quarta-feira, 11 de abril de 2007

ÓLEO, FLORESTAS E ÍNDIOS

"Estrada não é sustentável e nunca será. As estradas mudam tudo. E nós precisamos ser tão radicais quanto são as estradas em termos das políticas que nós implementamos, porque estrada traz especulação fundiária e o tipo de expansão econômica que está associada com a especulação fundiária. Essa fase de cada um fazer o que quer, já passou, é uma idéia que está acabando. Há cobranças, meios de comunicação, legislação, governo federal – regras que precisam ser cumpridas".

Jorge Viana, debate na Universidade de Yale, dezembro de 2004



Mary Allegretti

Reconhecer o impacto de uma obra de infra-estutura (estrada, exploração de óleo, hidrelétrica) é, certamente, o passo inicial mais seguro para discutir se ela deve ser feita, como, quando e quais as medidas que devem ser tomadas para evitar ou minorar os efeitos negativos, diretos e indiretos. O debate sobre a exploração de óleo no Acre deveria começar com essa constatação fundamental: causa impacto à floresta, aos outros recursos naturais, aos índios e demais habitantes do entorno, às comunidades tradicionais, agricultores e moradores das cidades próximas.

Não me refiro ao impacto da planta de exploração do óleo, tal qual existe em Urucu e foi mostrada para a comitiva do senador Tião Viana. Este é o impacto local, mínimo, de qualquer atividade mineral – afinal, diferentemente de uma estrada, que abre quilômetros de acesso e afeta, pelo menos 50 km de cada lado, o minério está no sub-solo e o impacto no solo é aquele, mínimo e suficiente para acessar o sub-solo. Esse é sempre o cartão de visitas de uma mineradora ou de uma área petrolífera. E é a mais pura verdade. A área aberta na mata pode ser inteiramente recuperada e ponto final.

Em tese, não existe nenhum tipo de impacto que, a priori, não possa ser controlado e evitado, se cuidadosamente avaliado, conhecido, dimensionado e, principalmente, reconhecido como problema desde o início do processo. Cada atividade econômica gera impacto de forma diferente e já existe suficiente experiência para saber o que acontece e como prevenir.

Antes de mais nada, porém, análise de impacto tem o objetivo de abrir a discussão e permitir que tomadores de decisão, beneficiários potenciais e potenciais setores impactados pelo projeto possam decidir e, muito importante, de posse de todas as informações, dizer que SIM, deve ser executado, ou NÃO, deve ser evitado.

Então, é recomendável que o debate comece pelo claro e límpido reconhecimento de que exploração de petróleo em floresta tropical, onde existem áreas protegidas, terras indígenas e índios isolados, certamente causará um enorme impacto. E os benefícios - podem compensar o dano? Essa é a questão.

De que impacto estamos falando?
É preciso considerar, pelo menos, dois tipos de impacto – ambiental e social em duas modalidades, direto e indireto.

O impacto ambiental direto da planta, como já salientei, é cada vez menos difícil de controlar. Sempre será necessário abrir uma ou mais clareiras na mata, nada que não possa ser recuperado.

Ainda no impacto direto é preciso considerar os efeitos da prospecção em si mesma, ou seja, barulhos e tremores de terra que geralmente estão associados à fase inicial de identificação do potencial da jazida. Esse é um sério problema no caso do Juruá pela existência de tribos sem contato que, por razões muito menos impactantes (barulho de moto-serra do trabalho de demarcação dos limites da área a eles destinada), já reagiram e mataram as primeiras pessoas que encontraram pela frente. Mesmo com tecnologias mais modernas e menor barulho ou tremor, esse é um ponto fundamental da análise.

Assim como esse existem inúmeros outros: vazamento de óleo no sistema de transporte, poluição dos rios, diminuição da caça no entorno.

Mas o que eu gostaria de chamar atenção, especialmente, é para o fato de que, na minha opinião, o problema maior (ou menos analisado) em um projeto de exploração petrolífera, é a relação custo-benefício, econômica e social, para a sociedade local.

Trata-se de uma obra de infra-estrutura econômica que comporta os seguintes elementos: uma planta central de exploração do sub-solo e um sistema de transporte do produto final (gás ou petróleo) para centros consumidores. Então, o impacto que precisa ser analisado é aquele que vai ser gerado no entorno do projeto, nas pequenas cidades ou vilas, por exemplo, e no trajeto que vai seguir a distribuição (gasoduto, transporte fluvial).

