Marina Silva
Em fevereiro de 2005 presenciei uma das cenas mais impressionantes e estarrecedoras de minha vida. Foi em Anapu, no Pará, para onde fui assim que soube do brutal assassinato da Irmã Dorothy Mae Stang. Já se passaram cinco anos, mas está intacta para mim a imagem de pessoas soltando foguetes, comemorando a morte.
Difícil suportar tamanho desprezo à vida. Especialmente a de alguém que a entregou ativamente em favor dos mais pobres. Que fundou a primeira escola de formação de professores, a Escola Brasil Grande, na rodovia Transamazônica, que corta ao meio a pequena Anapu. Que dedicou sua atividade pastoral à busca de soluções para os conflitos fundiários, buscando a geração de empregos, com projetos de desenvolvimento sustentável e de reflorestamento. Não por acaso ficou conhecida como o Anjo da Amazônia.
Em 12 de fevereiro de 2005, um sábado, às 7h30 da manhã, Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, e Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, foram ao encontro da irmã em uma estrada de terra a 53 quilômetros da sede do município. Mataram-na à queima roupa, com seis tiros.
Aos 73 anos, Irmã Dorothy, nascida nos Estados Unidos e naturalizada brasileira, foi assassinada a mando de grileiros e madeireiros da região, que a ameaçavam havia algum tempo. Segundo relatos de testemunhas, pouco antes de ser assassinada, ela disse: "Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores, que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade, sem devastar."
Apesar da repercussão nacional e internacional do crime, a morte da Irmã Dorothy não arrefeceu a violência na região. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a falta de um desfecho a esse crime e tantos outros, com a punição dos acusados, faz com que aumente a tensão e se acirrem os conflitos agrários.
De acordo com dados da CPT, de 2009, 63 trabalhadores foram assassinados em conflitos agrários no estado do Pará e mais 379 sofreram ameaças de morte. Já foram protocolados no Tribunal de Justiça do Pará 681 assassinatos por conflitos agrários, entre 1982 e 2008. Desses crimes, apenas 259 desencadearam ações penais e alguns, inclusive, já prescreveram.
Em dezembro de 2005, os dois executores de Irmã Dorothy foram julgados e condenados. Fogoió ficará 27 anos na prisão, e Eduardo, 17 anos. O intermediário Amair Feijoli da Cunha cumpre pena de 18 anos. Já os mandantes, Regivaldo Pereira Galvão e Vitalmiro Bastos de Moura, ainda não foram julgados em definitivo. Até bem recentemente, ambos vinham aguardando os julgamentos em liberdade.
O cineasta norte-americano Daniel Junge transformou a emocionante história de irmã Dorothy em documentário. Narrado pelo ator Wagner Moura, "Mataram irmã Dorothy" foi lançado ano passado. O trailer pode ser visto no Youtube.
A morte de Dorothy Stang não pode ficar impune, tampouco esquecida na lentidão da Justiça e na inoperância dos governos. A luta à qual dedicou sua vida, é de todos nós. Tornar a Amazônia um lugar de paz, em que as pessoas e a floresta possam viver em equilíbrio.
Marina Silva é professora de ensino médio, ex-ministra do Meio Ambiente, senadora do Acre pelo PV e colunista da Terra Magazine.
5 comentários:
Bom dia a todos!
Infelizmente, a morte da irmã Dorothy Stang, igualmente a morte de Chico Mendes ficaram inertes nas práticas políticas de governantes e esquecidas na lentidão da injustiça de quem governa em benéficos próprios. A luta à qual eles dedicaram suas vidas, é e sempre será de todos nós que não almejamos o Poder. E que realmente sirva de modelo político para a Senadora Marina Silva, porque a senadora está corretíssima quando diz que a luta da irmã Dorothy Stang foi para “Tornar a Amazônia um lugar de paz, em que as pessoas e a floresta possam viver em equilíbrio”.
Qualquer homicídio não pode ficar impune.
A Dorothy Mae Stang pouco antes de ser assassinada, ela disse: "Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores, que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade, sem devastar."
É o mesmo que sempre digo aos Senhores e Senhoras que defendem preservação, inclusive a própria Senadora Marina Silva.
A Dorothy Stang usou a frase para defender os pequenos agricultores, e eu contra os preservadores inconseqüentes que não vê os lados da questão.
O que jamais pode ser esquecido é o caráter político-ideológico deste tipo de crime.
Não pode ser entendido como um "simples" assassinato e sim um reflexo da luta de uma sociedade divida em classes...
ah, é claro, vão dizer que os ruralistas não tem nada haver com isto... imagina!?
O Pará é o Velho-Oeste brasileiro. Apesar de todos os dias acontecerem mortes bárbaras nesse estado, poucas vezes a imprensa tem tido liberdade para veicular esse tipo de informação.
Postar um comentário