sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

ZERO EM REDAÇÃO

Leila Jalul

Do meado para os fins da década de 70, um menino, quase imberbe, fazia vestibular para o curso de História na Universidade Federal do Acre. Não conhecia o menino, mas pelo nome, era parente dos parentes dos meus parentes. Isso não conta. Aliás, não conta nem um centavo!

Por acidente de trabalho, fui secretária da comissão que aplicava e analisava as questões sub-reptícias e cheias de más intenções que colocavam à flor da pele os nervos e a paciência dos acalorados estudantes e, por que não dizer, exibia a capacidade do docente alucinado por pegar nas esquinas do conhecimento os incautos e atrevidos pretensos ingressantes no ensino superior.

Ser superior já é uma desgraça, por si só. Provar que é superior, é desgraça multiplicada por dois. Mas é assim. Ainda é assim, tanto que se optou para abrir vagas por cotas para negros inferiores que ocuparão salas dos brancos superiores. Será necessário uma corda divisória no meio da sala? Isso também não interessa. Valerá a intenção.

O que importa é contar que, na qualidade de secretária da comissão, nas madrugadas dedicadas à correção, me interessei por ver as redações que zeraram. Não tinham qualquer identificação. Daí nenhuma culpa, nenhuma proteção. Apenas o candidato sabia o seu número de inscrição. E foi aí que, sendo poucas as que não alcançaram nada, tive a oportunidade de pegar na mão uma, particularmente uma, que me chamou bastante atenção.

O tema da redação era "Vestibular, sim ou não?" Mais ou menos isso.

Um ZERO, por extenso e outro (0) entre parênteses. Comecei a ler e ruborizei. Confesso, me tremi. O texto de 20 malfadadas linhas (tinha ainda o fator repressivo) era, senão perfeito, quase. Tinha melodia, lógica, pontuação, limpeza ortográfica, metafórico, para não polemizar além da conta. Texto bom, daqueles que noves fora, nada! Enxuto, gostoso e politicamente correto.

Lembro do intróito: "Como responder uma questão quando se tem na mão uma caneta e no outro o coração".

Esse imberbe era o Binho Marques. O zero que lhe foi atribuído, até hoje, confesso, deve ter sido por causa do estresse dos professores que varavam madrugada. Só esse fator desgastante explicava a cruel injustiça com o menino. A redações de zero eram revisadas e a mestra Wanir, pensando como eu, passou a redação do Binho de zero para 9. Se estivesse absolutamente perfeita, seria 10.

Binho se classificou num dos primeiros lugares e cursou História, brilhou no movimento acadêmico junto com outros não menos brilhantes, como Marina Silva. Foram contemporâneos. Hoje, a educação é seu tema preferido. Sabe falar disso com experiência e consciência. Sabe que não precisa ser negro, nem branco, nem índio, para ter acesso à escola, sem que se precise ter na mão uma caneta e na outra o coração.

Educação, educação, educação. Educação de qualidade, com escolas de qualidade, com professores de qualidade.

É preciso pedir mais?

4 comentários:

Anônimo disse...

Brasilia, 29 de dezembro de 2006

Ao

Sr. Altino Machado,

Para conhecimento, matéria de nossa autoria publicada nesta data no site www.nahoraonline.com.br , onde apontamos a importância do governador Jorge Viana como eventual articulador político no novo governo Lula.

O artigo pode ser acessado diretamente neste link:

http://www.nahoraonline.com.br/3_mostranoticias.asp?id=6681

Ou ainda, naquele site, e em seguinda "clicando" em cima da nossa foto, que estará á esquerda da página.

Como autor da matéria, autorizo desde já eventual uso que esse jornal possa fazer do mesmo, desde que citando a fonte.

Atenciosamente,

Milton Córdova Junior
(061) 33828301 / 9211 4545

Anônimo disse...

As coisas vão dar muito certo por aí - mais ainda do que vinham dando - com o Binho e sua caneta em uma das mãos e o coração na outra. Parece que ele sabia, naquele momento da prova de redação, que era assim que as coisas deveriam ser e serão, tenho certeza. Terei muita felicidade em visitar o Acre e ver de perto essa escola tão sonhada: qualidade, qualidade, qualidade.

Anônimo disse...

Leila, um abraço. Será que nessa escola de qualidade tem um lugarzinho para eu dar aula de... REDAÇÃO? Me chama que eu vou! Mas atenção: costumo dar zero também, com caneta vermelha, de coração.

Anônimo disse...

Grande professor, todas as escolas de qualidade devem abrir as portas para um especialista de seu porte.
Com absoluta segurança posso afirmar que, numa das cadeiras da primeira fila, estarei eu, sentada e procurando sorver e absorver suas lições. Quem sabe, assim, desmantelaria os meus rolos gramaticais! Tomaria muitos zeros, disso eu sei!
Felizes acontecimentos para o ano de 2007. De coração.
Leila