domingo, 10 de dezembro de 2006

FREGUESIA DO Ó

Leila Jalul

Ontem, antes de deitar, imaginei falar de meus antigos e ilustres vizinhos. Não foi preciso nem pensar muito. Eles me acordaram, numa confusão, às 4 da matina. Como já faz tempo que subiram, ainda não estão acostumados com o andar da carruagem hoje.

Fiquei aborrecida e resolvi logo incorporar, não sem antes me precaver com um pouco de oração, não sem antes pedir proteção aos meus mentores. É verdade.


Primeiro me chega Seu Vidal, marido da professora Maria Augusta. Eles moravam num sobrado. O velho era cheio de mungangos. Gostava de assustar crianças quando mostrava uma fotomontagem onde aparecia com sua cabeça separada do corpo. Uma cabeça horrorosa, uma boca cheia de dentes, estampando um sorriso aterrador. Quantas vezes corri para não ver aquele troço, que me fazia dormir embaixo da cama, tanto era o medo.

Logo em seguida, me aparece o primeiro estilista que já andou nestas plagas. Custei a lembrar o nome do distinto. O cara era um sósia, sem tirar nem por, do Zé Bonitinho, aquele personagem do Chico Anísio.

E o nome dele? De repente, lá da cozinha, com voz de deboche, um outro da fila grita:

- O nome dela era Flávio!

Isso mesmo. Precisava ofender? Flávio era alfaiate e modista. Muito afetado, quase não pisava no chão. Tinha a leveza dos cervos. Com sol, com chuva, sempre com suas revistas Burda debaixo do braço. Um mostruário de rendas e tecidos para fazer as demonstrações, sempre que solicitado.

Fazia questão de conhecer os tecidos importados, os nomes das cores das linhas de seda, e dos tecidos: azul natiée, renda racinne, shantung, tafetá chamarlotado, e por aí. Frescura, era com ele mesmo.

Mas se deu mal quando aceitou uma encomenda para o vestido de 15 anos de uma mademoiselle. O vestido ficou de tal forma vulgar, tão vulgar, que a menina mais parecia uma vadia. Perdeu o dinheiro e mais da metade da clientela. Saiu do ramo.

Mais pra baixo, o quarteirão do Seu Merched onde, a partir das 18 horas, se ouvia as ondas sonoras da Rádio Sedan Sukicista. Músicas árabes lamentosas e, de vez em quando, para contrabalanço, aparecia: No meu Cariri, quando a chuva não vem/ não fica mais ninguém, somente Deus ajuda/ Se não vier do céu, chuva que nos acuda/ macambira morre, xique-xique seca, juriti se muda..."

Agora, coisa de doer na alma, era o casal Nestor e Xavier e suas filhas Dadi e Didá. Gêmeas, creio, eram feinhas e muito magras. Alguém pode me dizer, que mal fizeram aquelas duas criaturas para possuírem esses nomes? Não poderia ser Sandy e June? Maria Inês e Inês Maria? Luana e Luena? Wanda Célia e Célia Wanda?

Olhei pro lado e vi seu Alli Mussi, já cansado. Resolvi deixá-lo furar a fila. Mais conhecido como Raimundão, tinha uma loja de panelas, tachos e caçarolas, além de uma seção de secos e molhados. Tinha, também, uns vidros tipo apartamento, onde colocava os chichetes e bombons já molhados. Uma melequeira dos diabos.

Quando eu ia lá, pedia para que ele me mostrasse as panelas que viviam penduradas no teto, amarradas em pencas num fio de arame. Espaço pequeno e bem aproveitado. Uma vez, pedi para ajudar o velho, só para ter o prazer de deixar cair e ver o estrago e ouvir a barulheira do alumínio.

Fui posta pra fora, aos tapas, na carreira, ouvindo o Raimundão esbrevejar:

- Haredine, acruta! Haredine, acruta!

Pelo som, pela rima...

Pedi aos demais invisíveis na fila para que voltassem na proxima sessão.

Leila Jalul é poeta, cronista e procuradora aposentada da Universidade Federal do Acre.

8 comentários:

Anônimo disse...

Caro Altino,
Passei para lhe desejar a continuação de bom domingo.

Anônimo disse...

Altino, fala pra leila criar um blog pra ela.

Anônimo disse...

Sérgio, como se não bastasse o pessoal pedindo dicas do Shampoo Esperança ou enviando currículo para o elenco da minissérie, aparece você ainda me pedindo o recado para a Leila criar um blog. Você tem o e-mail dela. Escreve e sugere. Ou então sugere aqui mesmo, diretamente para a cronista, que ela vai tomar conhecimento.

Anônimo disse...

Sérginho, eu não posso ter esse negócio de Blog, por várias razões. Primeira e principalmente, por ser uma pessoa tímida de nascença e que, para me soltar, preciso de tomar umas cinco redondas. Quando tomo as redondas, não sai outra coisa senão lembranças das camas quentes e das noites de serão. Imaginem um blog umedecido de lágrimas e fluídos de amor!
Outra grande razão é a necessidade que tenho de discutir antes o que escrevi. Nesse ponto eu, Altino e Dona Kátia, nos entendemos bem. Ela dá pitacos, ele me modera e eu solto o verbo. Somos uma oficina de literatura... risos. Até agora o trio Bala sem Rumo está se dando bem.
A última das razões, já muito revelada por mim, diz respeito ao desconhecimento e ignorância com esta máquina.
E assim, não tenho a menor vontade de fazer carreira solo.
Veja você, numa telinha só, com uma dedada só, vc toma banho de cuia com as palavras sobre nossa terrinha, encontra dois ou mais bons amigos, e ainda tem gosto para comentar.
Beijo no seu coração de menino passarinho.
Leila

Anônimo disse...

Queridos Visconde e Leila,

Pode parecer que eu tõ querendo tirar o meu da reta,o que não é o caso. Well, eu
quero dizer bem "dizido" que o Sergio que fez o ultimo comentário, não é o
Sergio Souto, apesar de passarinho como
seu Aldenor que vai voar de asa delta.
Leila, use e abuse do blog do Altino.
Vai que a bola é tua. Dá de bico, de bate-pronto, de canela. Dá um lençol ou
passa por entre as canetas. Eu torço da arquibancada...

Meu apreço

Anônimo disse...

Sérgio Souto, meu querido, as explicações ao outro Sérgio, a quem chamei de menino passarinho. foram bem dadas, não acha?
Você também é menino passarinho, e dos melhores. Sua canção é sempre alimento.
Mil beijos e não se preocupe, vou levando junto com o Altino, numa boa!

Anônimo disse...

Ah, não, Leila. Dadi e Didá são nomes-dadá, lindos, andam de asinhas dadas com a poesia. Um abraço.

Anônimo disse...

Mestre Juarez,
Vou concordar vom você. O meu problemas com as filhas do Nestor não tinha dada a ver com os nomes. Pensando bem, até que são bonitinhos. Tanto concordo que, num futuro próximo, vou pensar em batizar minhas netas com os nomes NINI e NINÁ. O que acha?
Minha bronca com as garotas é que elas eram muito educadinhas. Muito arrumadinhas. Isso me tirava do sério!
Outro abraço.