quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

MINHAS FÉRIAS

Leila Jalul

Se eu fosse autoridade na área educacional, em definitivo, baixaria um decreto proibindo que, no primeiro dia de aula, apenas para matar a má vontade de alguns professores, fosse pedida a eterna redação "Minhas férias". Proibiria outras coisinhas banais que se repetem ano após ano, deixando crianças com o emocional no chão.

Porém, como não sou autoridade e nem nunca serei, apenas sugiro. Ocorre com freqüência ver crianças órfãs tendo que desenhar corações e cartões para pais e mães que não existem mais. Não por insensibilidade dos professores, mas e muito pela orientação da própria escola.

Turmas grandes, salários baixos e outras dificuldades, não deixam às vezes nem que o próprio professor se aperceba desses “pequenos” detalhes. Volta às aulas: tema livre para as redações. Dia dos pais e das mães, atividades que envolvam quem os tenha, ou não.

Sempre deixo claro o respeito às exceções.

Foi na terceira ou quarta série do antigo primário, que me vi numa saia justa. O dia anterior tinha sido uma desgraceira só, pior do que nos outros dias. E lá estava eu com o cabeçalho prontinho. Caderno de papel almaço pautado, letra bonita, treinada no livro de caligrafia.

O tempo passando e não saía uma linha. Roía a cabeça do lápis, quebrava a ponta de tanta força, de tanto ódio, apontava, testava. Roía de novo o lápis de pau-brasil, mastigava um pouco de grafite, cuspia a seco. E nada. Enquanto isso, as meninas iam de vento em popa. Umas contavam da Fazenda Araripe, outras de pescarias, outras de passeio de batelão, festas de aniversários, Natal... E eu, nada!

Até que resolvi não ficar para trás e mandei ver.

"Minhas férias foram iguais as outras. Nada de novo. Mamãe trabalhando que nem doida na loja de vovô. Irritada, quase todos os dias me dava uma surra porque eu não tinha feito o que ela mandava. Esqueci de cortar os gravetos para acender o fogareiro e, quando fui buscar, tinha chovido e os paus estavam todos molhados. Também esqueci de tirar a roupa do varal e pegou chuva dois dias seguidos. A roupa ficou fedida, com cheiro de manipueira azeda. Apanhei de novo, desta vez com um pedaço de taquara que levantava o varal, pois, além de molhar, ainda arrastou no chão e melou de barro.

"Ontem foi horrível, papai chegou de porre, com o terno de linho todo manchado de batom das quengas da 6 de Agosto. Mamãe quase deu nele.

"Vagabundo, a estas horas? Ele, nem ligava, e só dizia: "calma, mulher, calma". Deitou com os pés sujos de lama na colcha bordada e dormiu. Foi assim quase todos os dias de minhas férias. Mas, ontem, ontem foi pior. Teve uma briga na esquina lá de casa. Briga feia! A Chica Tolete, possuída pelo bicho preto (não falo o nome dele), subiu num caminhão e foi preciso chamar a polícia. Ela bateu nuns dez soldados até passar o encosto e foi presa.

"Foi assim, e hoje estou muito feliz, por ser o primeiro dia de aula".

Reli, para ver se faltava alguma coisa e, para falar a verdade, fiquei com vergonha, amassei o papel e escrevi outra.

"Minhas férias foram ma-ra-vi-lho-sas! Passeei muito, pesquei, andei de barco no açude do pai da Laélia, Seu Joaquim Francisco, lá na Estação Experimental. Tomei muito banho com os meninos e vovó ainda deixou eu usar uma bombacha da minha irmã.

"Num domingo, papai, homem direito, que não fuma, não bebe, não joga e nem é namorador, me pegou pela mão e me levou para a praça do Quartel. Conversamos muito. Depois me prometeu uma boneca no Natal.

"Não ganhei a boneca, mas tá bom. Sei que ele é um homem de palavra, e, quem sabe, um dia dá. Não é mesmo?"

Minha mentira de nada adiantava. Minha professora Iranira sabia, e como sabia, que a verdadeira estava no chão.

Ganhei um "ÓTIMO!" de menção. E uma piscadela de aprovação.

10 comentários:

Anônimo disse...

