Espera-se que o Ministério Público e os órgãos ambientais evitem a política de avestruz, conforme optaram por fazer há pouco mais de um ano, quando o “sonho petrolífero" do senador Tião Viana ganhou forma
A notícia “ANP estuda existência de petróleo em Cruzeiro”, de autoria de Genival Moura, da Tribuna do Juruá, reproduzida na edição d’A Tribuna de domingo, informa sobre a visita à cidade de Cruzeiro do Sul de dois representantes da Agência Nacional do Petróleo (ANP), acompanhados do vice-presidente e do gerente operacional da High Resolution Technology & Petroleum (HRT).
Segundo a matéria, os técnicos iniciaram o planejamento de uma nova etapa da prospecção de petróleo e gás no Alto Juruá. O levantamento das condições logísticas na região, o sobrevôo em certas áreas e os primeiros contatos com os órgãos ambientais são pré-condições para a atividade de coleta de amostras do solo em dois mil locais na região, todos situados fora de terras indígenas, unidades de conservação e outras áreas de preservação.
A HRT ganhou a licitação aberta pela ANP para executar esse estudo. Caso os resultados sejam positivos, o que, segundo os técnicos da ANP, parece bastante provável, devido à proximidade dos campos já em prospecção e operação no Peru e na Bolívia, na nossa fronteira comum, uma nova licitação será aberta, para a concessão da exploração a investidores interessados.
Desde que o projeto de prospecção e exploração de petróleo e gás no Estado do Acre foi primeiro anunciado pelo senador Tião Viana, em abril do ano passado, a transparência, a discussão com a sociedade e a consulta às populações da floresta, cujos territórios e modos de vida serão afetados, estiveram completamente ausentes. Diferentemente, procurou-se capitalizar politicamente com uma iniciativa que, segundo novamente revelam os técnicos da ANP, integra o plano plurianual da Agência e visa identificar novas bacias sedimentares na região amazônica.
Nenhuma visibilidade foi dada, por exemplo, ao início da prospecção aérea na região do Juruá, executadas nos últimos meses pela Lasa Engenharia e Prospecções Ltda., vencedora, com uma proposta de R$ 21 milhões, de edital aberto pela ANP em final do ano passado. Aviões sobrevoando, a alturas bem reduzidas, muitas vezes à noite, se tornaram um constante na região, para espanto e temor dos moradores da floresta, inclusive de terras indígenas e unidades de conservação, totalmente desinformados sobre a atividade e seus reais objetivos.
Ainda que, nesta nova etapa da prospecção, as coletas de fato não ocorram em terras indígenas ou em unidades de conservação (respeitando o que até segunda ordem estipula a legislação), vale lembrar que as florestas do Alto Juruá são habitadas por populações tradicionais, de seringueiros e agricultores, as quais, em momento algum, foram consultadas sobre a possibilidade de uma futura prospecção e exploração de petróleo e gás em seus locais de moradia.
Resta se perguntar se, no atual contexto, os órgãos ambientais, agora consultados pela ANP e a HRT, cumprirão com suas atribuições e, além de exigir o estrito respeito a todos os requisitos legais e às salvaguardas ambientais, darão ampla divulgação para a sociedade sobre as atividades a serem executadas e as metodologias e procedimentos a serem adotados pela empresa ganhadora que realizará a coleta de amostras de solos e o seu estudo.
Se dos políticos, pelo visto até agora, pouco ou nada se pode esperar quanto à transparência e à discussão aberta e à consulta à população, espera-se que os órgãos ambientais venham a cumprir esse papel de informação. É de se esperar, conforme já dito, que os Ministérios Públicos Federal e Estadual, o Ibama e a Secretaria de Meio Ambiente cumpram desta vez o seu papel, e não adotem uma política de avestruz, conforme optaram por fazer há pouco mais de um ano, quando o “sonho petrolífero do senador” ganhou forma.
