sábado, 18 de agosto de 2007

NOVOS RUMOS DOS ISOLADOS

José Carlos dos Reis Meireles

No auge do verão por estas bandas, quando os tracajás e tartarugas depositam seus ovos nas praias, as curimatãs, matrinchãs, pacus, surubins e outros menos cotados, ficam à vista pela translucidez das águas do rio e dos igarapés e os queixadas vêm para os baixos chafurdar no restinho de igapós sem água, mas com a terra úmida, boa de fuçar, e veados, antas e porcos, depois das 10 da manhã, se refugiam dentro dos igarapés para fugir dos enxames de mutucas, a beira dos igarapés e rios se transformam em uma enorme concentração de alimentos.

Isso sem falar nas embiaras de pena – mutuns, jacus, cujubins e toda qualidade de inambu – além de virem matar a sede, passam o dia comendo fruta de louro para aumentar a concentração de caça, caem agora no agosto, só nas beiras de igarapés.

É evidente que com o Supermercado da Mata oferecendo alimentação farta e fácil, tudo na promoção de verão, os índios isolados também se desloquem de suas malocas, no centro da mata, agora meio desabitada, para as beiras dos igarapés, com suas famílias.

Na passagem pela Frente Envira e Foz do Douro, se abastecem de banana, macaxeira, mamão e milho de nossos roçados, que já são dimensionados prevendo isso. A Frente possui três bananais e sempre dois ou três roçados de macaxeira, de um lado e outro do rio, para os parentes se abastecerem. Toda esta movimentação é normal, faz parte da rotina.

O que tem mudado nestes últimos tempos é a quantidade de parentes isolados, andando em quase todos os lugares ao mesmo tempo e saindo onde nunca haviam andado. No seringal Liberdade, na casa de nosso amigo Alvanir (apelidado Soim), última e única família residente no local, há dois meses os índios levaram quase tudo de sua casa.

Há uns 15 dias voltaram a aparecer. Desta vez não levaram nada, pois o Soim está morando em uma escola desativada, bem trancada e chegou a tempo, antes de arrombarem a porta ou janela da casa. Como mora sem vizinhos, agora nosso amigo Soim pra onde vai leva a mulher e as crianças. Tá virando índio também.

No local existe uma capela onde o povo de Feijó e Tarauacá paga suas promessas à Santa Maria da Liberdade, local onde nunca houve notícia de movimentação de índios isolados, pelo menos nos últimos 80 anos, pois anteriormente tudo era território indígena (creio ainda ser ).

Ou os parentes estão criando novas necessidades de terçados, machados, panelas e panos e teremos que fazer lançamentos aéreos em suas malocas, ou a migração do Peru para o Brasil está deixando as terras indígenas pequenas. Creio que as duas coisas estão acontecendo simultaneamente e teremos que nos preparar para esta nova realidade.

Na reunião de sertanistas que ocorrerá em outubro, esperamos conversar com outros amigos sertanistas para traçar novos rumos para a frente Envira, além da instalação da Base do Santa Rosa.

José Carlos dos Reis Meireles é sertanista da Frente de Proteção Etno-Ambiental do Envira

Nenhum comentário: