quinta-feira, 5 de abril de 2007

A RUA DA FRENTE

Leila Jalul

A vaidade de quem manda nas coisas mexe com a cabeça do povo. Minha Pracinha do Quartel, tão antiga que nem eu, ajardinada, arborizada e cuidada pelos antigos detentos da Colônia Penal Agrícola Evaristo de Morais, mudou de nome. Aquele coreto com dois pés de bouganville, um de cada lado, serviu muito de esconderijo da molecada que namorava escondidíssima dos pais. Mudou de nome várias vezes, de fato e de direito. Praça da Escola Normal, Praça da PM, Praça Plácido de Castro e, agora, recentemente, por um decreto secreto, virou Praça da Revolução.

Os mais antigos do que eu, tipo Dona Guiomar, Dona Belmira, Dona Xavier e Dona Odete Azevedo, Seu Fausto Robalo, entre outros, insistiam em dizer que aquela região havia sido cemitério de bolivianos e que, não raro, afloravam pedaços de fêmures, crânios, tíbias e perônios, agora modernamente apelidados de fíbulas, ou seja, uns restinhos de esqueletos humanos. Nesse assunto, não assino nem reconheço firma.

A hoje prefeitura já foi cadeia e também hotel de luxo – Hotel Chuí. A área já foi palco de um crime de amor. O presidiário João Mulato matou a filha da Dona Umbelina, moça de reconhecida beleza: Rosalina Silveira.

O imponente e recentíssimamente inaugurado Colégio Estadual Barão do Rio Branco – CEBRB, já se chamou Escola Normal Lourenço Filho, por onde transitaram os renomados padre Arnaud, professora Palmerinda Figueiredo, Almada Brito e outros. Já foi Ceseme, CERB. O que foi feito do Lourenço Filho? Será que acharam o nome feio? Ou o homem nunca educou ninguém?

E a praça mudando. Praça da Cadeia, Praça do Quartel, do Ceseme, do Coreto, Plácido de Castro. Por quanto tempo será da Revolução? Será que um dia vai ser chamada Praça do CERBR?

No segundo distrito também adotaram essa mania. Hoje todos só abrem a boca para falar no Calçadão da Gameleira. Também pudera. O bicho ficou bonito demais da conta. Ali era a Rua da Frente, e, mais recentemente, a 17 de Novembro. Os velhos casarões abrigavam as lojas dos homens que tinham os pés no Acre e a alma voltada para a Meca e para seus torrões destruídos.

Não sou capaz de ser fiel à moral, bons costumes e motivos do exílio amazônico de cada um deles. A maioria, com certeza, foi movida por dinheiro e frutos do processo de seleção da imigração. Nestas plagas ninguém via russos, ucranianos, alemães ou italianos. Era um norte que não servia para os nórdicos, ou para qualquer outro povo de tez rosada.

Os nomes José, Francisco, Antonio, Severino, de sobrenomes Silva, Souza, Pereira, soavam diferentes perto dos das figuras de som difícil de pronunciar e de escrever: Aziz Abucater, Rachid Duck, Abdul Manasfy, Aref Jarud, Omar Satut, Demétrio Fecury, Bacchi Danaoui, Anuar Beiruth, Ried Hirgezhi, Tufic Assmar, e por aí vai.

Eram os comerciantes da Rua da Frente, ou seja, da 17 de Novembro, melhor dizendo, ali no Calçadão da Gameleira, onde se compravam sonhos e realidades. Colchas de brocado de Damasco, aparelhos de jantar de beira dourada, sedas finas, brincos enormes, diretamente de Beirute para as orelhas acreanas, candeeiros de manga de cristal, aladins, tapetes com paisagens de oásis, aparelhos de narguilé dourados, louças simples, tigelinhas de faiança e canecas de alumínio e todo tipo de aviamentos.

Enfim, um verdadeiro mercado persa. Um mundo das arábias, sem camelos. O transporte de cargas e passageiros era no lombo de uns burricos magros que ficavam estacionados ali defronte da casa Yunes ou numas carroças de bois de canga que faziam cocô perto da frondosa Gameleira.

Tenho olhos de progresso, achei tudo muito bonito ontem e melhor hoje, mas, por caridade, preservem e não alterem tanto os nomes. A razão social tem muito a ver com a razão emocional. E não inventem de mudar meu nome.

13 comentários:

Anônimo disse...

Com toda a busca pelo antigo que foi feita no governo da Floresta, percebe-se que mais se muda do que restaura.. fica muito lindo, mas peca em detalhes.

Unknown disse...

Leila, mais uma vez me peguei vivendo-imaginando a sua narrativa fantasticamente montada. Fiquei curioso sobre o crima do hotel shui... se puder faça uma crônica sobre ele.

Jean Mauro Morais disse...

