quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

CONTAGEM DO PADRE JOSÉ

Walmir Lopes

Contam que certa vez, durante uma de suas desobrigas, o padre José atravessava a mata com destino a uma colocação, acompanhado de um ingênuo caboclinho, filho de seringueiros e profundo conhecedor das matas da região, beirando os 16 anos, analfabeto e avesso a escolas.

Durante o trajeto, o padre José procurava fazer enxergar a necessidade de um mínimo de estudos como ferramenta básica para resolver os problemas de sobrevivência na cidade grande, destino final dos sonhos do pequeno bugre.

Seguiam distraídos pelo varadouro, quando ouviram estalidos crescentes de galhos e folhas secas quebrando, acompanhados do bater de presas e roncos característicos de porcos do mato. Era um grande bando de “queixadas” que se aproximava e iria cruzar o estreito caminho uns vinte a trinta metros do local onde eles se encontravam.

Conscientes do risco que representava o enfrentamento direto, os dois se puseram à margem e aguardaram em silêncio a passagem do bando, prudentemente escondidos na sapopemba de uma samaúma.

Após a estrepitosa passagem e extinto o perigo, o rapaz exclama, olhos arregalados:

- Padre, nunca vi tantos queixadas juntos de uma só vez!

- Trezentos e quarenta e dois - complementa o sacerdote, imprimindo grande seriedade à afirmação e sem permitir que o companheiro de jornada se desse conta do sorriso matreiro que ele escondia sob um imperceptível movimento dos cantos da boca.

O rapazola, embora sem admitir que um ministro de Deus pudesse mentir, arrisca, meio que intrigado:

- Mas padre, como o senhor conseguiu contar tantos porcos em tão pouco tempo?

Padre José, sentindo que já estava a meio caminho andado de seu objetivo, se apressa em explicar:

- Meu filho, não foi difícil. Simplesmente fiz uma conta de dividir. Contei o número de patas, que somadas, totalizavam mil trezentas e sessenta e oito. Em seguida dividi por quatro!

E arremata com o golpe de misericórdia:

- Veja o valor do estudo! Como eu iria contar os porcos se não soubesse aritmética?

Meio confuso com tão complexa explicação, o pequeno seringueiro, no entanto, aquiesceu e seguiram viagem rumo à colocação. Ele à frente, pensativo e no papel de guia, com o padre logo atrás, se esforçando para não ser traído por uma risada presa na garganta.

Uma semana depois, a escola municipal do seringal acumulava novo aluno. O padre José, com sua presença de espírito, mais uma vitória.

O acreano Walmir Lopes, comerciante em Olinda (PE), é sobrinho do Padre José, que será interpretado na minissérie "Amazônia" pelo ator Antonio Calloni.

5 comentários:

Anônimo disse...

A história está muito bem adaptada. Mas, na verdade, trata-se de um causo mineiro muito antigo. Pergunte pra mineirada que o lê

Anônimo disse...

Caro João Maurício. Com todo respeito pela mineirice do seu ponto de vista, quero esclarecer que:
...este caso do padre José é real e sem adaptações e assim como este há centenas de outros catalogados em minha memória, não só através da convivência pessoal como do boca a boca entre familiares e amigos.
...é possível que o padre, homem instruído e viajado que era, tenha colhido este caso, não necessàriamente um “causo”, em qualquer estado brasileiro, incluindo Minas, tendo-o, ele sim, perspicaz que era, adaptado às necessidades daquela circunstância específica com fins (não confundir com confins) pedagógicos.
...de qualquer forma valeu o comentário e brevemente estarei, de novo em BH, no aconchegante Mercado Central, comprando mais uma grade da maravilhosa cachaça mineira, pois meu estoque está acabando, sem esquecer no entanto, que temos cachaça da boa também na Bahia, Pernambuco, Alagoas, São Paulo, Rio de Janeiro, Acre e por aí vai. Saudações brasileiras.

Anônimo disse...

A história é mto boa, mas está bem melhor contada pelo Sr. Walmir :) , digna de ser multiplicada aos milhares de brasileiros que estão presos a esse show de minissérie que é AMAZÔNIA!

Anônimo disse...

Conheci o tio Padre José em 1987 no acre
.. viajamos pelo acre junto com ele em seu toyota azul e ouvimos muitas histórias legais. ele realmente era uma pessoa fora do comum.

Anônimo disse...

Se a história é mineira ou acreana que importância tem quando se está querendo mostrar a uma pessoa a importância do estudo????? Agora, que Padre José tinha muita história pra contar e ensinamentos, isso é bem verdade pois eu mesma ouvi muitas em todas as vezes que tive oportunidade de estar com ele. um abraço