Eliane Brum, da revista Época
Você conhece o Altino Machado? A pergunta provoca um olhar enviesado. “Todo mundo conhece. Com ele não tem meio-termo. Ou o amam, ou o odeiam.” E você, ama ou odeia? “Nem um nem outro.” Fiz essas duas perguntas a dez pessoas, dos centros culturais ao mercado de Rio Branco, antes de entrevistar o blogueiro mais influente do Acre. As respostas se repetiram, com uma ou outra palavra diferente. Do resultado, é possível inferir cinco conclusões: 1) Altino é conhecido por diferentes camadas da população; 2) é polêmico, porque ninguém fica indiferente; 3) é temido, porque quem o odeia prefere não dizer; 4) é solitário, porque quem o ama opta por não se comprometer; 5) é “arrochado”, sinônimo local para corajoso, já que as quatro deduções anteriores tornam a vida, na capital do Estado de Chico Mendes (1944-1988), um ato cotidiano de resistência.
Altino marcou a entrevista para as 6 horas da manhã. Suspirei, mas não discuti. Isso deveria significar alguma coisa. Significava. Ele está empenhado numa guerra contra o novo horário do Acre, instituído por iniciativa do senador Tião Viana (PT). Altino queria que a jornalista não fosse apenas informada, mas vivesse o drama da população ao caminhar numa cidade escura. O Acre costumava ter diferença de duas horas com relação a Brasília. Em junho de 2008, a diferença foi reduzida para uma hora, em tese para o Estado ficar mais perto do Brasil. Desde então, muita gente vai ao trabalho, à escola ou à casa de Altino numa escuridão tão densa que dá para vestir.
“A casa fica em frente à igreja do Daime”, informo ao taxista. Não é uma coincidência. Altino faz parte da comunidade do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal – Alto Santo, criada pelo fundador da doutrina, Raimundo Irineu Serra (1892-1971). Foi ele quem batizou como “daime” a ayahuasca, bebida ritual de origem indígena. Altino toma o daime desde os 20 anos. Tem hoje 46.
O motorista roda e roda até algo muito próximo a uma zona rural. Então se perde. Altino surge como um espectro entroncado no meio do breu. Sou conduzida para dentro de uma casa acolhedora, onde finalmente alcanço o real significado de um café da manhã tropical. Mingau de banana, tapioca, castanha in natura, bacuri...
À luz da cozinha ampla, é possível investigar o jornalista que tantos temem no Acre. Traços retos, resultado da mistura de índios, negros, portugueses e espanhóis. Físico forte, cara de mau. Com quem gosta e respeita, tão doce quanto o creme de cupuaçu que vai servir de sobremesa no almoço, depois de um tambaqui recheado e assado na brasa. Quem assistiu à minissérie Amazônia – de Galvez a Chico Mendes (Globo) já o conhece. Ele fez o papel dele mesmo, Altino, contracenando com Lima Duarte. A ponta foi uma homenagem da autora, Glória Perez, por sua atuação na cobertura da luta de Chico Mendes. Dezenove dias antes de ser morto, Chico Mendes denunciava, em matéria assinada por Altino, no jornal O Estado de S. Paulo, que planejavam assassiná-lo. “Só depois que morreu na primeira página do The New York Times é que a imprensa brasileira correu para acompanhar seu enterro em Xapuri”, diz Altino, ácido como um camu-camu.
No passado, sua casa foi alvejada por tiros, e três vezes foi retirado às pressas do Acre. Numa delas, porque denunciou que o então governador, Orleir Cameli, tinha quatro CPFs. Depois de viver em São Paulo, Brasília e Goiânia, em diferentes períodos, voltou ao Acre. Trabalhou para a comunicação do ex-governador Jorge Viana (PT). Não deu certo. Tornou-se blogueiro em 2004. “Fiz o blog para não morrer”, diz. E, só desta vez, o “morrer” é simbólico. “Se não fosse o blog, eu cairia no ostracismo, já que a imprensa daqui é dominada pela politicalha local”, afirma.