Se, no caso do impacto ambiental da planta, pode haver recuperação e a floresta voltar ao que era, depois de alguns anos, o impacto sócio-econômico é irreversível, nunca mais aquelas comunidades serão as mesmas. Isso pode ser bom? Sim, podemos dizer que estas comunidades são pobres, desassistidas e que passarão a contar com projetos sociais que a tirarão do isolamento, etc. Mais comum, no entanto, é que não seja assim. O impacto social de projetos de exploração mineral é alto, irreversível, e de difícil controle: migrações, exploração ilegal de madeira, urbanização desorganizada, abertura de estradas, especulação fundiária, poluição dos rios, etc. E esse deve ser o ponto central das discussões. Principalmente tendo como referência outros exemplos, em outros países, porque a experiência acumulada é grande no mundo, neste tipo de projeto.

Alto valor agregado versus baixo emprego gerado
O emprego direto gerado pela exploração de petróleo é reduzido e, quando bem remunerado, beneficia pessoas altamente qualificadas, não necessariamente do local. Indiretamente, será necessário avaliar muito bem o tamanho da planta, o tipo de infra-estrutura associada, para saber se as cidades em volta poderão realmente receber algo em troca. Geralmente, como a mão de obra é muito qualificada, as pessoas se revezam e ficam um tempo na planta e outro fora, na cidade de origem, na sede da empresa, no Rio de Janeiro, por exemplo. Assim, são poucos os serviços realmente demandados em nível local.

Por outro lado, o valor agregado do petróleo ou gás é muito alto, o que significa que, com o pagamento de royalties, muitos outros investimentos poderiam ser realizados para minimizar impactos sociais negativos, diretos e indiretos. Aliás, essa é uma das vantagens da exploração mineral: impacto ambiental localizado e alto valor agregado e, sempre acreditei, deveria ser melhor analisada como alternativa de desenvolvimento na Amazônia. No entanto, o impacto social e econômico pode ser devastador se não for muito bem administrado.

Impacto étnico
O risco deste projeto é alto, principalmente, para os grupos indígenas. Embora as Terras Indígenas do Acre estejam quase todas legalizadas, faltam investimentos de longo prazo para diminuir o histórico déficit econômico e social destas comunidades. Iniciar um projeto de exploração de petróleo sem implantar ANTES um adequado projeto de desenvolvimento sustentável com estas comunidades – indígenas e tradicionais – poderá se transformar, facilmente, em genocídio. Algo que o Acre não merece.

Poder de negociação
Só depois de detalhamente analisado o impacto ambiental e social, direto e indireto, e o custo-benefício do projeto, em termos do valor que a exploração poderá trazer para o Estado em comparação com outras alternativas existentes ou potenciais, e um plano muito detalhado de compensações - é que se poderá dizer se deve-se ou não realizar a exploração. Se a conclusão for negativa, certamente o exercício terá permitido a identificação de alternativas consideradas mais favoráveis para o desenvolvimento do Estado. Caberá ao proponente do projeto, senador Tião Viana, dedicar o mesmo nível de atenção para viabilizar estas alternativas. Se a conclusão for positiva, caberá à sociedade envolvida direta e indiretamente com o projeto, exercer seu poder de negociação para fazer acordos adequados de compensação ambiental, econômica e social.

A decisão não pode ser política nem pode ser baseada na idéia de que, por ter o Acre um governo comprometido com o meio ambiente e a sociedade, os riscos serão menores. Esse é um projeto com implicações de longo prazo, cuja análise e decisão precisam estar acima dos partidos. E as ONGs, mesmo sendo identificadas com o PT, precisam ser independentes, críticas e capazes de avaliar com critério todos os aspectos antes de se posicionar.

Se, por outro lado, o governo do PT já decidiu pela exploração do óleo, independentemente do debate público e da avaliação dos impactos, é melhor assumir logo essa decisão e arcar com as consequências, porque elas virão.

A antropóloga Mary Allegretti foi parceira de Chico Mendes nas lutas em defesa dos povos e das florestas da Amazônia, tendo contribuído pesadamente para a projeção internacional do líder sindical e ambientalista de Xapuri (AC). Ela possui um blog muito bom. Clique aqui.

10 comentários:

Anônimo disse...

Senador Tião Viana: Quero meu voto de volta!!! Não foi com esse programa ou com esse discurso que você pediu o meu, o nosso, voto. Se à época de eleição, eu soubesse que a prospecção e exploração de petróleo e gás seria a principal iniciativa do começo de seu mandato, meu voto não teria sido seu. Preferia anulá-lo. Hoje me sinto enganado. Vivendo e aprendendo, para não errar novamente. Daqui a quatro anos, para governador, não conte comigo. Anônimo mesmo, por ora, até que esse sentimento ganhe voz coletiva e força ativa nas urnas. O mesmo vale para boa parte dos políticos, esses que num dia aprovam o ZEE, sem ler ou discutir, porque Jorge pediu, e no outro fingem esquecer o que assinaram, porque você pediu, dizendo que isso será melhor para o Acre. Conte mesmo hoje com esses políticos e com um punhado de empresários para viabilizar sua proposta. O amanhã poderá lhe trazer ingratas surpresas. Meu voto nunca mais.

