quinta-feira, 9 de novembro de 2006

SAUDAÇÕES ACREANAS

Fernando Mello

Tomei a liberdade de enviar para sua apreciação uma faceta do meu trabalho, ou seja, um pouco do que faço com música por aqui. Privilegio o estilo que nos diz mais respeito, penso eu, que é o mais brazuca, mais acreano, mais raiz, mais região. Só não é o único. Enquanto compositor, gosto de muitas coisas que estão entre Luiz Gonzaga e Michael Jackson, se é que você me entende. E reproduzo, ou pelo menos tento, todas essas tendências no meu trabalho.

As músicas que envio remetem muito à minha (nossa) terra, Altino. Sinceramente, quando as ouço, me vem à cabeça, imagens de um Acre que certamente não existe mais. A Rio Branco de ruas de terra, elevadores inexistentes (motivo de sonhos constantes de como seria poder andar em um), de barracas de tacacá espalhadas pelas esquinas, da praça cheia de gente andando em volta dela, uns pra lá, outros pra cá.

E era tanta a magia da praça que havia uma história para cada banco, uma magia para cada canto, uma história de um amor realizado, outro nem tanto, a lembrança de um sorriso, de um simples mas significativo beijo, a lembrança das bichas, dos bêbados, dos doidos de todos os tipos, e do coração de uma cidade. Tudo isso diante dos olhos desconfiados do batalhão da Polícia Militar de um lado, do Hotel Chuí do outro (esse tinha um elevador, talvez o único da capital), e, mais à frente, o supermercado "Beira-Rio", que depois cresceu e transformou-se em "Dois Oceanos".

Pois bem, se formos mais lá prá trás, essas músicas me trazem as imagens do rio Juruá, e seus braços, como o São Salvador, no qual a gente se banhava quase todos os dias, livres dos perigos do rio e, ao mesmo tempo, em total harmonia com a floresta e suas benesses. Longe da TV, dos supermecados, das pias e dos chuveiros.

Sei que você bem lembra como a gente sonhava com água encanada e com um banho de chuveiro, que ficávamos a imaginar como seria. Lembro bem da alegria em nossa casa, de poder tomar banho de mangueira, com água que lá chegava, em vez de termos que ir buscá-la ao longe, num poço qualquer, e voltar com um pau atravessado nas costas, que sustentava duas latas pesadas. Era penoso.

Essas músicas representam essas coisas. Minha infância, nossa terra, e o que há de mais longínquo e bonito na história da minha vida. Tanto que uma delas se chama exatamente "Cruzeiro do sul".

Espero que goste, e que, se for possível, as torne conhecidas para os acreanos, já que eu ainda não posso fazê-lo.

Fiquei muito feliz com a vitória do Binho Marques. Quem diria que aquele amigo um pouco estranho, meio calado e viciado em autoramas, se tornaria o governador do Acre. Quem diria.

Um grande abraço pra você e todos os nossos amigos acreanos.

Fernando Mello é músico e mora em Teresópolis (RJ). Quem quiser conhecer um pouco da obra do compositor deve visitar a página dele no Multiply, onde disponibilizou seis faixas para download.

5 comentários:

Anônimo disse...

Ouvi a faixa 10. Poesia simples de musicalidade incontestável, rimas articulando um ritmo gostoso que, na melodia, a percussão marca na medida certa. O desencontro dos temas é mera aparência, há uma coerência e uma simbologia tranquila nos desdobramento do tema tratado. O arranjo apoiado por um sax bem tocado cria o clima, sensação de quem vaga na solidão da cidade grande conduzido pelas lembranças do amor perdido. Gostei. Parabéns Fernando.

Anônimo disse...

Altino,

Tenho tentado convencer o cabra Fernando a voltar a Rio Branco para uma série de shows. O Acre precisa vê-lo e ele precisa rever o Acre!

Um abraço,

Cesar

Anônimo disse...

Mário, teu comentário é perfeito. Essa canção, "Myra", é a que dá nome ao trabalho, e é exatamente isso: um vagar urbano, conduzido pela lembrança de um amor perdido.
Obrigado e um grande abraço.

Anônimo disse...

César, a vontade de rever minha terra é grande, talvez maior do que a vontade de ser visto por ela... mas sonho em conjugar esses opostos.
Quem sabe isso está mais perto do que imaginamos?
Grande abraço.

Anônimo disse...

Caro Fernando.
Concordo com o Cesar e com o Mário.
Já está na hora do grande retorno. com certeza serás bem vindo.

Parabens, e sucesso com o "MIRA"

SERGIO SOUTO