quarta-feira, 10 de outubro de 2007

CONFISSÃO PÚBLICA

Leila Jalul

Se, algum dia, em algum lugar, tiver coragem de fazer uma auto-declaração de inteligência, podem mandar me prender. Quando muito, posso afirmar que sou curiosa, irreverente, livre de amarras e, sempre que possível, crítica. Aliás, crítica é eufemismo. Estou mesmo é sem paciência de ouvir gente querendo se promover, seja como for. Minha condição de aposentada me permite ir além do ócio. Vou escrevendo, escrevendo, escrevendo, quem sabe um dia acerto. Recebi, sob encomenda, um pedido para falar sobre a mudança do fuso horário no Acre.

Escuta, mas não sou geógrafa, nem médica, nem política. Aliás, sou apenas uma mulher que envelheceu, com dignidade, muita dignidade. Se tenho algum predicado, resume-se a isto. Já trilhei vários caminhos, dormi em camas repugnantes, pela necessidade humana de dormir e de querer amar. Isso não diminuiu minha dignidade. Eu sou a mandatária e medidora do meu padrão de dignidade. Fim.

Fuso horário? Mudança, nivelamento, desejos de unificação? Isso passa longe, a mil anos-luz da minha necessidade de falar sobre. Se quiserem falar sobre as motivações, tudo bem.

O deputado Moisés Diniz, que merece respeito, não só o meu, mas de muitos, alega que, eliminada essa "aberração" (o destaque é meu), pode-se, ao mesmo tempo que os demais brasileiros, sacar dinheiro em bancos eletrônicos, aproveitar a calidez das manhãs para os exercícios físicos, e, agora digo eu, principalmente, adaptar os horários das grades das emissoras de televisão para que os nossos jovens e crianças não assistam as putarias das novelas, dos programas humorísticos, e blá, blá, blá, blá. Blá, blá, blá. Blá, blá, blá, blá, blá.

Como esse negócio de fuso horário está na esfera federal, a idéia foi acolhida pelo senador Tião Viana e pelas emissoras de televisão amazônicas (não necessariamente nesta mesma ordem), meras repetidoras dos canais localizados onde as pessoas estão mais adiantadas, prejudicando as de onde se encontram os retardatários. Tião foi o signatário. Tudo que entra naquele ambiente, atualmente tão degradado, tem que ter um signatário. Como fazer para equalizar? Essa é a pergunta que não quer calar. Mas existem outros questionamentos. A ver:

- o Acre, medindo apenas as capitais, tem uma hora a menos que Porto Velho, Manaus e Cuiabá e duas depois de Campo Grande. Há três fusos diferentes, com quem vamos mexer?

- quem tem que dormir mais cedo e acordar quando está escuro, sem sobreaviso do galo do corno do vizinho?

- em determinado momento, a diferença passa a ser de três horas, quando do horário de verão. Aí a coisa encrenca! O Brasil grande tem que poupar energia e o "ministério da censura" não quer que a novela das 21 horas passe lá (lá é aqui) por volta das 18 horas. E o Bom Dia Brasil, às 4 da madrugada, quem vai ver?

Afinal, nós não podemos nos sacrificar, pensam os responsáveis da programação. Os amarelos lá de cima agüentam as pontas. Se mais cedo, ou se mais tarde, que importância têm? São a minoria e como tal, merecem respeito. Todas essas discussões, no meu jeito de pensar, podem trazer mudanças apenas na capacidade de conformação dos povos da mata. O nordeste relutou e ficou como estava. E vai continuar, apesar do ACM ter-se transportado para o reino de Jesus.

Agora, se quiserem fazer uma discussão séria sobre fome, prostituição infantil, desenvolvimento cultural, bolsa de valores, ladrões, políticos tipo Renan, obedientes de políticas vazias, sem problema. Basta parar o relógio à meia noite em ponto, e descer dos saltos, dos interesses inescrupulosos, e discutir.

A Amazônia não tem nem terá mais, nem menos prostitutas depois da Bebel. Nem mais, nem menos criminosos depois do Olavo. Calhordas não perguntam as horas para suas ações. As madrugadas são madrinhas dos calhordas, e os gabinetes os preservam, ainda que à média luz. Desde que nasci, li e aprendi que na minha região, só há duas estações: verão e inverno. Nas duas chove, ou não. Não há outono quando as folhas mortas caem no chão, nem primavera quando pipocam as cerejeiras em flor, as azaléias teimosas e os girassóis empertigados.

