Eugênio Bucci
Mapas são imagens fixas – que, no entanto, se movem.
Aliás, acabam de mover-se no Brasil. Leio no Estado de S.Paulo e na Folha de sexta-feira (25/4), num vôo de São Paulo para Brasília e depois de Brasília para João Pessoa, que o presidente da República sancionou a lei segundo a qual o fuso horário do Pará e o fuso horário do Acre ficam de hoje em diante em outro lugar – outro lugar no tempo, eu quero dizer. Revogam-se as disposições em contrário. Olho para o estado do Acre, no mapinha que a Folha publicou [ver a imagem ao lado]. Acho que os infografistas erraram no caso do Pará, que continua exatamente igual no mapa do "antes" e no mapa do "depois". O texto diz que o Pará, inteirinho, adotará um fuso só a partir de agora. Mas o mapa contradiz o texto. Tudo bem.
O que mais me comove é o efêmero estado do Acre. Pobre estado do Acre. O Acre não está mais onde costumava estar, quero dizer, no horário em que costumava existir. Àquele horário, o Acre já não pertence. O Acre sumiu dali, isto é, aquele fuso sumiu de cima do estado do Acre. Cadê o Acre?
Eis então que ele reaparece em outro horário. Por força da sanção do presidente da República, o Acre empreendeu uma viagem no tempo. O poder político suprimiu-lhe uma hora, aquela famosa hora-a-mais. Sua hora foi-se. Virou pó. Alguns acreanos talvez se indagem: o que eu poderia ter vivido naquela hora, justamente da hora que não houve? A hora que jamais terei? São perguntas vãs, quase tolas, posto que aquela ora apenas mudou de lugar, digo, de tempo. No entanto, são interrogações mortais. Como o tempo não é um dado natural, mas lingüístico e político, é apavorante que possam nos arrancar um minuto que seja por decreto. E podem.
Quando a Igreja ajustou o calendário, em 1582, foi bem pior. Suprimiram dez dias inteiros. Quem foi dormir no dia 4 de outubro de 1582 acordou no dia 15 de outubro. Mesmo hoje em dia, quando nos suprimem um minuto que seja, ainda é incômodo. Estão nos suprimindo o chão. Num lapso, passamos a pisar o vazio. Em seguida esse chão temporal será refeito, é fato, mas por um átimo ficamos no vazio. Despencando, soltos, não no espaço, mas no tempo.
Olho o mapa da Folha e penso outra vez que a imagem fixa se move. Lá está o Acre, que desapareceu de onde estava e ingressou onde não existia. Quero dizer: o Acre agora é onde antes não estava. Mas está. E ainda é.
◙ Eugênio Bucci é formado em direito e jornalismo pela Universidade de São Paulo, é doutor em Ciências da Comunicação pela mesma universidade e autor de alguns livros, entre eles Sobre Ética e Imprensa (Companhia das Letras, 2000); foi presidente da Radiobrás entre 2003 e 2007. Leia o artigo completo no Observatório da Imprensa.
6 comentários:
"... o Acre empreendeu uma viagem no tempo. O poder político suprimiu-lhe uma hora, aquela famosa hora-a-mais. Sua hora foi-se. Virou pó. ... Como o tempo não é um dado natural, mas lingüístico e político, é apavorante que possam nos arrancar um minuto que seja por decreto."
Nada mais, nada menos.
Eugênio Bucci é o filósofo do 'Tempo Zero' e da 'Sociedade do Espetáculo'. Discípulo do francês Guy Deberd, tem uma visão que poucos entendem sobre o tempo no espaço público da imagem estabelecido pelo homem a partir das novas tecnologias de comunicação. Consegue agora traduzir como ninguém o significado da mudança de fuso horário almejada por alguns no Acre. Tem gente aqui que pensa que desenvolvimento é colocar o Acre no tempo da imagem, em comum com o Sudeste brasileiro. Desde que cheguei no Acre em 1996, percebi que: o fuso com duas horas a menos era vantagem para os acreanos. Por exemplo, o domínio do horário nobre na televisão (o lugar símbolo maior do tempo da imagem) no Acre não era exercido como nos outros estados. Aqui o horário nobre (das 7h às 9h da noite) era de domínio das Tvs locais. O Acre era (de uma certa forma) liberto da padronização exercida no horário nobre pelos grandes grupos de comunicação. Por isso, as notícias e fofocas locais (para o bem ou para o mal) sempre prevaleceram sobre as nacionais. Com a mudança de fuso, o Acre começará a ser um pouco mais padronizado e tiranizado pelos pensamentos nacionais de massa, em detrimento da produção de imaginários locais, mais estimulantes da própria identidade. Agora, quem acha que a independência da produção local de tempo estava prejudicando o desenvolvimento do Acre, não percebeu ainda que está indo de encontro com a necessidade cada vez maior de independência e identidade, como valores fundamentais, mesmo, e principalmente, num mundo cada vez mais globalizado. O Acre era o último lugar possível para se estimular uma independência e originalidade fora do tempo sincronizado nacional. Ao invés disso, se rendeu. Queria só saber se no sangue de luta e resistência indígena, que a maioria de nós ainda temos, não vai aparecem alguém que tente empatar essa rendição, nem que seja num empate no lugar do tempo zero do mundo da imagem. Já pensou, Altino, a notícia: Acreanos não aceitam novo fuso e chegam atrasados no trabalho.
O meu tempo é outro...
Segundo o jornal Página 20, deste domingo, o senador Tião Viana afirma que com a mudança do fuso horário "...teremos uma integração comercial melhor com o Centro-Sul, com o sistema financeiro e com os meios de transporte e comunicação...".
Pois é, exatamente, como se dizia ser a motivação apra mudar o fuso horário. Só faltou perguntar ao povo se queria resolver os problemas dos empresários das comunicações (entre estes, os donos das redes de tv) e outros.
Gostem ou não gostem...Queiram ou não queiram...Promessa feita, promessa cumprida!!!
"VAMOS TRAZER O FUTURO PARA O ACRE!"
Pelo menos "ADIANTARAM" em 01h!!!!!
Desde a aprovação, todos os dias, eu me acalmo dizendo-me: não acredite que a mudança foi provocada por imposição das "grandes", eles aprovaram para o bem dos acreanos. Chego ao final do dia já pensando em amanhã, e fatalmente me lembro que a antiga URSS tinha 12 fusos, hoje a Rússia - me corrijam se estiver errado - tem 09 fusos e ninguém lá vive mais ou menos feliz por causa disso. Então como nós eleitores demos a procuração para eles fazerem por nós, acatemos com subserviência e esperemos pela próxima imposição. P.Q.P.!!!
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