Marina Silva
José Lutzenberger, inesquecível pioneiro do movimento ecológico no Brasil, escreveu em 1999 um artigo na Gazeta Mercantil, no qual protestava contra o patenteamento de sementes e alertava para as conseqüências da introdução da semente transgênica Roundup Ready, ou RR, no Brasil.
A Einstein, dizia Lutzenberger, jamais teria ocorrido patentear sua idéias, assim como Watts e Crick, que desvendaram a estrutura molecular do código genético, "não tiveram a presunção de requerer patente para sua descoberta." Que monumental presunção, prosseguia Lutz, querer patentear gens, seres vivos, partes de seres vivos e processos vitais!
E no entanto, denunciava, empresas transnacionais que durante décadas condicionaram a agricultura ao uso exagerado e mesmo indiscriminado dos agrotóxicos, "preparam-se para arrebatar do produtor agrícola um dos últimos fatores do que lhe sobra de autonomia - a semente." Falava da "compra casada" - semente mais herbicida - a que o agricultor gaúcho era obrigado a se submeter, no momento em que a soja transgênica patenteada era introduzida no estado.
Lutz previa o monopólio global que vinha pela frente, com a compra das empresas independentes de sementes e a subordinação, cada vez mais grave, dos agricultores às transnacionais. O que pretendem, acusava, "é deixar sobreviver apenas as grandes monoculturas comerciais que dependem totalmente de seus insumos, cada vez mais caros, e que têm que entregar seus produtos a preços sempre mais manipulados".
José Lutzenberger morreu em 2002, aos 75 anos. Em 2003, sua perspicácia e combatividade fizeram falta quando se deu o auge da discussão sobre a expansão da soja transgênica no País. Naquela ocasião, como agora, defendíamos a necessidade de realização do processo de licenciamento ambiental, por três motivos básicos:
1) precaução diante de possíveis impactos danosos ao meio ambiente e à saúde humana, detectados pela pesquisa científica e relacionados à perda de biodiversidade, contaminação de solos e ocorrência de alergias;
2) garantia de condições para que o cultivo convencional não fosse contaminado pelas sementes transgênicas, permitindo ao Brasil aproveitar oportunidades de mercado como exportador de soja convencional, num quadro de restrições, sobretudo dos países europeus, ao produto transgênico;
3) o risco da dependência dos agricultores às empresas detentoras da patente.
Um dos argumentos pró-soja transgênica era o de que os custos da produção seriam pelo menos 30% menores do que os do cultivo tradicional. Pois bem. No final da safra 2007/2008, a Confederação Nacional da Agricultura concluiu que o custo da produção da soja RR no Mato Grosso foi maior do que a soja convencional. A principal razão foi o aumento no valor do herbicida, aquele da compra casada e do qual o agricultor não pode se livrar porque faz parte do pacote tecnológico da semente.
E uma notícia recente, publicada no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, dá conta de que a multinacional Monsanto decidiu aumentar em 16,67% o valor dos royalties que cobrará dos agricultores pelo uso de sua semente patenteada, na safra 2008/2009. Entidades de classe da agricultura gaúcha, tradicionais defensoras da liberação da soja transgênica criticaram a medida, inclusive por ter sido tomada "sem conversas com o setor".
E dos produtores que usarem sementes próprias será cobrada a taxa de 2% sobre o valor da saca vendida, a título de indenização à Monsanto por terem "usado indevidamente" a tecnologia patenteada ao multiplicar as sementes.
Ah, se Lutz estivesse vivo para ver a que ponto estava certo! Talvez seja um bom momento para voltar ao debate dos transgênicos, agora que a realidade mostra que nem sua principal justificativa para liberá-los - a de redução drástica de custos - era verdadeira.
◙ Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre, ex-ministra do Meio Ambiente e colunista da Terra Magazine.
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