Leila,
Como não alegrar minha madrugada, com essa leitura?
Aqui é mais de meia noite- tive mais um dia ocupadíssimo, graças à Deus- momentinho para dar uma "geral" nos emails e ler notícias do mundo e da terrinha e ai quase caí (morta de sono) no superblog do Altino (referencia Acreana por excelencia) lí seu texto e acordei! Delícia... Essa da Chica Tolete é o máximo! Você sabe que ela é uma dessas pessoas (figuras) que viram folclore? Mas eu tenho um carinho por ela...Quantas vezes minha mãe me puxava pela mão- eu com a cabeça dura voltada olhando praquela Senhora tão despenteada e sujinha? Beijos pra vc. Agora vou dormir, Boa Noite Leila, Boa noite Altino! XXX Silvana

Anônimo disse...

Leila, seus textos são mesmo uma delícia de ler! E você acredita que aqui na Alemanha é o mesmo? Minhas filhas estão no segundo ano e têm que escrever e relatar à professora o que fizeram durante as férias. Alguns vão para as férias de esqui nos mais caros Alpes e outros ficam em Hamburgo e não saem de casa. Uma das professoras pede uma pequena redação toda segunda feira, para as crianças contarem o que fizeram no fim-de-semana.
Beijos, eliane

Anônimo disse...

Eliane, traduz a crônica e envia para a professora e a direção da escola de suas filhas.

Anônimo disse...

boa idéia, Altino. Seria um jeito de fazer as professoras pensarem no assunto!

Anônimo disse...

Cara Leila,

A Brenda sempre comenta que acha essas indelicadezas ultrapassadas e não sabe como, até hoje, ninguém percebeu isso. Num mundo de especificidades, a educação infantil já deveria dar maior espaço às particularidades.
O certo é que a beleza das duas redações é intocável. Adorei o texto e, principalmente, o bom humor.

Krisba

Anônimo disse...

Menina Krisba, vc continua tendo que ler em voz alta os jornais e notícias para a Brenda?
Mas é isso, vc e Brenda, como filhas de uma educadora, minha irmã Lindaura, sabem que, conforme se dizia, nem os dedos das mãos são iguais. O polegar da direita pode ser mais torto que o da esquerda. Mas, criança bonita, são os modelos! E deles, quem pode fugir?
Há modelos e modelos. Quem se atreve a, senão modificá-los, pelo menos a adaptá-los às variáveis climáticas, geográficas, sociológicas, bio-psico-pedagógicas, antropológicas, e fisiológicas? Muitas ógicas, não?
Sabe, Krisba, nunca fui educadora. Aliás, sempre não quis ser. Seria um desastre. Para mim, para meus olhos, menino só devia começar a estudar depois da primeira infância. A escola da primeira infância deveria ser apenas do brincar, de ter amigos invisíveis. Ocorre que o tempo ruge, todo mundo precisa trabalhar, o mundo não tem mais cercas, e, tá tudo aí. Para quem quiser ver.
Exemplifico: quem disse que desejei um doutor honoris causa com 15 anos de idade. Quem é feliz sendo menino que não soltou pepetas? Por acaso vc já ouviu de um filho seu, analfabeto, reproduzir um desenho ou qualquer filmeco com a própria interpretação e se permitindo montar suas próprias legendas? Isso é impagável!
Um beijo, queridas, nem todo sonho é impossível, nem toda realidade é legal!
Com carinho.

Anônimo disse...

Querida Leila,
Primeiro queira lhe perguntar, a Krisba é irmã da Brenda? Eu não a conheço. Toinho foi amigo do meu irmão Fernando e a Brenda e eu fomos colegas por incrível que pareça, em Belém, toquei violão e ela cantou comigo algumas canções num Festival (Colégio Moderno). Saudades dela... Pois bem. Eu concordo plenamente com vc- no aspecto de que menino tem que BRINCAR primeiro antes de começar a escrever tese, embora essa seja a realidade (demanda da educação) também aqui da Europa. Não quero parecer esnobe nem pretender "original" mas você sabe que eu me recusei em colocar minhas filhas no sistema escolar daqui (no inicio) exatamente por causa do fato de eu achar que é muito cedo para colocar as crianças na escola? Passei os primeiros anos da vida delas tomando conta eu mesma. Tivemos sorte de viajar para o Brasil, vivência essa que foi experiencia extraordinária para elas. Eu as deixava solta- para brincar. Tenho consciencia absoluta que isso foi um grande previlégio- no mundo de hoje- mas esse previlégio ai eu conheci: O de soltar pepetas e correr atrás de bola, subir em mangueiras, ir pro seringal... (!) Aqui o ano letivo começa em Setembro e termina em Junho, de maneira que, como minhas meninas fazem aniversário (uma 26 de fevereiro e a outra em 26 de Outubro) em ambos caso deveria colocá-las UM ANO antes da idade adequada ao começo da "alfabetização"- se não o risco delas estarem ATRAZADAS na classe (em comparação a idade das outras crianças). Pois bem. Eu corri esse risco e deixei que atrazassem um ano para que elas vivessem pelo menos os primeiros aninhos da vida delas gozando do que é ser criança. A maior, hoje com 16 anos, me agradece... Ela coitada (como as meninas da classe dela) vivem estressadas, apurrinhadas com tanta coisa para estudar. mesmo "atrazada" ela já está passando a primeira fase do que equivale ai o "vestibular". Isso quer dizer também que aqui quando vc garante sua vaga numa universidade (vc pode colocar sua candidatura à várias) vc tem o direito de passar um ano sem estudar... o que perminte que muitos viajem para o exterior em "missões" ou passem um ano trabalhando para "levantar" uma grana. Depois disso- adeus- começa a faculdade e a vida de estudante recomeça...Mas não deixa de ser... Os anos de criança são os mais lindos e deixem as crianças brincarem pelo amor de Deus!!!! Beijos, SIlvana