Leila, quando você tá inspirada não tem prá ninguém. Eu leio, releio e dou mais uma olhadinha prá me deliciar e não dá vontade de mudar. Parabéns. Ó, estamos esperando o seu livro...

Anônimo disse...

Essa coisa de mudar o nome de lugares é terrível,e o pior, sem nenhuma consulta prévia à comunidade,. O Quinarí é um exemplo de que não deveriam ter mudado pra Senador Guiomard, mesmo que o senador tenha parido o Acre moderno.As pessoas gostam do nome QUINARÍ, é mais sonoro.

Anônimo disse...

Altino, já te falei que essa menina Leila é de lascar? eta menina danada de boa pra colocar gostosamente no papel seus pensamentos e lembranças que tem do passado, pra nosso deleite e também para nos remeter a coisas que por vezes já haviamos esquecido ou mesmo não sabíamos. Já imaginou as surpresas que ela vai nos trazer com a publicação do seu livro? Eu, particularmente, estou ansioso para que devorá-lo numa só sentada...Parabéns menina Leila, você é 1000.
Abraço Altino.

Anônimo disse...

Conta mais Leila... adoro ler teus causos pois me fazem bem e me enviam para um passado não muito distante...tu és muito boa menina. Te admiro muito...
Boa noite Altino.

Anônimo disse...

Leila, você está proibida de escrever um livro com menos de 1000 paginas.

Anônimo disse...

Luc, meu amigo,
Esse crime da Rosalina foi comentado durante muitas décadas. Depois perdeu-se no tempo, como tudo na vida.
Um pequeno resumo posso fazer.
Rosalina Silveira, filha de Umbelina, tinha 4 irmãos: Railton, Raul, Rute e Reni. Assim contou minha mãe.
Rosalina era professorinha e bem apessoada. Creio, pela época em que o fato ocorreu, devia dar aula numa escola ali onde hoje é o Palácio das Secretarias.
A cadeia era exatamente onde é a Prefeitura. Os presos, devidamente assistidos e vigiados, além de limparem ruas, tinham outras tarefas, tal como colocar água na casa das autoridades e repartições públicas, limpar quintais, desatolar veículos, etc
Como a Avenida Getúlio era caminho da professora, o preso João Mulato começou a nutrir uma paixão platônica. Ouvi falar numas cartas, mas vou procurar saber disso.
Paixão não correspondida, claro, ele a matou a facadas ali perdo do Hotel Rio Branco.
Tudo o que conto, repito, me foi contado pela mamãe que conheceu a professora e o preso.
Contam que na sepultura dela, no cemitério São João Batista, todos os dias de finados são depositadas flores em agradecimentos a possíveis graças alcançadas. Além das velas, claro!
Isso é de ouvi dizer, mas, como falavam os caboclo, fé de mais ou fé de menos, toda fé é pouca fé.
Um abraço
Leila

Anônimo disse...

Jean, calma!
Tem muita coisa ainda por consertar...rs
Continua espiando.
Abração
Leila

Anônimo disse...

Anônimo do Quinari, vc está cheio de razão. Um motorista de táxi me contou que um passageiro perguntou o preço da corrida até o Quinari. O cara era de fora e respondeu: Quinari ou Senador Guiomar? O passageiro, enjoado e fiel às suas origens tratou logo de afirmar que, enquanto vida tivesse, o nome do município seria, será e sempre foi QUINARI.
Foi você, por acaso.
Leila

Anônimo disse...

Tem uns anônimos exagerados de nascença.
Para esse que pede mil livros, vou contar uma historinha.
Uma vez, em 95, tive um surto daqueles de arrepiar. Me danei a pintar um monte de coisas que nem eu sabia explicar. A loucura não parou por aí: resolvi fazer uma exposição. Eram 52 quadros e 52 poemas. Era pintando e escrevendo, escrevendo e pintando. Coisa de gente maluca.
Pois bem, um cabra mais maluco do que eu, lá do segundo distrito, se encantou com 5 quadros. E comprou os cinco. Assim, duma lapada. Agora, mais de 10 anos passados, posso contar: ainda que estivesse rasgando dinheiro, atirando pedra na lua, eu, honestamente, não compraria nem meio quadro das doideiras que pintei.
Tudo brincadeira..., mas, no máximo 500 exemplares. Os 400 que empacarem mandarei para uns asilos que conheço Brasil afora. rs
Um abraço e da outra vez, ponha um pseudônimo, fica mais fácil de responder.
Leila

Anônimo disse...

Para os demais anônimos, o meu carinho.
Anônimo, só pra contrariar.

Anônimo disse...

Perdão anônimo, vc pediu 1000 páginas e não mil exemplares. É que sou meio ceguinha....
Mesmo assim vc é exagerado.
Não tenho dedo nem idéia pra escrever isso tudo não. Já sou velhinha.
Beijão
Leila