Tornou-se um líder da blogosfera amazônica: centenas de blogueiros se inspiram nele e outras centenas sonham em ser linkados em seus posts. Seu blog é um exemplo do gênero que tem crescido muito no Norte desde 2008: o político. O aumento, segundo a Cartografia da blogosfera brasileira, se deveu às eleições municipais. “Os blogs tornaram-se a ferramenta de expressão de uma vontade política adormecida”, diz Malini. Antes da internet, o único meio de comunicação era uma imprensa dependente da publicidade estatal para sobreviver. O crescimento dos blogs políticos é motivado por uma demanda reprimida de expressão.
Segundo Malini, eles deverão crescer e multiplicar-se na eleição de 2010. “No Norte, especialmente se Marina Silva for candidata a presidente”, diz. “Haverá uma ativação da rede social, tanto para afirmá-la como para criticá-la. E o selo de blog amazônico ganhará uma força maior, porque a Amazônia estará na pauta.”
Com média de 1.200 acessos por dia, o blog de Altino alcança Estados do país onde os jornais do Acre pouco repercutem. Seus posts ecoam pela região, pautam a mídia nacional e são linkados pela blogosfera política. Questões que antes ficavam confinadas ao Acre, pelo isolamento geográfico, agora ganham o mundo em tempo real, mudando as relações de força e a dinâmica do acesso à informação. “Antes, o governo fazia o que queria, estávamos longe. A internet rompeu com isso”, diz Altino.
A senadora Marina Silva (PV) acompanha o blog de Altino pelo briefing de sua assessoria. “A Amazônia tem uma necessidade cada vez maior de reflexão independente, e os blogs têm proporcionado um trânsito maior e mais diversificado de informação”, diz Marina. “O Altino é uma fonte cada vez mais relevante dentro e fora da região. Quando eu era ministra do Meio Ambiente, em momentos de tensionamento, como nas usinas do Rio Madeira, existia uma falta de informação muito grande sobre como realmente aconteciam aqueles processos. Ele abordava a questão de uma forma que favorecia a sustentabilidade. Foi bem importante.”
Altino faz parte da geração dos anos 80, que gerou no Acre políticos como Marina, o ex-governador Jorge Viana (PT) e o atual, Binho Marques (PT). “Ele sempre foi fora dos padrões, nunca se enquadrou no formato dos jornais e das estruturas institucionais. O blog se identifica muito com ele, na medida em que não tem patrão”, diz Jorge Viana. “Os blogs mudaram o processo de comunicação, e acredito que vão crescer muito ainda.” Viana reconhece que Altino provoca polarizações de amor e ódio em algumas pessoas. “Mas não sinto nem um nem outro. Tenho com ele uma relação de profundo respeito.”
Embora o Acre não seja mais aquele Estado onde o deputado Hildebrando Pascoal obrigou um jornalista a engolir a página da matéria que escrevera, Altino continua a viver perigosamente. A prova mora 1 metro acima de sua cabeça, no telhado da varanda onde ele bloga. Só é possível ver um pedaço do rabo e a cabeça da jiboia que mora entre duas telhas. A cobra e o jornalista não chegam a ser amigos, mas cultivam uma relação de respeito mútuo. Complementam-se: ela gosta de engolir sapos. E também ratos, insetos e até parentes menos corpulentos. Ele faz o possível para não engolir nada, nem um mísero desaforo. A cobra não é peçonhenta. Altino, se provocado, pode ser muito viperino. Especialmente com políticos corruptos.
A jiboia aponta uma cabeça tímida quando Altino conta sobre um de seus mais recentes desafetos, o ministro Gilmar Mendes. Em março, numa coletiva de imprensa no Acre, o presidente do Supremo Tribunal Federal achou a pergunta do jornalista abusada. Altino perguntou: “Ministro, o senhor tem se manifestado em defesa da propriedade, contra as invasões, mas em nenhum momento se manifestou contra dezenas, centenas de assassinatos de lideranças de trabalhadores rurais. Isso decorre do fato de o senhor ser ministro ou pecuarista?”. Mendes respondeu: “Eu tenho me manifestado contra qualquer violação de direitos. Eu não quero que haja assassinatos, violência. Pode-se protestar, fazer qualquer consideração, mas tem de ser respeitado o direito de outrem. A pergunta é desrespeitosa. O senhor tome cuidado ao fazer esse tipo de pergunta. Eu não sou pecuarista.” O diálogo, reproduzido no blog de Altino, ecoou. A blogosfera política do país referiu-se à resposta do ministro com palavras como “truculência” e “censura”. Procurado por alguns blogueiros famosos, Altino preferiu não levar a briga adiante.
