sexta-feira, 22 de junho de 2007

PECUÁRIA EM RESERVA EXTRATIVISTA

Carlos Valério Aguiar Gomes



Oportuno o tema da “expansão da pecuária” trazido por Altino Machado, Judson Valentim e Antonio Alves, a partir da instalação da empresa Bertin Ltda no Acre. A expansão será um grande problema caso ocorra sem critérios técnicos e tecnológicos, como aponta Valentim, que é quem de fato tenta indicar caminhos com bases sustentáveis para a pecuária na região. Também posso contribuir com o debate sobre a expansão da pecuária entre as populações tradicionais de seringueiros que, apesar de óbvia, não vem sendo abordada, pelo menos pelo poder político, embora as práticas e culturas de populações tradicionais sejam a base do discurso do Governo do Acre. Este foi o tema de minha tese de doutorado intitulada “A Evolução da Pecuária na Reserva Extrativista Chico Mendes – Desafios e Soluções?”, na Universidade da Flórida.

Na semana passada, estive no seringal Filipinas, localizado na Reserva Extrativista Chico Mendes, subindo o Rio Xapuri e o Riozinho. Ouvi de um seringueiro que vive na mesma colocação há 36 anos a seguinte frase:

- Nós lutamos contra os fazendeiros por conta do gado e agora nós seringueiros estamos fazendo o mesmo que eles.

A fotomontagem acima demonstra a preocupação deste e de muitos outros seringueiros em ver a Reserva Chico Mendes transformada em pastagem pelos próprios seringueiros. Outras reservas, como a do Alto Juruá e Cazumbá-Iracema, enfrentam os mesmos desafios.


O Acre é o berço das discussões do conceito de reservas extrativistas. O Estado tem optado pela implantação de reservas federais, com cinco delas equivalendo a 2,7 milhões de hectares, o que corresponde a 17,7% do território acreano. É o maior percentual de áreas de reservas extrativistas na Amazônia. Ao longo de quase 20 anos, o conceito de reservas extrativistas se expandiu pela Amazônia, atingindo diversos ecossistemas e vários grupos de populações rurais da região. Os ganhos deste conceito são diversos. Grandes problemas foram superados, velhos problemas persistem e novos desafios surgem.

Um problema que persiste é a busca por alternativas que possam gerar melhores condições econômicas. Uma opção vislumbrada por parte da população de seringueiros é, principalmente, a criação de gado em pequena escala, que se constitui em um dos principais desafios e deixa em xeque o papel ambiental das áreas.

Considerando quatro atividades produtivas (borracha, castanha, agricultura e gado), no caso de oito seringais da Reserva Extrativista Chico Mendes, o que vemos é a renda combinada de gado e agricultura corresponde a aproximadamente 70% da renda familiar (Assis Brasil), acima de 40 (Xapuri) e 30% (Brasiléia). No seringal Icuriã, às margens do Rio Iaco, o gado sozinho representa mais de 50% da renda das famílias. Na maioria dos seringais a renda da borracha representa menos de 10% da receita geral das famílias. São seringais que registram os maiores índices de desmatamento, o que não é representativo da realidade dos 45 seringais de toda a reserva.

De fato, a reserva Chico Mendes apresenta duas realidades distintas, ambas com problemas. Nos seringais da parte sul da reserva, ao longo da BR-364, ocorre uma grande ocupação e os moradores estão enfrentando dificuldades para seguir as normas de uso. Em contraste, vastas áreas da reserva, na parte central e norte, margeando o Rio Iaco, estão praticamente vazias, não atendendo as premissas iniciais do conceito de Reserva Extrativista, que prevê a ocupação humana.

É notório que dentro das organizações de base há espaço para discussão sobre esse dilema das populações extrativistas. Contudo, no âmbito do “governo da floresta” as coisas não são bem assim, sendo possível apontar tomadores de decisões totalmente avessos ao tema. Eles se arrepiam e fogem. Nenhuma iniciativa do governo Jorge Viana abordou a pecuarização em reservas extrativistas, o que parece representar uma importante perda de oportunidade. Hoje existem residentes da Reserva Extrativista Chico Mendes com mais de 300 cabeças de gado numa colocação. É certo que a situação não é a regra, mas indica uma tendência.

O Plano de Manejo da Reserva Extrativista Chico Mendes, elaborado pelo Ibama, mascara o problema. A própria Embrapa desenvolve nenhuma iniciativa junto às populações de seringueiros vivendo em reservas extrativistas. No plano das ONGs locais, o WWF contratou um consultor para abordar o tema, mas não desenvolveu nenhuma atividade prática. O CTA promoveu dois debates sobre o assunto e nenhuma proposta efetiva foi consolidada. Porque será que nenhuma instituição local desenvolveu atividades abordando a questão da pecuária em reservas extrativistas? Será porque o tema é “politicamente sensível” e poderia fazer com que tais instituições pudessem ser acusadas de estar “estimulando” a pecuária dentro de reservas extrativistas?

O que fazer então? Tenho certeza que os seringueiros se apropriariam da iniciativa para buscar soluções conjuntas que possam garantir a sustentabilidade de seus modos de vida e produção, o que seria uma renovação de suas esperanças anunciadas no inicio das discussões do conceito de Reservas Extrativistas. Enquanto suas esperanças se desgastam, as suas visões e decisões se distanciam da práxis política das instituições que os apóiam politicamente. Os seringueiros criaram o conceito de reservas extrativistas e agora estão a cada dia investindo mais na pecuária de pequena escala. A decisão é deles, até por falta de outra opção para geração de renda e pela falta de políticas adequadas voltadas para a valorização da produção agroextrativista.

Enquanto estas famílias não contarem com alternativas agroextrativistas que lhes traga benefícios econômicos, ao menos similares ao que a pecuária promove, a tendência é que eles continuem investindo na criação de gado dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes. O caminho é acabar com os resquícios do romantismo ainda existente e analisar as decisões dos seringueiros-residentes. Deste modo, poderemos enfrentar a expansão da pecuária com as tecnologias disponíveis, buscando adequá-las ao modelo de reservas extrativistas e, se necessário, pesquisar novas opções tecnológicas com base na realidade das famílias produtoras. Quem vai tomar a frente e trazer este debate para as instituições locais?

O acreano Carlos Valério Aguiar Gomes é geógrafo com doutorado na Universidade da Flórida.

2 comentários:

Anônimo disse...

Estas fotos e o debate me fazem lembrar do estudo do Imazon que mostrou que no Acre da florestania, o desmatamento rolou livre e solto.
Se não me engano, lá dizia que 40% do total destruído é formado por clareiras até 10 hectares.
É o pasto, gente! A diferença, agora, é que o negócio vai ser profissional. Clareiras maiores. Trabalhadores sub-remunerados, fumaça...

Saudades do Acre disse...

Os seringueiros que insistem em substituir florestas por pastos, além do necessário para garantir a própria subsistência, desvirtuam e subvertem os valores estabelecidos pela luta que lhes garantiu a posse da terra, além de fornecer subsídios para os argumentos dos inimigos da Florestania. Na realidade, se tornaram(ou já eram) preguiçosos atrás do lucro fácil, isto é, medíocres aprendizes de capitalistas. Querem esperar sentados que a Floresta os sustente. Se ela não os atende, destroem-na.