Governador e presidente da Assembléia do Acre não se entendem sobre projeto da estrada Cruzeiro-Pucallpa
O presidente da Assembléia Legislativa do Acre, deputado Edvaldo Magalhães (PCdoB), e o governador Binho Marques (PT) não estão em sintonia em relação à possibilidade de construção de uma estrada ligando Cruzeiro do Sul, no Acre, a Pucallpa, no Peru.
Em defesa da estrada, Magalhães não tem medido esforços nos últimos meses para mobilizar empresários e políticos em eventos nos dois países. Neste domingo os jornais do Acre circulam com encarte especial tendo como foco a estrada defendida pelo Vale do Juruá.
Mas pouca gente atentou para a declaração do governador, na semana passada, quando ainda estava em Copenhague. Disse Binho Marques:
- A gente nem terminou a BR-364 até Cruzeiro do Sul e já existe esse debate da estrada Cruzeiro-Pucallpa. Acho que a primeira coisa a fazer é ir com a BR até o Juruá. A chuva atrapalhou muito o nosso trabalho esse ano. Mas essa é a nossa prioridade. Precisamos ter um debate sobre desenvolvimento regional com a amplitude de toda a região amazônica internacional. O que se tem no Brasil é diferente do Peru e da Bolívia. Nesses países os cuidados ambientais são praticamente nulos. Então, é preciso uma negociação mais tranqüila. Nós não podemos nos precipitar. Acredito que a integração é algo importante, mas não podemos colocar os carros a frente dos bois. Essa estrada é importante, mas deve acontecer com todos os cuidados necessários porque corta uma área de preservação ambiental num Parque Nacional. Todo cuidado é pouco.Nós precisamos fazer um debate com a sociedade e levar em conta o que é prioritário. Não precisamos ter ansiedade. Cruzeiro do Sul se interligar com Rio Branco já vai ser um impacto econômico enorme para a região. É muito mais importante se preocupar com o que vai acontecer nesse impacto do que sair na frente propondo novas mudanças.
REAÇÃO DOS AMBIENTALISTAS
Em setembro, representantes de expressivas organizações ambientalistas, entre as quais Amigos da Terra-Amazonia Brasileira, Fundación Peruana para la Conservación de la Naturaleza e Conservation International, enviaram ao presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento a seguinte carta:
Honorável Luis Alberto Moreno
Presidente
Banco Interamericano de Desenvolvimento
Washington, DC
Prezado Presidente Moreno,
Escrevemos para expressar nossas preocupações sobre o papel do Banco na implementação da Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura Regional da América do Sul (IIRSA). Especificamente, requisitamos ao Banco reconsiderar seu apoio a projetos do IIRSA, Eixo do Amazonas, G04, “Interconexão Viária: Pucallpa-Cruzeiro do Sul” e “Interconexão Energética Pucallpa-Cruzeiro do Sul”.
Atualmente, documentos da IIRSA apontam para a construção de não menos de cinco corredores de transporte através da Amazônia ocidental e subindo os Andes para a costa do Pacífico.
Essa vasta quantidade de construção de rodovias ameaçará seriamente o futuro de muitos grupos indígenas e a integridade biológica da região de cabeceiras da Amazônia ocidental. Emissões do desmatamento e da degradação comprometerão as metas de redução de emissões de carbono que estão sendo consideradas e propostas tanto pelo Brasil e o Peru.
Nossa preocupação imediata é a proposta da IIRSA para uma segunda rodovia interoceânica através do Estado do Acre entrando e atravessando o sul do Peru. Esse projeto, “Interconexão Viária: Pucallpa-Cruzeiro do Sul”, é mostrado no mapa anexo, retirado do website da IIRSA.
No Brasil, essa estrada proposta Pucallpa-Cruzeiro atravessará o centro do Parque Nacional Serra do Divisor, que foi indicado pelo governo brasileiro para inclusão na lista da UNESCO de Sítios de Patrimônio da Humanidade. A região da Serra do Divisor é um centro reconhecido de endemismo e biodiversidade1.
A região da Serra do Divisor é habitada por muitos grupos indígenas, em ambos os lados da fronteira internacional. Contudo, outra estrada através dessa região ameaçará a própria existência desses grupos indígenas, muitos dos quais não têm contato e vivem em isolamento voluntário.
No Peru, a rodovia proposta cortará a Reserva Territorial Isconahua, uma área criada pelo governo regional do Ucayali para proteger povos indígenas não contatados, que vivem em isolamento voluntário. Essa região foi também designada, em reconhecimento à sua relevância nacional, como a Zona Reservada Sierra del Divisor2.
Além de atravessar essas áreas reservadas, a rodovia proposta impactaria outras duas reservas propostas, a Yavari-Tapiche e a Kapanawa, para povos indígenas sem contato, que vivem em isolamento voluntário, assim como a outros grupos indígenas, incluindo os Ashaninka e os Shipibo-Conibo.