Anônimo disse...

Silvana, a Brenda e a Krisba são as irmãs mais novinhas do Toinho Alves. São muito bonitas, nem parecem irmãs do rapaz. São figurinhas muito legais, além de bonitas.
Pois é, amiga, nossas idéias são parecidas. Infelizmente, nossa realidade, não. As escolas públicas, por sorte, ainda impõe uma idade mínima para o ingresso. As particulares, via de regra, apenas as sérias fazem isso, No mais é rolo só.
No nosso país, o que mais tem é lei. A gente tropeça nelas. Mas, cumprimento e fiscalização, isso é outra coisa.
Os pais vivem numa sinuca de bico. As empresas, mesmo as obrigadas a implantar creches, não estão nem aí. Ou trabalham e compõem uma renda razoável para a manutenção, ou um fica em casa - normalmente as mulheres - comendo as pontas dos dedos e fazendo malabarismos para chegar ao fim de cada mês com o dinheiro do pão.
Posso parecer exagerada, mas não sou. Que fazer?
Quem sabe um dia melhora, não é?
Um beijo grande. Adorei saber que vc tem uma pisciana de 26 de fevereiro. Mais uma que vai viajar na maionese. Sou de 25 de fevereiro, e vivo disso.

Anônimo disse...

Leila,
INCOMPARÁVEL a situação do nosso Brasil com a daqui, mas uma coisa posso te afirmar. A situação da mulher não é ainda maravilhosa. A gente tem que ser mãe e ainda sair pra trabalhar, cuidar da casa, aqui em geral não temos o uso de 'empregada' pois é muiiiito caro, coisa para ricos e milionários, temos que 'pilotar' o fogão e o tanque (!) ainda mais dar assistência aos filhos e ao maridinho- qdo tem um pois tenho amigas que são solteiras - ( tambem a maezinha) e se sobrar um tempinho ir a ginastica e grana a gente vai ao cabelereiro, enquanto as crianças estão na escola ( o horário das escolas aqui é de 8h30 as 3h30), pois é... vamos dizer assim simplificando. Mas é a vida (e ela é BELA!)
Como vc observou minha filha mais velha é Pisciana, ASSIM que meu marido (22 de fevereiro), minha mãe (3 de março) e meu sogro (28 de fevereiro) então vc já entendeu tudo - para eu que sou leonina é um 'aguaçal' danado em cima do meu fogo! Por favor dá um beijo na Brenda por mim- concordo ela é muito linda, sim e super inteligente! Me deu saudades do nosso tempo de moleca. Agora vou dormir que aqui é 12 da noite- somente para terminar. Lí seu outro texto (intervenção Federal) e não agüentei de rir!!!!! Vc é muiiiiiiito bacana e escreve muito bem- que eloquencia, um talento mesmo- sem frescuras e puxação de saco. Um fato. Devias escrever um livro de crônicas. Escreve um CURTA para mim?
Beijos.

Anônimo disse...

Minha amiga,
Curta, aqui em casa, só a minha mentalidade! rs
Mas deixa eu falar, como curta é adaptação de um fato, ou de fatos sobre uma pessoa, quem sabe, numa dessas croniquinhas, vc acha inspiração para um roteiro, correto? Ou tens algum palpite? Alguma idéia?
Meu abraço para todos os piscianos. Um beijo