terça-feira, 30 de outubro de 2007

VALEU A PENA VOLTAR AO PASSADO

Cristovão Tezza


Um saudoso amigo meu, Ariel Coelho, costumava dizer que nunca vale a pena voltar ao passado. Muitas vezes comprovei a verdade dessa frase irônica, mas às vezes temos boas surpresas. Uma delas foi rever Rio Branco e o Acre, mais de 30 anos depois.

Minha ligação com o mais original Estado brasileiro começou em 1972, quando acompanhei meu irmão [o advogado João Tezza] numa viagem de teco-teco, um Cessna, que saiu de São Paulo e chegou em Rio Branco 10 dias depois, parando em Londrina, Corumbá, Cuiabá, Vilhena e Porto Velho - foi uma aventura inesquecível, como inesquecíveis foram os três meses em que fiquei lá pensando no que fazer da vida.

Na volta a Curitiba, decidi tirar o brevê de piloto, decidido a imitar Saint-Exupéry e voar no espaço e na literatura. Felizmente alguém me tirou essa idéia da cabeça - se eu tivesse seguido o impulso, certamente, estabanado que sou, já estaria definitivamente no céu (na melhor das hipóteses), e não contando essa história.

Cinco anos depois voltei, recém-casado, fechando minha falida oficina de conserto de relógios em Antonina e mais uma vez tentando decidir o futuro. Dessa vez deu certo - por sugestão da Betinha, minha mulher, e por uma sucessão de acasos, fiz vestibular para Letras na então Fundação Universidade Federal do Acre e finalmente comecei a consolidar uma via de sobrevivência capaz de sustentar os sonhos do escritor.

Desse ano de 1977, tenho boas lembranças, entre elas uma interminável viagem a Natal (RN), representando o Acre na equipe de Xadrez - o jogo! - nos Jogos Universitários daquele ano, na boa companhia dos colegas Francisco Dandão (o ótimo cronista de "A arte do chute na rede do improvável") e Ruy Isoppo.

Pelo tamanho da viagem, descobri que o Brasil é mais largo do que alto - os mapas enganam! No ano seguinte, voltei para Curitiba, e ingressei na UFPR, onde estou até hoje, como professor. E agora há pouco, patrocinado pelo maravilhoso projeto "Sempre um Papo", dirigido por Afonso Borges e coordenado, no Acre e em Rondônia, por Fred Perillo, revisitei Rio Branco e revi amigos.

Foi uma visita curta, mas deu para sentir a mudança extraordinária - fiquei vivamente impressionado pelo padrão urbano da cidade, comparativamente com aqueles velhos tempos que conheci. Basta um exemplo: o célebre Parque da Maternidade, à margem do qual, três décadas atrás, eu sofri com as enchentes e todo tipo de desconforto, morador das redondezas, se transformou num espaço público maravilhoso, que respeita ciclista e pedestre (e o índice de civilização começa pelo pedestre, não pelo motorista) - e observei em cada detalhe da cidade por onde passei, ciceroneado pelo meu irmão, sempre apaixonado pelo Acre, o cuidado urbano e o desejo das coisas bem feitas.

Desta vez valeu a pena, sim, voltar ao passado.

Pedi ao escritor Cristovão Tezza o depoimento acima. Além de nos atender generosamente, ele ainda enviou um desnecessário pedido de desculpa: "Prezado Altino, nem sei como me desculpar pela demora em responder a você - mas, de fato, graças ao meu livro "O Filho Eterno", tenho viajado praticamente toda semana - e, no entremeio, tenho ainda meus alunos na universidade para cuidar! Mas agora tirei uma folga e fiz o depoimento abaixo. Acho que era isso, não? Espero que você goste. Espero também que você já esteja totalmente recuperado de seus problemas de saúde. Abraço grande e até mais". Clique aqui para conhecer o website do escritor, a quem agradeço de coração.

3 comentários:

Saramar disse...

Altino, seu blog já se tornou referência pelas personalidades que aqui aparecem.
Tezza, este respeitável escritor, está em excelente companhia por aqui.
Parabéns.
Creio que a cidade também se sente feliz pelas palavras elogiosas e saudosas de Tezza.

beijos

Luciano Martins-Costa disse...

Beleza de texto.

O Acre tem desse encanto,
Como uma febre insistente
Que fica no sangue da gente.
A cor do céu, ou um canto
que vem da mata distante
- ou a lembrança renitente
de um olhar insinuante.
(o povo te olha de frente).
Você chega, vai-se embora,
carrega uma saudade estranha.
Dois lugares são assim:
um, o Acre, outro, Espanha.

Anônimo disse...

Estou lendo o livro, o cara é fera!Além de muito bonito na foto do blog.