quinta-feira, 5 de março de 2009

"DIÁRIO EM MARCHA"

Arquilau Melo

Caro Altino,


Amanhã, nós do Projeto Cidadão, vamos iniciar, de barco, uma longa viagem ao Purus, no trecho compreendido entre Sena Madureira e Santa Rosa do Purus. Ao longo do rio faremos algumas paradas para atender a comunidade ribeirinha (agricultores e índios), fornecendo-lhes a documentação básica para o exercício da cidadania, como registro de nascimento, título de eleitor, CPF, dentre outros, e celebrando casamentos civis. Eu que só conheço o Purus no trecho do Amazonas (entre Boca do Acre e Lábrea) tirei uns dias para acompanhar os trabalhos da equipe que será composta por cerca de 50 pessoas de diversos órgãos do poder público estadual e federal.

O Projeto Cidadão nasceu há 14 anos, quando o então prefeito de Rio Branco, Jorge Viana e seu secretário de Educação, o hoje governador Binho Marques, procuraram o Tribunal de Justiça para se queixar que as escolas municipais tinham dificuldade em matricular as crianças porque a maioria sequer tinha registro de nascimento. Coincidentemente, naquela ocasião, a imprensa nacional, com apoio em dados do IBGE, divulgou que a maioria da população (68%) de nosso Estado, era constituída de “clandestinos”, pessoas que sequer eram um número.

Decidimos, então, levar servidores dos cartórios para registrar as crianças na própria escola. Acontece que a comunidade passou a exigir outros documentos que não eram por nós fornecidos, como carteira de identidade, CPF, título de eleitor etc. e nós, então, resolvemos convidar os parceiros. O fato é que hoje o projeto é composto por cerca de 15 órgãos que fornecem ao cidadão, gratuitamente, todos os documentos que fazemos uso no dia-a-dia. Graças ao projeto, o Estado do Acre está entre aqueles que, estatisticamente, mais documenta seu povo. Nesse particular ganhamos de todos os estados do Norte e Nordeste e até mesmo de alguns do Centro-Oeste, como Goiás, e do Sudeste, como Minas Gerais, segundo estatística do próprio IBGE.

Eu, que sou euclidiano, estou movido, também, por outro objetivo. Levo na bagagem o “Diário de Marcha” que vem a ser as anotações do dia-a-dia da Comissão chefiada por Euclides da Cunha. Há 104 anos, o memorável engenheiro e escritor percorreu o Purus até as suas cabeceiras, no Peru, e deixou escritos valiosos a respeito do rio e seus habitantes. Estou motivado pela possibilidade de comparar certas impressões deixadas por Euclides há mais de 100 anos. Houve mudanças? O que mudou? São algumas de minhas inquietações.

A Comissão chefiada por Euclides veio ao Acre para pacificar os ânimos de seringueiros brasileiros e caucheiros peruanos que estavam prestes a deflagrar um conflito armado entre o Brasil e o Peru. Euclides, que no curso de sua viagem, em carta há vários amigos, entre eles Machado de Assis, prometera que iria escrever seu segundo livro “vingador”, que ele próprio dizia que seria melhor do que “Os Sertões”, não chegou a cumprir essa promessa porque foi assassinado um ano depois de retornar ao Rio de Janeiro, em circunstâncias de todos nós conhecidas. A partir da conclusão dos trabalhos da comissão, brasileiros e peruanos celebraram o tratado de suas fronteiras.

Nossa viagem deve demorar em torno de 15 dias. Pretendo escrever algumas observações e, em havendo oportunidade, posso encaminhá-la ao seu blog se assim for de seu interesse.

Um grande abraço.

Arquilau Melo é desembargador do Tribunal de Justiça e presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Acre.

Meu comentário: os leitores e eu já estamos a esperar as primeiras fotos e anotações da viagem por Arquilau Melo, ex-repórter, em Rio Branco, do extinto Varadouro.

4 comentários:

Anônimo disse...

Caros Altino e Arquilau,

Louvável a iniciativa e com certeza trará brilho nos olhos das populações tradicionais que muito clamam por cidadania e por tempos foram esquecidas pelo poder público, para assim sentirem-se parte da sociedade brasileira.

Também sou um admirador da obra e Euclides, e, como o mesmo, também movido pelo por objetivos. Fico ansioso por saber as impressões que virão após o término dessa expedição, conforme colocou o preclaro Arquilau.

Agora a título de reflexão...

Sou membro da Rede ACS – Amazônia – Certificadora Comunitária – que a grosso modo imprime selo em produtos agroecológicos oriundo dos sistemas produtivos de vários segmentos no Acre, Rondônia e Amazonas, dentre eles, ribeirinhos, extrativistas, índios, etc.

Imprimir esse selo “verde” não é o propósito norteador de fundamentação do trabalho da ACS, apesar dele garantir ao consumidor que o produto foi produzido de forma isenta de agroquímicos.