Deve ser notado que já há uma estrada IIRSA, a Interoceânica Sur, agora quase concluída, que passa por essa região, ligando o Acre com o sul do Peru. Com a conclusão dessa rodovia, o antigo objetivo de ligar o Acre e o Brasil à costa do Pacífico será alcançado. Não há nenhuma justificativa para construir outra estrada com esse propósito.
À luz dessas inadequações, levando em conta a falta de transparência e de consulta no processo da IIRSA, e considerando as implicações para o futuro da região Amazônia-Andes, respeitosamente demandamos que o Banco tome as seguintes ações:
1. Designe e implemente, em consulta com os governos do Brasil e do Peru, um processo compreensivo de consulta pública com as comunidades afetadas em ambos os lados da fronteira internacional. De início, direcionamos sua atenção para os seguintes grupos que já expressaram preocupação sobre essa proposta de rodovia e seus impactos sociais e ambientais. No Brasil: SOS Amazônia; Comissão Pró-Índio do Acre e o Grupo de Trabalho para a Proteção Transfronteiriça da Serra do Divisor e do Alto Rio Juruá. No Peru: Instituto del Bien Común; Pronaturaleza; Sociedad Peruana de Derecho Ambiental; e a The Nature Conservancy.
2. Consultar ao governo brasileiro e à UNESCO a respeito do futuro do Parque Nacional da Serra do Divisor. A integridade desse parque e sua elegibilidade para a indicação como Patrimônio Mundial serão seriamente comprometidas pela construção de uma rodovia internacional e um corredor de transmissão através do centro do Parque.
3. Consultar defensores, nacionais e internacionais, dos grupos indígenas e grupos em isolamento voluntário para demonstrar que o Banco está cumprindo padrões internacionais para obter o consentimento prévio, livre e informado dos povos indígenas que vivem na área afetada.
4. Avaliar o desmatamento esperado, as mudanças no uso da terra e a perda de biodiversidade que resultarão dessa proposta de estrada.
5. Até que estas ações não sejam realizadas, o Banco, no seu papel de Secretariado da IIRSA, deverá requisitar aos comitês de coordenação da IIRSA que deletem os projetos relacionados os projetos Pucallpa-Cruzeiro do Sul da lista de projetos atualmente aprovados.
Apreciamos sua atenção para estas questões, e permanecemos no aguardo de sua resposta.
Amigos da Terra-Amazonia Brasileira (Roberto Smeraldi)
Fundación Peruana para la Conservación de la Naturaleza (Martín Alcalde Pineda)
Conservation International (Peter Seligman)
Environmental Defense Fund (Fred Krupp)
Cultural Survival (Ellen Lutz)
3 comentários:
É preciso segurar o Binho nessa cadeira de Governador do Acre antes que a vaca vá pro brejo. Zé Alexandre gostava de dizer e repetir que "toda unanimidade é burra". Foi exatamente do que eu lembrei quando li os depoimentos exaltados de todos, todos os deputados na imprensa local.É uma jogatina desenfreada. E agora com o fracasso de Copenhague que vai segurar essa troupe de tresloucados? O que chamávamos de "sociedade civil organizada" aqui em Rio Branco foi pro brejo. Estamos no mato sem cachorro.
Caro Altino,
Para início de reflexão, ainda nem temos a terra dos índios Nawa em processo de demarcação. Desde 1999 que a SOS Amazônia, junto com diversos órgãos ambientais, de forma especial o IBAMA, tem tentado remover as famílias de não-índios que ainda estão dentro da área do PNSD. O mais intrigante é que o IBAMA proibiu desde então a criação, construção de novas casas, pesca, caça etc... só que ninguém fala em idenização daquela gente. Em nenhum momento apareceu algum deputada, senador ou qualquer desses políticos de plantão, para apoiar ou a permanência das famílias ou a indenização devida.
Ora, venhamos! querem começar a casa pelo telhado por ser mais visível pouco se importando com a base da casa. Tá certo que 2010 é ano de eleição mas não podemos aceitar que nossos políticos busquem se eleger (ou reeleger) com o antigo discurso do progresso e expansão comercial.
Bom trabalho.
Lindomar Padilha
Caríssimo Altino,
Estamos às vésperas de completar 21anos do assassinato de Chico Mendes e, pensando no falatório sobre a interligaçao 'comercial' com o pacífico via BRs, encontrei este uma fala do próprio Chico Mendes e transcrevo parte aqui:
"O asfaltamento da BR-364 também foi discutido por mim na Comissão de Operação de Verbas do Senado Americano. Denunciamos a destruição da floresta, os impactos ambientais causados pelo asfaltamento da estrada no trecho Cuiabá-Porto Velho. Falei que, se a intenção era levar desenvolvimento para os povos daquela região, o que ocorreu foi exatamente o contrário. A estrada serviu para beneficiar meia dúzia de latifundiários e arruinar a vida de milhares de trabalhadores".
Bom trabalho e bom natal.
Lindomar Padilha
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