quarta-feira, 7 de março de 2007

ILHAS DE BELEZA

Flávia Pires

Há algum tempo, numa mesa de bar no Rio de Janeiro, minha amiga Ingrid Weber me indagou despretensiosamente:

- E tu, quando é que aparece lá em casa?

Quando aportei no aeroporto de Rio Branco, numa noite atípica - fria e úmida, ela me abraçou dizendo que não acreditava que eu viria mesmo. Afinal, ninguém vem passear no Acre! Vêem à trabalho, mas passear?


Hoje deixo o Acre depois de uma semana. Fiz (quase) todos os passeios turísticos e ainda fui à Bolívia. Os amigos pediram-me para escrever as minhas impressões da cidade... da viagem, enfim. Aceitei o desafio!

As ruas de Rio Branco me pareceram quase todas iguais: desleixo em relação ao pedestre, muito buraco nas pistas, pouca árvore nas calçadas - aliás, muitas vezes nem mesmo calçada a gente encontra.

Em Minas Gerais, alguns municípios oferecem descontos no IPTU para os moradores que plantam e cultivam árvores na calçada. Taí uma sugestão para a prefeitura. A cidade ficaria mais bonita e mais fresca.


A cidade seria toda dominada por este desleixo não fossem certas ilhas de beleza que, de repente, saltam aos olhos do viajante, iluminando a visão: a praça, o casario da Gameleira, o canal do Parque da Maternidade e a ponte azul.

Na culinária, destaque para a Moqueca Acreana, no molho da castanha, na Peixaria do Rogério, um dos melhores que já saboreei. O atendimento e o lugar não são agradáveis, mas vale a pena pela comida espetacular.

O chorinho às margens do Rio Acre, nas noites de sexta-feira, refresca a cuca e a corpo nestes, muito quentes, trópicos. Pena que a cerveja seja cara, mas a simpatia do dono, Seu Gracil, e o caldinho - cortesia da casa, fazem o freguês se esquecer dos R$ 4,00 pagos pela Skol.

O Café Hélio Mello impressiona pela variedade e qualidade do cardápio. O restaurante “Comida árabe” com vistas para o Rio Acre tem uma comidinha deliciosa. Minha dica especial é: experimente o sorvete de ameixa da Sorveteria AcreBom e não deixe de beber uma “cerveja suja” – com uma dose boa de limão e gelo -. Pedidas certeiras para refrescar o calor.


Palmas para a exposição e para as guias do Palácio Rio Branco e da Casa dos Povos da Floresta. Louvores também para o belíssimo sítio da Comissâo Pró-Índio do Acre e para o trabalho que eles vêm fazendo em prol da preservação das culturas indígenas e da floresta.

Saindo de Rio Branco, Xapuri vale a pena, para visitar a casa onde viveu e morreu Chico Mendes. Em Cobija, capital do departamento de Pando, na Bolívia, vale experimentar a cerveja Paceña, mas evite as compras acima da cota permitida, se você é um bom patriota, defensor da indústria nacional.

A notícia triste que trago do Acre é a paisagem, largamente dominada pelas pastagens para o gado, que, gordo, vê a vida passar até ser abatido para alimentar a fome de carne do mundo. É desolador constatar a dimensão da devastação ambiental da Amazônia que se contempla da janelinha do avião.

É preciso dizer, todavia, que, talvez, as belezas do Acre não sejam o sabor único do açaí que se encontra por aqui, nem os encantos surreais das águas azuis do Rio Acre e, sim, o caldo cultural e multicolorido formado pela população que aqui reside: os acreanos; as diversas etnias indígenas; os imigrantes no nordeste, das Arábias e do sul-maravilha.

Se alguém disser que, no Acre, não tem nada o que se fazer, eu desminto! De minha primeira viagem à região Norte desse nosso largo país, fico com a impressão de “quero mais”. Ora, já fiz meus planos! Voltar para passar uma temporada entre os índios e outra no Centro Céu de Mapiá? Afinal, fiquei só uma semana, mas o Acre, meus amigos, não se esgota assim com tanta pressa...

A mineira Flávia Pires é antropóloga.

7 comentários:

Anônimo disse...

Infelizmente, essa história de ilha de beleza acontece em TODOS os lugares que conheço no Brasil. A gente é pobre, mas a sala tá sempre arrumadinha.

Adriana Paiva disse...

Taí ! Mais uma lacuna em meu mapa de "périplos" . Embora tenha estado por muito perto, ainda não tive o ensejo de conhecer o Acre .
Sempre é tempo .

Abraços da colega carioca baseada em São Paulo,

Adriana Paiva

Anônimo disse...

Maurício, você é poderoso. Sabe das coisas. É isso mesmo!
Só ainda não procurei saber por quais lugares a moça andou, quais caminhos ela percorreu...
A sala é sempre bem arrumada, as camisolas estão sempre limpas. Os cabelos bem penteados.
Você entra pouco no blog, mas, quando entra, sempre sabe dizer.
Abraços

thiago disse...

Concordo com a reclamação sobre as calçadas. Embora a prefeitura venha ajudando a melhorar, ainda há muito o que se fazer, e os proprietários dos imóveis nem sempre fazem sua parte. O fato de Rio Branco não ter muitos prédios também torna oportuna a idéia do cultivo de árvores nas calçadas. Quem anda por aí sob um sol de 40 graus vai concordar.

Quanto às "ilhas de beleza", não há cidade no Brasil plenamente bonita, é fato. Até o Rio, uma cidade naturalmente bonita, deixa prosperar centenas de ilhas de feiúra (favelas).

Anônimo disse...

Muito interessante o depoimento. Há um equívoco quando ela fala que vem para o Acre passar um tempo no Céu do Mapiá, pois a comunidade do Céu do Mapiá se localiza no Amazonas, apesar da chegada de avião ser em Rio Branco.
Quero deixar outro ponto também que tive nas minhas primeiras impressões recém chegado de Brasília: aqui é uma das poucas cidades que tem ciclovias pela cidade. Lá em Brasília, não existe nem ciclovias e nem respeito pelos ciclistas. Apesar de que aqui uma educação no trânsito tanto para ciclistas, motoristas e pedestres seria muito bem vinda!

Anônimo disse...

Obrigada pelos comentários!
Realmente, faltou mencionar as ciclovias.
Já andei um bocado, só falta conhecer os outros estados no Norte, só conheço mesmo o Acre.
Citei o Céu do Mapiá como parte da minha próxima viagem ao Acre simplesmente pq é de Rio Branco que se parte, certo?
Estou hoje em Duque de Caxias - RJ, e me desculpe os que amam esta cidade, mas aqui, infelizmente, não vejo ilhas de beleza. Não concordo que a gente tenha sempre a sala arrumada, não é assim aqui, não é assim em Catingueira - no semi-árido da Paraíba. Assim me parece.

Anônimo disse...

Obrigado, Leila. Vindo de você esse elogio se multiplica por dez em meu coração. Uma amiga de quem conheço somente as vivas palavras.