terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

DE FUTEBOL E SEMENTES

Marina Silva

Não estranhem, vou falar de futebol. Hoje em dia este é o assunto de todas as rodas no Acre, o meu estado. Mas não só pelo futebol em si. Também pela enorme chance de nós e as populações da Amazônia e de vários países da América do Sul, principalmente Peru e Bolívia, nossos vizinhos mais próximos, quebrarmos um tabu. O de que grandes acontecimentos, só em grandes capitais. As demais teriam que se conformar em ser coadjuvantes ou nem isso.

Pois foi cometendo a ousadia dos pequenos que o Acre decidiu enfrentar o tabu e se candidatou junto à FIFA para ser uma das sedes da Copa de 2014 no Brasil.

O fez pelo futebol, pois somos tão apaixonados pela bola quanto todos os brasileiros. Mas, principalmente, porque viu em 2014 a oportunidade de levar adiante a bandeira verde assumida pela Copa de 2006.

De lá para cá, o tamanho dos problemas ambientais do mundo deu um salto exponencial, com o desafio das mudanças climáticas. Entendemos que, numa situação dessas, o evento que mais desperta atenção no mundo deve envolver-se e dar uma contribuição à sua altura para melhorar o futuro de toda a humanidade.

Especialmente quando se realizar no país que tem em seu território a maior parte da floresta amazônica, o grande símbolo planetário da luta pela proteção da biodiversidade e da diversidade social e cultural associadas a um modelo de crescimento econômico sustentável.

Se a coisa passa a ter essa dimensão, pensando bem o Acre não é tão pequeno nem tão periférico assim. Sua história é sui-generis, em primeiro lugar porque é o único estado cujo povo lutou para fazer parte do Brasil, na Revolução Acreana, no final do século XIX.

Na década de 80 o Acre ganhou o mundo com o movimento dos seringueiros e ali começou uma parte muito especial da nossa história. A partir de Chico Mendes ficou claro que a defesa da floresta é também a defesa da diversidade cultural e da sobrevivência econômica de milhares de pessoas que dela dependem; que a idéia de desenvolvimento não pode ser confundida com devastação ambiental; que a floresta amazônica em pé é muito mais importante e lucrativa para o Brasil e para a humanidade do que a sua destruição por quaisquer interesses de curto prazo.

Depois da morte trágica de Chico, seus herdeiros políticos e os movimentos sociais empreenderam, nas duas últimas décadas, um trabalho sistemático de consolidação institucional que tirou o estado de situação crônica de desmandos e violência. Hoje temos o Acre onde se criou o conceito de florestania, que expressa a idéia de desenvolvimento muldimensional tendo como base a existência da floresta e não a sua supressão.

O Acre da Florestania talvez não seja suficientemente conhecido no Brasil. No caso da candidatura à Copa, esse desconhecimento se manifesta por meio de avaliações que ou falam de um Acre que não mais existe ou usam o argumento do "estado pequeno", que também não condiz com o potencial apresentado para a Copa.

Em primeiro lugar, talvez poucos saibam que, já antenados para a fantástica possibilidade de fazer da força motivadora do esporte e do simbolismo da Amazônia um momento de mobilização planetária pelo meio ambiente, o Acre começou a "sonhar" concretamente há muito tempo. E colocou mãos à obra para ter uma estrutura logística condizente com sua demanda.

Essa capacidade está demonstrada no estádio Arena da Floresta, projetado e construído segundo os padrões da FIFA, antes mesmo de o Brasil ser confirmado como sede de 2014. Aliás, do ponto de vista técnico, a candidatura da capital, Rio Branco, está absolutamente dentro dos protocolos da FIFA.

Binho Marques foi o primeiro governador a se apresentar ao presidente da CBF, Ricardo Teixeira, para falar da disposição do estado e de Rio Branco para ser uma das cidades da Copa. A primeira reação foi uma discreta mas indisfarçável surpresa. Depois, ao tomar conhecimento da realidade atual do Acre e da qualidade técnica da proposta apresentada, o interesse aumentou e o projeto chegou às mãos da FIFA, ficando entre os dezoito que foram para a segunda fase.

Rio Branco está numa posição central nas Américas. Num raio de mil quilômetros está uma população estimada de 42 milhões de brasileiros e também de peruanos, bolivianos, chilenos, colombianos e outros vizinhos que poderiam chegar com facilidade a Rio Branco, inclusive por meio da ligação rodoviária com o Pacífico, que já estará concluída em 2014.

Até por essa abertura à participação panamericana, a escolha de Rio Branco terá uma especial grandeza. Mas a maior será, sem dúvida, aliar, num só lugar, dois grandes campeonatos do século XXI: o maior torneio esportivo e o maior desafio civilizatório, que é o de fazer a transição para um modelo de desenvolvimento baseado em valores humanos e respeito ao meio ambiente.

O Acre está acostumado a surpreender. Por que não também agora? Afinal, é próprio do futebol brotar em todos os lugares e nisto está um de seus encantos. O Acre, berço do socioambientalismo, pode ajuder a espalhar sementes de um futuro melhor.

Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre, ex-ministra do Meio Ambiente e colunista da Terra Magazine.

3 comentários:

Anônimo disse...

Realmente está impregnado no discurso dessa gente a questão Chico Mendes e florestania, até mesmo quando vão falar de futebol. Muitas vezes cansa o mesmo discurso.

Anônimo disse...

Ricardo Texeira deixou bem claro quando indagaro a posição geográfica do Acre, ele falou: a copa é no Brasil. Isso significa que em nenhum momento a FIFA está preocupada com a proximidade do Acre a outros países, então não seria requisito técnico. Na verdade a FIFA quer estrutura e o Acre infelizmente ainda não tem. Aqui não é como o Rio de Janeiro que vendedores ambulantes falame em média 3 idiomas. Até mesmo o secretário de turismo, Cassiano, precisou de intéprete na hora de apresentar o projeto. Isso é a realidade do Acre.

Anônimo disse...

Sem contar que essa história do Acre ser modelo de "socioambientalismo" é literalmente coisa do passado. Não há nada neste governo que seja coerênte com essa pretenção da senadora. Nada! Só fachada, fachada, fachada... nem nós daqui aquentamos mais isso. Tá chato tanta mentira. Aff...