Quando vai para a rua, munido de gravador e câmera, Altino pega um mototáxi. Não tem carro. Segundo ele, nem dinheiro para pagar a Previdência. Em 10 de março de 2007, encontrou a geladeira vazia. Postou no blog um pedido de doações. Em alguns dias, os leitores depositaram perto de R$ 6 mil. E ele pôde continuar postando críticas e denúncias, algumas contra a administração de seu antigo colega de teatro infantil, o governador Binho Marques.
Aos 6 anos, Altino costumava esconder o rádio debaixo do colchão de capim para sintonizar a BBC de Londres ou uma emissora de Cuba. Naqueles dias, queria ser engenheiro eletrônico para descobrir de onde vinham as notícias. Só bem mais tarde percebeu que apenas como repórter poderia tocar naquela mágica. O blog o trouxe de volta ao rádio, ao ser picado pelo mosquito da instantaneidade. “Não consigo mais deixar a notícia para amanhã. Tenho de dar já”, diz. “Agora sou mundial.”
Ouve-se o canto do uirapuru. É o celular de Altino tocando. Não para mais. É gente querendo colocar um post sobre um evento. Ele desconversa. Um político às voltas com uma denúncia queixa-se da armação de colegas do governo. Ele ouve. Para leitor que reclama, ele mostra sua face mais encantadora. “Não gostou, procura outro. O blog é meu, faço o que eu quero”, diz. E depois, num raro sorriso: “Ah, isso não tem preço”.
Leia mais no site da revista Época.
20 comentários:
Estamos todos com inveja, Altino. Doce inveja como a minha. Siga em frente, amigo.
Vc merece e muito mais...nos conhecemos crianzas,adolecentes...o meu poeta preferido!!!era um romantico..um grande amigo...te admito e te desejo o melhor!!
essa entrevista esta muito bacana,e mais ..principalmente qdo ela(a jornalista) frasea com as frutas e os animais amzonicos...que exotico tudo...Enhorabuena Altino..vc 'e o maximo,uma figura jejejeje...
suerte e fuerza en la vida majo!
Mariah
Parabéns, Altino!
Bem,
Acredito que esse blog nos dá voz, mesmo que seja no anonimato, isso nos faz um bem danado em um lugar que ainda é proibido discordar. No começo tinha medo mesmo usando um nick, mas depois resolvi postar só como anônimo é mais seguro...rsrsr
PARABÈNS!!!
Meu caro blogueiro Altino Machado,parabéns.O seu blog é uma grande fonte,um deleite para os que querem ter boa e segura informação.Essa entrevista,apesar de muito importante, é apenas e tão
somente o reconhecimento de anos a fio de árduo trabalho.Mais uma vez,parabéns.Continue combatendo o bom combate.Daqui da fonteira, envio votos de paz e luz incansável guerreiro das letras.
CELI
Boa dia Altino,
Qie bela materia. Principalmente por não foi paga como é comum no Acre. Você está apenas execitando o que aprendeu na juventude; perseguido e ameaçado quando era estudantes do glorioso colégio Acreamo por se manisfetar contra a ditadura, você sim, se destaca dos demais jornalistas por ser verdadeiro, um sonhador. Desculpa ter que assinar como anômino, era seu amigo de colégio nos inicio dos anos 80.
Caro Altino, parabéns! Voce merece. Procure o livro recém lançado, "DNA BRASIL", pelo Senai- Cetiq, Ed. Estaçao da Letras. Voce esta' la', também. Abraços NN
Parabens Altino!!
