Prospecção de petróleo e gás no Acre
Miguel Scarcello
A noticia veiculada na imprensa é muito importante para o nosso Estado: o senador Tião Viana (PT) garante emenda parlamentar de R$ 75 milhões para que a Agencia Nacional do Petróleo (ANP) faça prospecção de petróleo e gás no nosso território, na perspectiva de que a tecnologia existente possibilite que o potencial já mensurado na região do Juruá seja considerado uma jazida e com isso possa gerar royalties para o Acre a partir da exploração.
Diante do fato, quero fazer alguns comentários a respeito da região que será palco da prospecção, o Vale do Juruá, com grandes possibilidades de ser no Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD), do volume de recursos a ser aplicado e da iniciativa em si de exploração de petróleo.
Tenho o maior respeito pelo senador Tião Viana, do qual sou eleitor. Como tal, e também por atuar na área ambiental há muitos anos, em especial trabalhando com o Ibama, para que este viabilize o funcionamento do PNSD, me sinto responsável por comentar e lançar algumas questões, com a finalidade de refletir mais sobre o assunto, sobretudo nesta fase em que a humanidade constata as transformações negativas do ambiente para a sua vida no planeta e busca indicativos para evitar uma catástrofe maior para a atual e futuras gerações.
Desde 1934 estes minerais, principalmente o petróleo, motivaram prospecções no Acre, especificamente na Serra do Divisor, nas margens do Rio Moa, em Mâncio Lima. Uma das perfurações remanescentes naquela região (o Buraco da Central), de onde hoje jorra água sulfurosa e morna continuamente, como também os restos da caldeira que foi levada até lá naquela década, confirmam tal empreitada. Entretanto, o que tudo indica é que o potencial existente não justificou a exploração.
Ecoturismo
A exploração de petróleo é dinheiro certo. Caso venha de fato a acontecer, trará muitos recursos e empregos para os municípios acreanos. Porém, a exploração pelo homem do recurso natural petróleo, o transformou em um dos principais motivos para acelerar o efeito estufa e as mudanças climáticas que estão em curso. Apesar da tecnologia moderna e avançada, sua exploração é responsável pelos mais graves acidentes ambientais no planeta, que causam fortes alterações aos ambientes afetados e as populações atingidas.
Surpreendido por tal iniciativa, e diante dos efeitos negativos causados ao meio ambiente por uma atividade como a exploração de petróleo, gostaria de sugerir ao ilustre senador Tiao Viana, que empreendesse esforço semelhante para alocar recurso menor ou da mesma monta, no Parque Nacional da Serra do Divisor, potencializando na região uma das maiores indústrias do planeta - o turismo ou ecoturismo. Essa indústria gera grandes volumes de recursos e empregos, sem causar 5% do impacto ambiental e social que o petróleo causa. O ecoturismo pode promover a conservação da região que concentra um dos mais altos níveis de biodiversidade da Amazônia.
Para estruturar o parque, seus atrativos e preparar as comunidades locais a empreenderem atividades que promovam o ecoturismo na região, seriam necessários menos de 30% dos R$ 75 milhões previstos à prospecção do petróleo e do gás. Tais informações estão disponíveis no Plano de Manejo do Parque, elaborado pela SOS Amazônia e aprovado pelo Ibama desde 1998, e no Plano de Uso Público do Parque, desde 2002. Infelizmente, parece que a falta de integração e comunicação é um problema que afeta também a relação do parlamento com o poder executivo, tanto no Acre como no País.
Governo da Floresta
Mesmo não querendo ser contrário a tal iniciativa, ao calcular o valor das compensações ambientais que uma exploração de petróleo deverá conceder em forma de recursos, provavelmente um montante capaz de consolidar o Parque Nacional, tenho de persistir na preocupação, sendo possível concluir que o desenvolvimento econômico pretendido tem como base uma atividade de grande impacto ao meio ambiente. Neste caso - o que é mais grave - vem fomentar a base energética que mais tem contribuído com o efeito estufa.
Por outro lado, diante das conclusões e constatações sobre as mudanças climáticas, anunciadas pela ONU em relatório oficial do dia 3 de fevereiro, pergunto: Por que não se intensifica na Amazônia, particularmente no Acre, os empreendimentos com a floresta em pé, sem vivenciar ameaças tão sérias, já que no nosso Estado estamos há mais de 8 anos sob a gestão de um governo que se anuncia o “Governo da Floresta “?
Quero ressaltar que o que se tem empreendido aqui no Acre em relação às florestas é muito importante, mas não é o suficiente para conservar a biodiversidade e se apresentar como alternativa às vantagens econômicas que a criação de gado propicia, pois nenhum custo ambiental esta atividade embute nos preços praticados no comércio da carne bovina.
Para ilustrar um pouco as minhas preocupações, menciono um fato que considero também muito relevante. Enquanto nossos dirigentes partem para tal empreitada, nossos vizinhos peruanos da região de Ucayali, em particular as comunidades indígenas, rechaçaram a iniciativa do governo peruano em licitar prospecção de gás e petróleo em lotes de áreas situadas na fronteira com o Parque Nacional da Serra do Divisor e outras áreas protegidas no Alto Yuruá, muitas delas com fortes indicativos de concentrarem índios isolados. Tal iniciativa deu resultado e os processos foram suspensos.
No nosso caso, isto ainda nem entrou em questão. Espero que a área indicada à prospecção não seja o Parque Nacional da Serra do Divisor ou qualquer outra área de proteção no Juruá, que por sinal tem 60% do seu território ocupado por áreas protegidas, como a Reserva Extrativista do Alto Juruá, o Parque Nacional da Serra do Divisor, várias terras indígenas e projetos de desenvolvimento Sustentável.