O trabalho de base, de formação política e cidadã e que vem norteando as ações da Rede ACS... por isso o que mais importa para todos os membros da Rede não é somente o selo em si, e sim o que está por trás dele.

É verdade que muito se logrou nesse processo de “formação”, ou de “informação” que nós trabalhamos junto a esses segmentos. Mas somos um pingo no oceano a frente da demanda que nos chega diariamente e muitas vezes nos sentimos ínfimos, por não ter “pernas” para poder abraçar a quem nos procura.

E ainda existe um descompasso muito grande, ao meu ver, em relação as ações do poder público, especificamente no campo da extensão rural.

Um dos grupos que trabalhamos é o Moreno Maia (Grupos dos Agricultores Orgânicos), nas margens do Rio Acre, que sente muito a ausência dos “braços” do Estado por lá. Quando chegamos, sentimos uma reciprocidade tão grande que não foi difícil perceber o porque disso. Justamente por essa ausência, qualquer outra iniciativa que aparecesse, seria muito bem agarrada. E assim foi.

Falo de ausência, mas verdadeiramente, existe sim atuação.
Veja um exemplo: uns técnicos da SEAPROF chegaram por lá com um tal de Proflorestania – recurso para viabilizar e aumentar a produção, segundo esses técnicos – a proposta era de mecanização e distribuição de sementes de leguminosas.

Claro que os comunitários aceitaram a proposta, especialmente pelo recurso ser a fundo perdido. Bem, agora o resultado disso: é uma máxima que em solos as margens de rios e lagos não devem ser mecanizados, pois isso acarreta compactação do mesmo. Ponto final.

Foi claro e evidente, estive eu mesmo lá e presenciei in loco e ainda uma agricultora relatar... olha lá a terra mecanizada (mencionava uma área de quase seis meses, onde fora plantada mandioca – as plantas não cresceram e o solo estava duro feito pedra – e ainda disse... acho que o trator aterrou minha terra.

Lógico. Evidente que isso aconteceria. Sem falar que as sementes de leguminosas nunca chegaram por lá. Outro absurdo.

Altino e Arquilau isso é assistência técnica rural que se possa confiar?

O “braço” do Estado nunca chega e quando chega, chega assim.

Bem, seria maravilhoso termos inclusão cidadã aliado com saúde, educação no campo, segurança, assistência técnica diferenciada... Vocês não acham?

Preclaro Arquilau, parabéns pela iniciativa e espero ter suas impressões muito em breve.

Abraços.
Márcio Menezes.

ALTINO MACHADO disse...

Do assessor Paulo de Tarso, gabinete da deputada Perpétua Almeida:


"Prezado Altino, belezinha?

Lendo no teu blog a matéria do Projeto Cidadão, num texto muito bem articulado pelo Arquilau, peço a possibilidade para quando e onde você achar necessário e oportuno, registrar que toda essa estrutura que será utilizada nas atividades do Projeto é fruto de emenda parlamentar de Perpétua. É um compromisso que ela tem com as populações ribeirinhas e mais afastadas dos centros urbanos. Noutro momento temos a idéia de garantir recursos para o Alto Acre, depois nas regiões do Envira, e assim por diante.



Outro fato é que na MP que faz a regularização fundiária na Amazônia fizemos uma emenda para que essa experiência do Projeto Cidadão do TJ Acre seja utilizada para a tiragem de documentação das milhares de famílias que moram nas remotas regiões da floresta amazônica. Essa proposta foi bem aceita pelo Mangabeira Unger e equipe. Dessa forma toda a Amazônia terá um projeto cidadão para fins de regularização de posse de terra, documentação pessoal e jurídica, com possíveis parcerias junto ao Min. da Saúde.



Abração"

Anônimo disse...

caro altino gosto muito do teu blog com você fico sabendo das coisas do acre essa caravana da cidadania é um otima iniciativa do judiciário acreano, parabéns arquilau . altino parabéns pelo excelente jornalismo.

Anônimo disse...

A Iniciativa do Projeto Cidadão eu o conheço desde o início. É importante ressaltar o quanto ele é interessante para a população que mora distante dos centros urbanos. O acesso à documentação básica é essencial dá o valor que todos devem receber do Estado. Dignidade é isso ter acesso ao que é de direito aos brasileiros. Vale dizer que precisam valorizar os parceiros do Tribunal, o trabalho não se realiza somente por um órgão é um conjunto e também elogiar aos servidores que fazem os trabalhos pois se dispõem a ir. Quanto as impressões do Dr. Arquilau serão muito interessantes pois dirá o que há de diferente hoje do descrito ontem ou se esta tudo igual e espero que ele seja purista. Sem bandeiras ou partidarismos.. seja purista nas suas impressões. Vamos aguardar os resultados.