E o povo é sempre obediente, hibernando, apesar de tudo. E de todos. Há fome, ignorância, moradias indecentes, fossas negras, má alimentação, violência e falta de saneamento básico, inclusive falta de água para beber. Mudando o fuso horário, muda tudo? Estão esperando o quê?

6 comentários:

Anônimo disse...

Abaixo a implicância contra os anônimos!!!!!!

Não me envergonho de “postar” comentários como anônimo, mesmo pq em nenhum faço acusações levianas, não atento contra os bons costumes etc. e tal.

Se não fosse permitido “postar” como anônimo o editor do blog não permitiria, ou seja, proibiria (ele já proibiu uma vez).

Agora é fácil ganhar um gordo DAS, ou um polpudo contrato para não fazer nada, e fazer comentários que agrade os donos do poder.

Anônimos vamos nos unir para:

1º Saber de onde as pessoas que assinam seus tão “maravilhosos” comentários "postam" – Seria dos seus locais de trabalho? – É permitido tal procedimento?;

2º Qual o horário – será em horário de expediente? – Não deveria estar prestando seus "imprescindíveis serviços" para a coletividade? ;

3º Onde trabalham – Será em alguma secretaria de governo?;

4º Quanto ganham? – será que merecem todo seu salário?

E finalmente para qual partido político pagam seus dízimos.


Anônimos unidos e responsáveis jamais serão vencidos!!!!!

Anônimo disse...

No governo de Jorge Viana criou-se e aperfeiçoou-se o hábito de atrasar o início de todos os eventos e solenidades oficiais. O público e a imprensa ficavam esperando e fofocando até que o governador chegasse, apressado, com sua comitiva. No começo eram atrasos pequenos: meia hora, quarenta minutos. Depois foi aumentando, de tal forma que se a solenidade estivesse marcada para as 9 horas, você podia chegar descansadamente às 10 e meia e conversar com os colegas até às onze, hora em que provavelmente chegaria alguém para dizer "alô som" no microfone. A coisa chegou a um ponto tal que o cerimonial do gabinete passou a colocar nos convites coisas como "horário: a partir das 17 horas".
Bom, baseado nisso, e para evitar que se chegasse a um prejuízo irreparável na imagem dos governantes e do povo acreano, sugeri que fosse criado um novo horário para o Estado de Dom Galvez. Seria simples: se a solenidade estivesse marcada para as 10, quando o governador chegasse todos acertariam seu relógios para as 10. Aquele horário ficaria valendo até a próxima solenidade. Obviamente, esse seria o horário oficial, pois nos quatro cantos da cidade e nos oito da floresta, os mais variados horários estariam em vigor. Liberdade de fuso, liberdade de horário. Ainda defendo esta bandeira. Mas sou contra, visceralmente contra, essa tentativa dos políticos e financistas e marqueteiros que agora inventaram de mudar o horário do por-do-sol. Pra mim, ressalvadas a variação das estações, que junto à linha do equador é muito pequena, o sol nasce às seis da manhã, está a pino ao meio-dia e se põe às seis da tarde. Brasília, se quiser, que mude.

Janu Schwab disse...

maravilhosos apontamentos!

Anônimo disse...

Leila
Gosto de seus posts. Neste, em particular, há algo que me chamou atenção e solicito, gentilmente, seus comentários: O fato de ser aposentada deixa vc mais livre para colocar claramente seus pensamentos? Não fazia isso antes? Por quê, criatura de Deus!?

Anônimo disse...

Natinho, eu só não escrevia em blog. Sou tão velha que não tinha essas coisas, meu filho. Para que entendas melhor, sou do tempo do lampião de gas e da caneta tinteiro, com direito ao uso do mata-borrão. Mas, meu querido, um dia te passo meu currículo, tá bom?
Leila

Saramar disse...

Leila, concordo com sua postura diante dessa bobagem.
Esse povo de cima fica inventando inutilidades para disfarçar a atuação (?), ou melhor dizendo a omissão diante da bandalha que assola o país.

beijos, saudades.