quinta-feira, 5 de abril de 2007

SEMENTE DA HISTÓRIA


Elson Martins

Aqui estou, de volta ao nosso Acre, após viver meus 15 segundos de fama no Projac, central de produções da Rede Globo no Rio de Janeiro.

Primeira lição? O Projac não é a oficina de terror que eu imaginava. Tem seus diabinhos, como em todo lugar, mas predominam a simpatia, a eficiência, a arte enfim.

Fui muito bem tratado - até lisonjeado – por muita gente que nem imaginava conhecer um dia. Gente boa, famosa, reconhecida nacionalmente pelos personagens que interpretou na televisão.

Viajei ao Rio a convite da Glória Perez e seu staff, por ser testemunha viva de parte da história tratada na minissérie Amazônia, a fase que trata de Chico Mendes. Juro que não me ofereci para isso, e que aceitei o convite com boa porção de constrangimento. Afinal, muita gente fez parte dessa história merecendo igual ou melhor distinção.

Aproveito (antes que esqueça) para registrar sincero agradecimento à conterrânea Glória Perez, autora da minissérie, e toda sua equipe. Eles fizeram coisa de massagear o ego da gente.

Devo admitir que passei por sobressaltos. De cara, tive que vencer minha crônica timidez para palestrar sobre o Acre para uma platéia de globais. Em seguida, sentar junto a eles, numa enorme mesa, sugerindo como representar dezenas de personagens que viveram ou vivem a saga dos povos da floresta.

Em pouco tempo, porém, eu me senti em casa, fazendo parte de uma grande família. Acabei assumindo funções inimagináveis para um bicho do mato como eu: fui consultor, virei personagem da minissérie e terminei como ator, numa breve cena. Também dei entrevistas ao pessoal do making off da produção.

Quer saber minha opinião sobre a minissérie?

Aprendi com pessoas especiais da produção e da criação, até com motoristas que transitam pela terra de sonhos que é o Projac, que a ficção e o glamour, quando bem trabalhados, não comprometem o valor histórico do tema encenado. "Amazônia – de Galvez a Chico Mendes" pode comprovar isso.

A meu ver, “Amazônia” adotou uma forma atraente para levar aos corações de milhões de pessoas do país – quiçá do mundo – uma história singular vivida nos grotões desta fantástica região. A minissérie é ficção, mas também é história séria e fascinante. Dá lição de plasticidade (as cores da Amazônia), de luta, de amor à vida e à liberdade.

Também dá lição de coragem, partindo de quem não se esperava nada por puro preconceito. “Amazônia” é o Acre lúdico que amamos, o Acre que ensina com sua singeleza a perspectiva de um mundo novo.

Em vários momentos, vi como a história real abria brechas e se impunha na dramaturgia da Globo. Eis um exemplo:

Durante a gravação do velório do sindicalista Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia assassinado em julho de 1980, uma figurante caiu num choro incontrolável. Os atores e demais figurantes, os técnicos, os assistentes de gravação só entenderam a cena quando o diretor geral, Marcos Schechtman, interrompeu a cena dizendo:

- Gente, peço uma salva de palmas para essa brava mulher, filha real do Wilson Pinheiro que, gentilmente, concordou em vir aqui para participar como figurante.

Iliana de Paiva Pinheiro (foto) tinha 11 anos quando o pai foi morto em Brasiléia. Hoje, com 38, vive como quituteira no Rio de Janeiro. É casada, tem uma filha adulta morando em Rio Branco e Marcos Paulo, de três meses, carioca de nascimento.

Enquanto a mãe participava da cena do velório, Marcos Paulo aguardava numa das salas do Projac em profundo e inocente sono. Mas estava lá, no reino da fantasia, plantando a semente da história real vivida pelo avô Wilson Pinheiro.

O jornalista acreano Elson Martins foi um dos fundadores do Varadouro - um jornal das selvas. Ele continua "sócio" deste blog. Na foto abaixo, Elson, Glória Perez e Marcos Schechtman.

4 comentários:

Anônimo disse...

Valeu, Elson! Vai uma poesia de Francis Mary, que foi publicada em 1981 numa coletânea de poesias acreanas.

SEMENTE CORAÇÃO
A Wilson Pinheiro

N a minha terra
planta-se corações
e nascem lutas
dessas plantações.
o chão é regado
com sangue
e as balas são sementes
que fazem calos nas mãos.

Tem outras nessa coletânea inclusive do Altino mas, vamos ficar hoje com essa em sua homenagem pela participação positiva na história do Acre e também na minissérie.
Penso que daqui mais uns 30 anos se fizermos uma outra minissérie para contar nossa história ainda teremos motivos prá chorar. A prospecção,o petróleo é a próxima maldição. Eu fico imaginando se Wilson e Chico sentem nossa falta tanto quanto nós sentimos à deles. Que sina é essa?

Anônimo disse...

Isso tudo dói no coração. Mas não estaremos sozinhos!

Anônimo disse...

Altino, estou copiando esse texto do Elson lá no meu blog, tá?

ALTINO MACHADO disse...

Ótimo, Alcilene. Quanto mais gente copiar, melhor. Feliz Páscoa!