terça-feira, 20 de janeiro de 2009

OBAMA CHEGOU

Marina Silva


A partir de hoje Barack Hussein Obama deixa de ser hipóteses e especulações e passa a ser realidade. E terá que se confrontar com milhões de expectativas internas e ao redor do mundo.

As divagações se misturam às análises baseadas em números e correlações políticas. Na crise econômica, no Iraque, na guerra incessante no Oriente Médio, nas carências da África, no impulso às medidas para enfrentar o aquecimento global, no fim de Guantanamo e do embargo a Cuba, na mudança da postura belicista e intervencionista, em tudo espera-se que Obama coloque a mão de maneira nova, diferente, histórica.

O período de transição entre a eleição e a posse reduziu a ansiedade e mostrou uma postura cautelosa, cheia de mediações. A conjuntura justifica todo o cuidado. A crise econômica só fez piorar desde novembro. O noticiário da véspera da posse fala no maior índice de desemprego nos últimos 16 anos. Numa única semana foi anunciado o corte de 50 mil vagas. E os demais indicadores também não vão nada bem.

As previsões são de que o presidente tenderá a ser conservador para enfrentar essa maré, o que significa, por exemplo, manter ou até radicalizar na política protecionista prejudicial aos países em desenvolvimento. Mas nada justifica acreditar que Obama se manterá nos limites da cartilha. Ao contrário, ao que tudo indica está procurando saídas inovadoras, que não reduzam a crise a respostas previsíveis de curto prazo. Isso aparece no relevo dado ao trato de questões de fundo, ao mesmo tempo em que se equaciona o impacto imediato da crise.

Propostas para meio ambiente, ciência e tecnologia e educação mostram a presença da perspectiva de médio e longo prazos nas soluções para as urgências. A manifesta intenção de reduzir significativamente a emissão de gases estufa e a criação de empregos "verdes", ou seja, decorrentes de investimentos em energias limpas, são pontos fortes da inovação comprometida com o longo prazo e acompanham a tendência mundial para reagir à crise ambiental.

A Folha de S. Paulo desta segunda-feira fala de estudos que alimentaram a equipe de transição de Obama e projetam um excelente retorno do investimento em energia limpa. Ele cria cerca de duas vezes mais empregos do que o gasto em combustíveis fósseis. Além disso, um investimento de 100 bilhões de dólares em eficiência energética e tecnologia renovável poderia criar dois milhões de vagas em dois anos.

Ao lado das equipes que apostam na modernização estarão, porém, no mesmo governo, os membros da área econômica que fazem a ponte com os setores mais conservadores da sociedade americana, tradicionalmente avessos a concessões à preservação do meio ambiente e descrentes em soluções ambientalmente corretas.

A grande demonstração de sabedoria de Obama será manter esses lados em equilíbrio para que as tendências inovadoras tenham pelo menos a chance de se firmar e se capilarizar nos processos de governo e junto à sociedade. O que se espera de Obama, mais do que implantar novidades imediatas, será criar as condições para o florescimento e consolidação de mudanças que já estão em curso nos Estados Unidos e se revelaram durante o período eleitoral.

A própria eleição de um presidente negro, de nome Barack Hussein, é uma quebra de paradigma simbólica de um novo arranjo de forças alicerçado mais na sociedade do que no jogo político-partidário.

Há muito não se via tanta energia política numa eleição americana e essa energia, vinda sobretudo da participação da juventude, não dá mostras de que se recolherá após a posse de Obama. Tomara que não. Tomara que continue lembrando cotidianamente que votou na mudança e quer a mudança. É um antídoto necessário e fundamental contra as armadilhas do poder e as pressões sub-reptícias.

Ao contrário da frase infeliz e subserviente de algumas décadas atrás - o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil - talvez hoje se possa dizer que a renovação política americana será boa para o mundo.

O presidente Barack Obama, com seu carisma, credibilidade e habilidade já demonstrados, tem tudo para ser a figura chave dessa renovação. Que não esqueça a sua bela história de vida, da qual a diversidade e o respeito às diferenças são parte essencial. Que não esqueça nunca a figura ousada, generosa e intuitiva da mãe, Stanley Ann, de quem disse: "o espírito mais generoso que já conheci; o que existe de melhor em mim eu devo a ela".

Ela se casou com um africano, depois com um asiático, morou na Indonésia, dedicou-se a defender os direitos das mulheres trabalhadoras e a criar o microcrédito para os pobres. E acima de tudo, criou os filhos de maneira não-convencional, mas respeitando sua autonomia e exigindo que explorassem suas capacidades e talentos. Na Indonésia, acordava Obama às quatro da manhã para que estudasse inglês e ouvisse discursos de Martin Luther King.

Que Obama tenha tirado dessa convivência o essencial para ser um grande presidente: a sensibilidade, o despojamento, a generosidade e a determinação. É de onde pode vir a força que inspirará a política e a economia para fazer a nação mais poderosa do planeta se mover.

Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre, ex-ministra do Meio Ambiente e colunista da Terra Magazine.

2 comentários:

Unknown disse...

Como sempre beleza de artigo de nossa Senadora. No final falando dos cuidados da mãe do Presidente Barack Obama, quando o acordava às 4 da manhã, vejo que isso está faltando para nossos filhos, DISCIPLINA.

Cristina Sartori disse...

Como posso blogar este texto?