Anônimo disse...

Muito legal a reproduçào da fala do Jorge Viana. Ele disse: "Essa fase de cada um fazer o que quer, já passou, é uma idéia que está acabando". Era bom ele dizer isso para o irmão dele, o senador Tião Viana, que tá fazendo o que bem entende. O Tião não discutiu com Binho nem com ninguém essa maluquice de projeto. Belo artigo.

Anônimo disse...

Eu to gostando muito mesmo dessa discussão sobre o petróleo. Gente que eu nem sabia que pensava, está falando. Que bom. Até a Mary Allegretti já deu sua meia opinião (meia, porque não disse se é contra ou a favor) aqui no Blog do Altino que, diga-se de passagem, está prestando um ótimo serviço à democracia e à liberdade de pensar e se expressar. Houve um tempo em que nem ele mesmo se permitia tanto.
Mas tem uma coisa para a qual eu queria chamar a atenção. Sabe, eu acho mesmo é que o Tião está blefando. Ele não está nem aí se tem ou se não tem petróleo no Acre. Por que digo isso? Ora. Digo porque nunca antes ele deu a mínima atenção pra esse tema. Comandou o governo junto com o irmão durante oito anos, com total apoio do governo federal, e nunca se meteu nessa história. Pelo que sei, chamavam Edílson Cadaxo de abestado. Petróleo era idéia de jerico. Jorge não teve ânimo sequer para dar a contrapartida em um convênio que fez com a ANP. Então, que novidade é essa?
O Tião que de leso não tem é nada, como diria o Ronivon Santiago, está em plena campanha para o governo do Acre. É o Viana da vez. O plano é deixar o boneco-suplente na cadeira, ganhar a eleição e, de arrasto eleger Jorge e Marina para o Senado. Ou seja, barba, cabelo, bigode e sobrancelha. Se fosse o Otávio Mesquita, diria que o saco também.
Então, o Tião pensou, pensou, e chegou à conclusão de que em 2010 talvez precise mais do que bambus, bandeiras, camisetas, gasolina, mídia e grana. Eles sabem o que fizeram na última contra o Marcio Bittar despreparado e liso.
Vejam bem. O Acre está lascado. Endividado e parado. Até a moral de ecologista ta indo pelo ralo. Os indicadores não podem mais ser escondidos. A situação está tão russa que até o Adem está reclamando. Se não fosse aquela brincadeira de Epitaciolândia... ehehehe. O Tião vai dizer o quê? Prometer o quê? Depois da preguiça do Binho acho que não vai dar pra prometer continuidade. Nem vai dar pra romper com o PT. Então o que ele faz? Usurpa das oposições essa proposta do petróleo para a qual nunca deu a mínima, e mobiliza a opinião pública como está fazendo para uma nova perspectiva.
Vai funcionar? Já está funcionando.
Se der petróleo, viva o Tião! O homem que revolucionou a economia do Acre só como senador. Imagine como governador. Nem o ninja fica contra. Os ecologistas dá-se um jeito. Consultoria, projetinhos ambientais aqui e ali (A PETROBRAS nada em dinheiro), carguinhos, viagens, status (neguinho foi em urucu e já mudou de conversa). Escrevam aí nos seus caderninhos. Se der petróleo, Tião vai se lambuzar de óleo e ganhar as eleições facim.
Se não der, ahhh que pena. Bem que o homem tentou, não é meu povo? Um homem incansável. Que passou meses, talvez anos, na mídia (a prospecção demora, gente) lutando por uma saída econômica para o nosso povo... enfrentando a oposição dos ambientalistas... De sobra ainda tira da oposição uma bandeira, um projeto.
Paralelamente, essa discussão do petróleo, que ainda vai render meses e meses, está tirando o foco político da lerdeza e incompetência do Binho. Os jornais não falarão de outra coisa. Já estou até vendo as televisões filmando as carretas chegando com as brocas, a PETROBRAS contratando gente, alugando casas e carros... numa hora dessas, quem vai se lembrar do assalto da esquina? Quem vai no enterro de quem tava com malária? Quem ta ligando pro abandono da agricultura? Quem vai escutar a oposição?
Que tal? Será que estou vendo coisas?

Anônimo disse...

