domingo, 6 de julho de 2008

CARTA AO ZÉ ALEXANDRE

Maria Adizia de Mesquita Araujo

Carta ao Zé (Joseh Alexandre Leite Leitão)

Oi, Zé

Precisei dos parênteses para mostrar às pessoas que tu não eras José, mas Joseh. Detalhista, perfeccionista, sei que se incomodaria em ver teu nome grafado de forma incorreta, nesse momento em que ele está nas manchetes de todos os jornais e sites de notícias da cidade. E é sobre eles que quero falar, ou melhor, o que eles falam de ti e sobre o que te aconteceu.

Após uma longa noite de insônia, levanto na quinta-feira da manhã do dia 3 de julho e alguém ao telefone me avisa: “Mataram o Zé Alexandre, veja o site...” (não cito o nome por razões óbvias). Minha primeira reação foi dizer: é mentira, não pode ser, deve ser um engano, essas coisas que a gente diz quando não quer aceitar um fato.

Então acessei o tal site e me deparei com uma dupla violência – a da tua morte, que então se confirmava, e aquela representada pelas imagens ostensiva e escandalosamente mostradas ali. Fotos que violavam e violentavam a tua integridade, a tua privacidade, a tua dignidade. E pensei: por que tinham que matá-lo duas vezes? Um crime só não bastaria?


Com a tua perda, sinto como se estivesse perdendo também grande parte da minha infância e da minha juventude, um passado que costumava lembrar e cultuar com carinho e alegria, pois que nele a tua linda presença era uma constante.

Daqui em diante essas memórias estarão meio que enevoadas, pois a cada vez que lembrar de ti, e isso quer dizer todos os dias, as imagens felizes irão se misturar àquelas horríveis que vi no site.

Terei que fazer um esforço enorme para isolar estas últimas e lembrar apenas dos momentos importantes que vivemos juntos, felizes ou tristes, mas certamente todos eles marcados por profundo amor.


Se isso não bastasse, um dia após a tragédia, leio na coluna de um jornal impresso que o teu assassinato, que a tua morte, foi “desnecessária”. De imediato lembrei que ouvi algo parecido durante o velório; achei estranho, mas estava na ocasião muito atordoada para reagir.

Talvez a pessoa que tenha dito isso estivesse tão atordoada quanto eu, sem condição de refletir sobre o significado daquelas palavras. Talvez ela estivesse querendo dizer: “se o desejo era matar, por que torturar?” Ou então: “se queriam roubar, por que não levaram tudo e o deixaram vivo?”.

Mas ver isso escrito me fez pensar: será que chegamos ao ponto de classificar a barbárie, será que chegamos ao ponto de acreditar que há assassinatos mais ou menos graves, desnecessários e necessários?


A notícia boa é que esses mesmos jornais enaltecem e fazem justiça à tua biografia e à tua luta contra os preconceitos de toda ordem, pelos direitos humanos, pela liberdade, por um mundo mais justo e feliz.

Dadas as atuais circunstâncias, minha crença nessa possibilidade está meio abalada, pelo menos no que se refere a essa pequena e miserável partícula de mundo que conhecemos.

Mas um outro tipo de crença (baseada mais na esperança do que na fé – ou seria tudo a mesma coisa?) me diz que tu agora habitas uma outra partícula, uma outra dimensão desse mundo onde talvez a felicidade seja possível.

E espero (quase que sinto isso) que possas dividi-la com teus avós, pais, parentes e amigos que apressadamente te antecederam nessa viagem. Se eu estiver certa, dá um grande abraço no Arthur e no compadre Rui por mim, tá?


Por hoje é só. Socorrinho, Clélia, Élcio e as meninas mandam vibrações carinhosas. As férias em Maceió não serão mais as mesmas sem ti. Maria Olívia ainda não sabe da tua partida.

Dessa tua amiga-irmã, recebe “todo amor que houver nessa vida”

Rio Branco, 5 de julho de 2008

Maria Adizia de Mesquita Araujo é professora, casada com Heleno Araújo e mãe do Gabriel. É filha de dona Ivinha e do ex-governador Geraldo Gurgel de Mesquita e irmã do senador Geraldinho Mesquista (PMDB).

2 comentários:

Unknown disse...

Quero solidarizar-me com o Marcos, irmão do Zé Alexandre, endossando, sem qualquer ressalva, os termos da carta da Adizia. Eu os vi crescer (ela inclusive), ali, no Bairro do Ipase, vizinhos que fomos, por tanto tempo, e onde eram vistos como crianças educadas e integradas numa família tranqüila.

Há quem imagine os momentos da eternidade como uma redução infinita no ritmo da passagem do tempo – é como se o tempo parasse diante da nossa pequenez diante do infinito mundo. Notícias como a do assassinato do Zé Alexandre cria a mesma sensação. Incapazes de aceitar a dura realidade vivida, mergulhamos na desmedida brutalidade de um gesto que nunca poderíamos imaginar praticado contra uma pessoa que se mostrava a própria incapacidade de qualquer violência contra quem quer que fosse.

Resta a animar os gestos de cada um dos que o conheceram a vibração positiva das atitudes pacificas que orientaram a vida do Zé.

Paz, Marcos.

Unknown disse...

Quero deixar meu grande abraço pro Marcos, pra Conceição, Marcos Wilson e Igor.Se nós que éramos amigos de toda familia, que brincamos( e fomos vizinhos por longos anos) em nossa infancia querida e em nossa doce adolescencia,estamos abaladissimos , quanto mais a familia biológica !!!....Zé ....a carta da Adizia me emocionou demais.....tudo que ela disse era o que gostariamos de te dizer também..!!!!Que Deus em sua infinita misericórdia derrame em toda sua familia, chuvas de bençãos, sem medidas e que eles possam de agora em diante conviver com esta SAUDADE , que será eterna!!!