Bom demais ver teu trabalho reconhecido fora das 4 paredes Acreanas...Vou comecar a campanha Altino para Deputado Estadual!! Estamos precisando de uma cobra na Assembleia pra comer os ratos!!! Vai la!!
Caro Altino,
A matéria é puramente verdadeira. Parabéns caro colega.
ALTINO! A Internet é uma ferramenta poderosa;mas nem por isto aposente o Machado.Voce fez jus.Parabéns.Aqui das Minas Gerais vai um abraço.BETO MINEIRO.
Ainda bem que temos o Altino. Como eu venho dizendo já faz tempo: o único jornalista do Acre.
Anexei vc a minha lista de favoritos em São Luis do Maranhão
Olá Altino, não sei se lembra de mim.Vivi no Acre alguns anos. O Toinho se lembra. Em todo caso te tou parabens pela insistênia na integridade, coisa rara hoje em dia.
Parabéns Altino, pelo blog mui acessado e pela reportagem.
Espero que consigas influenciar
a jovem imprensa que está se formando no Acre.
nESTES TEMPOS DE PÓS-MODERNIDADE NEOLIBERAL, ONDE O VELHO SE APRESENTA COM UMA EMBALAGEM NOVA, RELUZENTE E COM LUZES PISCANTES. É FUNDAMENTAL A RESISTÊNCIA. QUE POR MAIS QUE SE APRESENTE TAMBÉM COM A NOVA FORMA, TEM O MESMO CONTEÚDO DA RESISTÊNCIA A DITADURA MILITAR. NAQUELE TEMPO COMBATIAMOS O JOAQUIM MACEDO E O SEU CUNHADO E FIELDENSOR DICO VIANA, HOJE COMBATEMOS SEUS FILHOS. NO PASSADO NOS ESCONDIAMOS NA SOMBRA DA NOITE A PIXAR MUROS NO ANONIMATO, HOJE NOS ESCONDEMOS NO BLOG DO ALTINO. SEMPRE NA RESISTÊNCIA! PARABÉNS ALTINO! VOCÊ ESTÁ DO LADO DO POVO QUE SOFRE E ISSO NÃO TEM PREÇO!
Altino, vc não me conhece, sou novo por aqui no acre, mas desde o início o seu blog conseguiu me prender a atenção.Pude perceber que nos seus comentários sempre havia: imparcialidade,integridade,verdade e faro jornalístico em defesa dos interesses da sociedade.Sem hipocrisia e partidarismos levantou a primeira bandeira de respeito na imprensa acriana.
Parabéns Altino!
Quando meu cunhado e minha irmã (João Bosco Guerreiro e Sirlei Vilella)indicaram seu blog, eu não sabia que ganharia tanto conteúdo em uma página.
Abraços
Wagner Vilella
A influência do Blog do Altino na política e sociedade acreanas é uma constatação óbvia. Sem falar na sua repercussão nos meios jornalísticos do sul maravilha. Agora, a "jornalista" Eliane Brum mostrou mais uma vez q desconhece profundamente Rondônia. Na matéria da Época sobre os blogueiros do Norte ela usa como personagem um tal Teo Victor (bichoderondonia.com) que ninguém, absolutamente ninguém conhece no estado. Influência zero, internautas zero, enfim, quem é o cara?? Que blog é esse?...Desconhecimento da "jornalista" ou a mesma má-fé q ela demonstrou na outra matéria sobre Rondônia?
Fred Perillo
Excelente, Altino! Entrevistadora e entrevistado mandaram muito bem, como sempre. Parabéns!
Claudio Angelo
oi Altino, se Eliane me fizesse aquela primeira pergunta da materia eu responderia: "Bem, eu não o conheço pessoalmente. Mas posso te dizer que estou sujeita a amá-lo e tambem a odiá-lo, depende das circunstâncias. Só que jamais irei desrepeitá-lo ou desmerecer suas boas qualidades de jornalista que cumpre seu dever profissional e de cidadão". Sacou?! eheehe um beijo em vc, Altino. achei otima a abordagem da materia, parabens pra reporter e pra vc. tchauuuuuuuuuu
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