Povos da floresta aprovam anistia a multas ambientais de pequenos agricultores
Fabíola Munhoz
A Rede Povos da Floresta e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) se posicionaram a favor de um Projeto de Lei (PL) apresentado ao Congresso Nacional pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), que defende a anistia de todas as multas ambientais aplicadas aos povos da floresta - ribeirinhos, seringueiros, pescadores e pequenos produtores.
Ailton Krenak, representante da Rede Povos da Floresta, diz esperar que o projeto da deputada Perpétua seja votado e isente a agricultura familiar de ser punida por infração do Código Ambiental. Ele explica que cabe ao Ministério do Desenvolvimento Social fornecer assistência técnica e apoio para que a agricultura familiar se torne sustentável.
"Você não pode tratar todos que estão no campo com a mesma norma. Temos que apoiar o encaminhamento e a votação desse PL", afirmou. De acordo com Krenak, muitas das multas impostas a pequenos agricultores da Amazônia não dizem respeito ao uso da terra para o cultivo agrícola, mas sim, a práticas de pesca e caça para subsistência, que são vistos como crimes ambientais.
Dirceu Fumagalli, da coordenação nacional da CPT, diz que a justificativa da deputada para o projeto é referendada pela comissão. "O tratamento é aparentemente justo, mas, na verdade, é desproporcional. Os pequenos agricultores foram empurrados para pequenas áreas e há falhas na legislação ambiental atual, que é homogênea e não percebe as peculiaridades dos povos tradicionais e pequenos produtores", afirmou.
A deputada Perpétua justifica sua proposta pelo fato de existirem multas cujo valor ultrapassa mais de duas vezes o preço da propriedade sobre a qual elas incidem, inviabilizando o desenvolvimento da família que produz no local, e fazendo com que o agricultor venda sua terra por baixo custo aos empresários do agronegócio.
"Numa área onde o acesso à tecnologia não existe, onde a vida e a sobrevivência têm que ser conquistadas diariamente, os pequenos produtores estavam sendo multados porque desmataram um pedaço de terra para fazer um roçado, plantar o que comer ou tirar madeira para consertar a casa que já estava quase caindo", explicou.
A deputada diz que chegou a debater com os órgãos ambientais a possibilidade de se criarem mecanismos para remediar essa situação, mas infelizmente alguns não se mostraram abertos ao diálogo, tornando necessária a criação do seu projeto de lei.
"Precisamos de um tempo para respirar, para dar uma trégua à produção familiar. A proposta é isentarmos o que já foi praticado e rediscutir a realidade e as punições da lei. Se mais de 70% dos pequenos produtores e proprietários da Amazônia estão sendo multados, há algo de errado", disse.
Ela também afirma que, daqui para frente, será preciso construir outros parâmetros, para que a defesa ambiental, a preservação de espécies e a sustentabilidade sejam garantidas com rigor, mas sem esquecer que temos a obrigação de dar garantias de vida aos menos favorecidos. "Não estamos dando fim às multas, estamos propondo uma anistia por um período e repensarmos o modelo que garanta a sobrevivência no campo, na floresta".
Anistia para quem?
Perpétua diz que seu projeto pretende anistiar as comunidades locais, populações tradicionais e outros grupos humanos, organizados por gerações sucessivas, com estilo de vida relevante à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica.
No entanto, segundo Krenak, da Rede de Povos das Florestas, caso aprovada, a lei beneficiará o agricultor familiar, mas não trará efeito aos indígenas e a populações extrativistas.
"O projeto não vai incidir sobre essas comunidades, já que elas vivem em terras da União - Reservas Extrativistas (Resex) ou Terras Indígenas (TIs) - e, portanto, não sofrem a aplicação de multas ou taxas pela prática de desmatamento", afirmou.
De acordo com ele, também há, na região, ribeirinhos e pequenos agricultores que ainda não tiveram as terras onde vivem regularizadas e são ameaçados por uma movimentação existente hoje no governo para que essas áreas sejam suprimidas e dêem lugar à agricultura industrial.
"As últimas três legislaturas brasileiras têm sido contrárias à demarcação de Tis e à criação de Unidades de Conservação (UCs) e Resex nos Estados, por serem espaços que se tornam indisponíveis à expansão do agronegócio. No meio dessas áreas, ainda há comunidades extrativistas, ribeirinhos, assentados, que precisam ser respeitados", afirmou.
Porém, Krenak destaca que a definição da agricultura familiar no Código Florestal Brasileiro é importante, não por se tratar de questão técnica, mas política. "Desse conceito depende a ação do governo para impedir que todas as terras do país sejam ocupadas pelo agronegócio".
De acordo com ele, há hoje uma ação dentro do governo para suprimir o conceito de pequenos produtores do Código Florestal Brasileiro e, com isso, abrir espaço para que os 24,3% de áreas cultivadas hoje ocupadas pela agricultura familiar sejam incorporados por grandes produtores.
Dirceu, da CPT, destaca que os 13 artigos do projeto de Perpétua são genéricos e abrem espaço para regulamentação e identificação de categorias da agricultura familiar.
"É preciso políticas públicas de financiamento, cooperação, tecnologia e garantia de qualidade de vida para que o pequeno agricultor extraia da terra sua subsistência, dialogando com a mata, sem precisar derrubá-la", diz ele. De acordo com o militante, tornar irregular o pequeno produtor dificulta o seu acesso a financiamento e não resolve o problema. Essa também é a opinião da autora do projeto.
A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) foi procurada para comentar a proposta de lei e manifestar sua opinião sobre as declarações dos movimentos sociais, mas nenhum representante da entidade respondeu até o fechamento da reportagem.
Brecha para grandes criminosos
Sobre o risco de que a norma legalize a impunidade a empresários de madeireiras e siderúrgicas que financiam a retirada ilegal de madeira por pequenos agricultores, Krenak diz que a lei ainda poderá ser regulamentada, estabelecendo a verificação das propriedades onde incidam multas por crimes ambientais.
"Podemos ter instrumentos para monitorar o avanço da agricultura familiar, e as áreas de produção de subsistência devem ser inventariadas. Se não, não há nem como se aplicarem as multas. Há como, por exemplo, exigir uma declaração do produtor sobre por que ele ampliou sua área de produção. Qualquer motivo para o desmatamento que não seja a agricultura familiar teria punição", sugeriu.
A deputada Perpétua garante que seu projeto não vai legalizar a impunidade. "No projeto de lei está dito que o recurso da multa deve ser revertido diretamente para a recuperação da área degradada. Cobramos a presença do Estado, mas entendemos o tamanho do desafio. Por isso a proposta de ação conjunta, de dar a chance da recuperação".
Ela também diz que deve haver rigor na punição de madeireiras ilegais e da indústria que se beneficia da ilegalidade, mas destaca que, caso houvesse condições de desenvolvimento sustentável ao pequeno produtor, ele não iria praticar o desmatamento ilegal.
"Os pequenos arrumam um jeito de plantar para comer e sobreviver economicamente. Esse processo é secular, desde a ocupação daquelas terras. Quem desmata são os grandes produtores, os madeireiros e agricultores. Essa foi a bandeira levantada por Chico Mendes quando começou os empates e reivindicou as reservas extrativistas", afirma Perpétua.
Fabíola Munhoz é do Amazônia.
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