclo da viagem, estamos embarcando hoje para nossa aldeia. O pessoal do navio está agora em Fernando de Noronha. Meu brother Paulo e a sua Fernanda estão em Paris. Lá de Xapuri, passeando por entre árvores e flores, regando outras praias, o rio Acre vem crescendo e suas águas passarão por Rio Branco com mais volume. Em fevereiro, o rio Acre fica cheio, se comparando com nossos olhos que miram alguns dias passados. Essas águas de rio seguirão para o mar e vão embalar, quem sabe, a dança do Orient Queen. Vão acariciar uns olhos que por lá passeiam. Vão regar umas flores que por lá se abrem. E daqui a pouco, o vento que nos receberá em casa seguirá para a Europa. De lá vai trazer de volta o Paulo, a Fernanda e tantos outros passageiros dessa grande viagem em que todos estamos embarcados. Enquanto isso, eu sigo sentindo um perfume fugidio de flor negra, que devagar se abre no meu pensamento.
José Augusto Fontes é poeta, cronista e juiz de direito no Acre.
Um comentário:
Dr. José Augusto, estive em janeiro em fortaleza, o senhor tem toda a razão quando falou sobre a identificação da cidade com a nossa terra, a impressão que eu tive foi que parecia que eu tava no Acre, encontrei muitos acreanos, o povo cearense parece muito com os acreanos em todos os sentidos, parabens pelo texto, fiquei emocionado mesmo, cheguei a me arrepiar com suas palavras, talvez porque tambem tenho alma de escritor. um abraço Renacleyton.
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