Caro Altino,

A Mary foi muito feliz em todo o texto mas especialmente ao dizer que, se o governo já decidiu pela exploração, é assumir essa posição e arcar com as consequências. De outro lado, nós que já nos posicionamos contrários, demos nossa face a tapas e assumimos as consequências de nossa decisão. O compromisso com o futuro tem que nascer de nossa opção no presente. Em se tratando de direito à vida devemos evitar ao máximo o erro e jamais optar pelo erro quando podemos e devemos acertar.
No meu entendimento a decisão do governo já está tomada e de qualquer forma, como sempre, tentarão culpar os índios, os ribeirinhos, os seringueiros, os ambientalistas, as ONGs, os indigenistas... pelo não "desenvolvimento" do Estado. Mas esse é o preço que pagaremos com prazer se as vidas de todos nós, inclusive as dos que defendem a exploração, com todo o meio ambiente incluso, forem mantidas, valorizadas e eternizadas em nossos descendentes.

Bom Trabalho

Lindomar Padilha

Anônimo disse...

Caro Altino,

O Raimundo Eliseu tem razão em sua análise. Eu também penso isso só que tenho a obrigação de me posicionar, em qualquer uma das situações, contra a exploração de petróleo por uma questão de consciência pessoal e social. Temos que diminuir o consumo de energias de orígens fósseis. Temos que diminuir o nosso consumismo exagerado. Temos que fazer a nossa parte.

Bom trabalho.

Lindomar Padilha

Marcelo Jardim disse...

Muito boa essa contribuição da Mary Allegrett. A frase inicial do Jorge então... é de tirar o fôlego!

Taí uma coisa pra qual ainda ñ acordamos, a BR 364 pode ser toda pavimentada nesse mandato do Binho e seus impactos serão BRUTAIS.

Cada km chega a custar mais de 2 milhões de reais. Dinheiro suficiente para dar contições dignas de vida às pessoas do interior sem q precisem ficar sonhando com a capital, q de bom ñ tem quase nada!

Mas voltando ao gov. Binho, tá ridículo mesmo. Tenho um punhado de amigos q ficaram desempregados dia 1º de janeiro e até agora ñ tem a menor idéia de quando vão voltar, se é q vão... e os secretários, nomeou sem nem consultar antes... cada uma!

Amanhã é o grande dia,
até lá!

Anônimo disse...

Altino caso venha a existir petróleo em terras acreanas sou a favor desta exploração e Tião não perderia meu voto (assim como de muitas pessoas) pelo que está fazendo. Acho que diferentemente da opinião de muitas pessoas é grande a oportunidade de se lançar luz sobre esta questão. Também acho que foram ótimos os comentários da Mary Allegretti: simples e com argumentos fáceis de entender. Gostaria de ver mais gente falando (contra e à favor) com argumentação deste nível. Acho que é assim que a população terá mais clareza ao contrário do que muita gente tem feito. Mesmo ainda sendo à favor gostaria de ver no debate como muitos dos pontos que a Mary levanta podem ser evitados ou minimizados.

Anônimo disse...

Por falar em conclusão da BR 364, alguém pode dar n´ticia do estudo de impacto ambiental da dita cuja no trecho que será pavimentado?

Anônimo disse...

Raimundo Elizeu: perfeito.

Anônimo disse...

O impacto é tão grande que não será possível a recuperação.
Se tiver Petróleo nas terras indígenas, que eu espero de todo o meu coração que não tenha (só assim Tião fica quieto), teremos certeza de que a estrada 364 sai.
Com esta perturbação de Petróleo do Tião Viana aparece tanto dinheiro para a estrada, “dindim” do nosso bolso, que a gente nem sabe e nunca saberá onde está. Dinheiro este que colocaria muitas crianças em sala de aula, sem ser necessário que saiam lá da floresta para morar na periferia das cidades. A saúde ficaria realmente de qualidade. E quantos empregos geraria para a nossa juventude que está aí sem preparação, sem fazer uma faculdade!.
A própria estrada que visa, por um lado, o desenvolvimento, tirando milhares de pessoas do isolamento, também pode trazer grandes mudanças para muitos.
Podemos ver isso na atual Estrada do Pacífico que liga o Brasil ao Peru. Construída durante o mandato de Jorge Viana, a estrada tirou muitas pessoas do isolamento, no entanto, 80% dos moradores que moravam nas margens da Estrada do Pacífico venderam suas terras pra pessoas que chegaram ao Acre só com um único objetivo: derrubar, tacar fogo e criar muito gado.
Tudo isso saber por quê? O governo não investiu na capacitação dos pequenos produtores, não deu condição para a produção; com isso, hoje todos estão na periferia das cidades, sem nenhuma condição de vida. Os filhos, muitos nem à escola vão; estão entregues ao mundo das drogas, da prostituição.