O argumento de que a exploração de petróleo e de gás, por meio da distribuição de royalties, atrairá investimentos e constituirá uma redenção econômica para o Juruá, torna a ser repetida, agora pelos técnicos da ANP, a exemplo do que ocorreu quando políticos e empresários tentaram, no ano passado, empurrar o projeto goela abaixo da população.
Desconsidera-se, novamente, que se pretende “socializar” um prejuízo, social, ambiental e cultural, deixando o ônus para as populações da floresta, para “privatizar” supostos ganhos futuros, políticos e econômicos, em mãos das mesmas elites de sempre. Dá para confiar que prefeitos acreanos, “gestores públicos” que tiveram recentemente péssima avaliação pelo TCU farão uma adequada gestão dos recursos dos royalties, aplicando-os em fins sociais de urgente necessidade? Dificilmente.
Consultas prévias, informadas e de boa fé, conforme estabelece o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho, serão necessárias neste novo contexto. E mais: consultas específicas à população da floresta, evitando que ela arque com todo prejuízo, após décadas de luta e de mobilizações para garantir um pedaço de chão para morar e viver dignamente.
A ausência de qualquer consulta na mudança do fuso horário, projeto do mesmo senador, se espera, deve ter trazido o aprendizado de que é infinitamente melhor prevenir, e respeitar o povo, do que tentar remediar, prometendo o que depois nem se sabe se será possível cumprir.
2 comentários:
Caro Altino
Essas notícias abrem espaço para algumas indagações:
Primeiro, quais medidas foram tomadas junto às instituições públicas responsáveis pela políticas de proteção aos povos indígenas? Nunca é demais lembrar que a existência de tais instituições é resonância das demandas sociais, do clamor das populações, quanto aos povos indígenas, sendo, portanto, de interesse público, custeadas com recursos públicos. De qualquer forma tais instituições, como FUNAI e outros setores do Ministério da Justiça, devem explicações ao povo, notadamente no Acre, sobre o seu desempenho.
Em segundo lugar, como agem em território do Estado do Acre, qual o nível de conhecimento do que é feito pela ANP e qual a participação dos diversos níveis de governo - estadual e municipal - no Acre?
Ou será que o Acre está sob intervenção federal e ainda não sabemos? Se estamos sob intevenção, é dado a ANP o direito de agir sem qualquer consideração das leis sobre a proteção indígena ou ao arrepio do Zoneamento Econ. Ecológico do Estado? Em termos mais gerais, ainda nos termos das considerações do teu texto, a ação da agência federal que, certamente, provocarão efeitos amplos sobrea as populações regionais, podem ser desenvolvidas de forma subreptícia, às escondidas, sem dar ao povo acreano qualquer informação?
Espero que o Ministério Público, no Acre, cobre explicações e torne públicas as respostas.
Caro Altino,
Estou no Rio de Janeiro, em tratamento, e só agora pude ler e ter contato com as notícias do Acre. Dia desses enquanto aguardava o médico em um leito do hospital onde estou me tratando vi rapidamente uma matéria exibida pelo Amazon Sat falando justamente da viajem da equipe da ANP ao vale do Juruá. Estranhei, pois, as imagens apresentadas eram todas do PNSD. Será que pesquisam em área de preservação mesmo afirmando que não haverá exploração em terras indígenas e áreas de preservação?
Insisto em dizer que a omissão da verdade é muito grande. No cobgresso existem projetos para serem votados que visam a exploração mineral em terras indígenas e, acredite, serão votados na surdina como tem sido o péssimo costume de políticos autoritários que se julgam "senhores do tempo e da natureza".
Fico muito feliz também por ver os textos do Sevá sobre o Xingu. A presença dele lá foi de muita importância. Eu não pude estar no encontro mas os amigos que lá estiveram disseram que a fala dele foi brilhante. Grande abraço ao Sevá !!
Sempre que puder acessarei o Blog.
Bom trabalho
Lindomar Padilha
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