domingo, 14 de janeiro de 2007

XAPURI EM ARQUITETURA

Terra de Chico Mendes, em evidência por causa da minissérie Amazônia, a cidade reúne em sua arquitetura traços europeus, bolivianos e nordestinos

Wilfred Gadelha

Uma mistura de influências européias, bolivianas, nordestinas, sírio-libanesas e indígenas, que resiste ao longo dos anos. Encravada no meio da floresta em plena efervescência do ciclo da borracha, a cidade acreana de Xapuri – conhecida mundialmente como a terra de Chico Mendes e em evidência atualmente por conta da minissérie global Amazônia – viveu uma época de ouro, no início do século passado, com o dinheiro quase que literalmente escorrendo pelos veios abertos nos troncos das seringueiras. Este caldeirão de ingredientes aparentemente irreconciliáveis se traduziu na arquitetura cotidiana de casas, barracões de seringal e prédios públicos – como mostra a arquiteta fluminense Ana Lúcia Costa, no livro Madeira que cupim não rói: Xapuri em arquitetura 1913 a 1945.

A publicação é fruto da dissertação de mestrado em história pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) de Ana Lúcia Costa, que morou no Acre e há hoje vive no Recife. Orientada pelos professores Antonio Paulo Rezende e José Luiz da Mota Menezes, a arquiteta passou dois anos enfurnada em arquivos, bibliotecas e repartições públicas procurando documentos, ao mesmo tempo em que ia a Xapuri – hoje com 14 mil habitantes – para registrar o que sobrou daquela época. O trabalho acadêmico virou livro em 2002, durante as comemorações do centenário da cidade.

Para chegar à Xapuri de 1913, Ana Lúcia precisou antes ir atrás da história da ocupação da Amazônia. Quem? Quando? De que jeito? Perguntas que ela teve que responder para poder se concentrar no seu objetivo. “O nome do livro faz uma referência direta à resistência cultural e também à madeira, matéria-prima essencial tanto nas construções dos seringueiros como nas dos seringalistas”, explica a arquiteta, que trabalha atualmente na sua tese de doutorado, focada nos barracões de seringal.

A Princesinha do Acre respirou ares de metrópole durante a febre da borracha. Ana Lúcia resolveu delimitar o objeto de pesquisa ao período 1913-1945 – que compreende a fase de decadência da borracha até o ressurgimento do ciclo, com o acordo de fornecimento de látex feito entre Brasil e Estados Unidos, em 1942. “As autoridades estimularam a construção em alvenaria. Houve uma pequena mudança apenas nas fachadas das residências”, destaca.

Ela concentrou o estudo em três tipos de residências: os tapiris, onde moravam os seringueiros – em grande parte oriundos do Nordeste e caboclos amazônicos –, os chalés, casas dos donos dos seringais, e os barracões, sedes das fazendas de exploração de látex.

Os tapiris eram básicas, com uma porta e uma janela. A cobertura era de palha. Estas residências eram construídas com o que a floresta oferecia. “Os nordestinos foram para o Acre com o sonho de fazer fortuna e voltar para casa ricos. Os tapiris eram feitos para que passassem algum tempo.”

Os chalés eram construídos com madeira pré-cortada, vinda de Manaus ou Belém, e seguiam modelos projetados por empresas européias ou do Sul do Brasil. “O caimento do telhado se assemelha às casas alemãs”, prossegue a estudiosa. “Houve posteriormente o que chamamos de arquitetura cabocla, ou seja, uma adaptação local às características dos moldes pré-fabricados.”

Para os seringalistas, a solução do tapiri não se prestava às necessidades do seringal. “Suas sedes vêm revelar mais um exemplar da ‘casa brasileira’, cuja existência histórica vem de uma expressão erudita ou histórica”, complementa Ana Lúcia. Os barracões eram pintados, feitos em madeira aparelhada, com cobertura em zinco ou palha e caimento avantajado.

Wilfred Gadelha é repórter do Jornal do Commercio, de Pernambuco.

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