Defesa da população
Diante da avalanche de territórios selecionados na gestão do presidente Lula, para grandes empreendimentos na Amazônia, receio que no Acre possa acontecer o mesmo que em Rondônia, quando se decidiu construir as duas hidroelétricas e a hidrovia no Rio Madeira: não houve repasse antecipado de informação e discussões prévias com as comunidades da região. Quando o projeto foi anunciado, o mesmo já estava pronto e acertado. As audiências que ocorreram foram apenas para fazer os acertos finais e melhorar os acordos políticos.
Por termos visto isto acontecer, principalmente em épocas passadas, é que ficamos receosos de que, aos envolvidos, sejam apresentados apenas os benefícios. Os problemas e as conseqüências ruins, cientificamente comprovadas, serão, se for o caso, tratadas somente depois pela próxima geração, pois a atual só pensa no agora. Exemplos não faltam. Tanto que hoje são os responsáveis pelo caos ambiental e social que o planeta exibe, mesmo com tantos avanços e melhorias que a vida do ser humano possui, em comparação aos séculos passados.
Por anos, tenho tido posicionamentos que buscam combinar e equilibrar as atividades econômicas atuais (mantidas as devidas exceções, estas inaceitáveis), com a conservação ambiental. Entretanto, parece que não tenho conseguido me fazer entender. De maneira nenhuma, com este artigo, quero ser contra a melhoria de vida das nossas populações, muito pelo contrário. Como um cidadão que tem compromisso em trabalhar para que a democracia seja aperfeiçoada e a justiça social seja a premissa das relações na nossa sociedade, quero dar mais elementos ao debate e ajudar nossos governantes, parlamentares e juristas a decidirem por caminhos aos quais eu, muitos amigos e outras centenas de milhares de pessoas, boa parte eleitores dos atuais governos do Acre e do Brasil, consideramos os mais adequados para a realidade em que vivemos e a qual devemos estar sempre transformando para melhor.
◙ Miguel Scarcello é ambientalista, professor de geografia e secretário da Associação SOS Amazônia. Empresários dizem que pesquisas da ANP no Acre vão aquecer economia local. Leia mais.
8 comentários:
Caro Altino,
Para além de possíveis divergências com o Miguel e SOS Amazônia, concordo fundamentalmente com o artigo.
Como não bastassem os devaneios de uma ligação rodoviária com o 'pacífico' aqui no Juruá, querem insistir com o petróleo e gás, justamente quando a humanidade começa a entender que esse é o pior caminho.
O própio Estados Unidos, maior poluidor universal, vem em busca de energia mais limpa. Nós não podemos aceitar que o Brasil e, especialmente o Acre da 'florestania' mergulhe na idéia do desenvolvimento a qualquer custo. Já basta a privatização de florestas públicas que, se Deus quizer, ainda vamos derrubar.
A campanha da fraternidade da CNBB nos convida a uma reflexão sobre a realidade da Amazônia. O momento é de somarmos forças em um multirão pela amazônia e seus habitantes.
Bom trabalho.
Lindomar Padilha
Caro Altino,
Resolvi acrescentar mais um comentário que serve mais como uma observação ou cobrança. É que os moradores não-índios do Parque Nacional ainda não receberam nenhum tipo de indenização. A demarcação da terra dos Nawa ainda não se consolidou e a revisão da terra dos Nukini também está parada.
Não há dinheiro para realizar essas obrigações do Estado brasileiro. Não há dinheiro para fazer funcionar o Parque e desenvolver ações permanentes de fiscalização. Mas há dinheiro para a prospecção de petróleo e gás. E, assim, vamos dormindo em paz.
Bom trabalho.
Lindomar Padilha
Admiro Miguel pela coragem, pela coerência. Esse texto escrito por ele é um documento muito importante para nossa história e deveria ser transformado em manifesto. Muitos de nós assinou o documento redigido por Juca de Oliveira, precisamos agora apoiar Miguel. Muitos de nós aqui em Rio Branco, com capacidade para formar opinião, temem debater com os políticos que decidem a ocupação dos cargos e mais parecem o jacaré daquela estorinha amazônica: quando a onça esturra ele se arreia todo na praia, deixa ela vir comer o rabo dele e ir embora.
Rapaz, tô com o Miguel!
Fernando França
O Miguel é sempre muito coerente em suas posições. Concordo plenamente com ele e espero que esse seja o início de um amplo debate.
Onde está o ambientalismo acreano mesmo?? PV, ongs e outros verdes porque o sil~encia quanrto aprojeto BID de desenvl. sustentável?
è sempre bom saber que colegas da Geografia, ambientalistas militantes, que sabem perfeitamente que não há a menor possibilidade de sustentatabilidade sem a mudança do paradigma energético baseado no petróleo, estejam atentos aos projetos "desenvolvimentistas" que podem degradar, ainda mais, nossa já bastante agrdida, Amazônia.
Parabéns, Miguel.
O que precisa é abrir um amplo debate na sociedade civil, levantando e enfrentando os principais problemas do povo acreano (índios e não-índios)e com maturidade decidir por políticas públicas com possibilidade de sustentabilidade, em vez, de precipitadamente optar por iniciativas de possíveis riscos ambientais. Reforço a urgente necessidade dos parlamentares acreanos se mostrarem sensíveis e defensores do Parque Nacional da Serra do Divisor.
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